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Crítica | Abracadabra (1993)

Primeiros calafrios: revisão crítica de Abracadabra.

por Fernando JG
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No ano de 1693, três irmãs bruxas são banidas de Salém após cometerem, em busca da eterna juventude, uma série de atrocidades com as crianças locais. Descobertas e condenadas, as irmãs Sanderson são levadas à forca para alívio da população e enfim somem do mapa. Quando no século XX, trezentos anos após o desaparecimento das bruxas, o jovem Max (Omri Katz), numa visita à antiga casa das Sanderson, acende uma vela enfeitiçada numa brincadeira de Halloween, o rapaz sem querer traz de volta à vida as bruxas de Salem e agora precisa correr contra o tempo para salvar não apenas as crianças da região, mas sobretudo a sua pequena irmã, Dani (Thora Birch), que corre perigo.

Muito se diz, em especial de Abracadabra e de Convenção das Bruxas, que o valor fílmico que é conferido às películas está sempre atrelado, inevitavelmente, ao espectro sentimental-subjetivo de uma nostalgia e por isso o valor da obra fica comprometido pela falta de objetividade crítica em relação a mesma, crítica esta que por sua vez está sempre envenenada pelo ácido da subjetividade, quando deveria ser objetiva. Observa-se que não há como fugir desta encruzilhada, mas digo logo de entrada que Abracadabra é bom não porque evoca algo de um passado mítico-nostálgico, mas é que, numa revisão tardia do filme, ele se mostra ainda divertido, com uma trama que não perde seu vigor, um timing certeiro nas sacadas e sobretudo relevante dentro da sua proposta fílmica, que é a de ser despretensiosamente uma fábula infantil a respeito do Halloween – que de quebra ensina alguma moral básica a todos aqueles que, em tese, são consumidores desse tipo de produto: ou seja, ensina, pela dor de uma perda, o valor da união e a importância de laços afetivos. 

Como aspecto compositivo, se vale, portanto, de um humor cínico que, não totalmente escondido, se faz presente em inúmeras sequências e dão um tom despojado ao enredo. Esse humor extremamente atualizado dá um ar de universalidade à estética fílmica, fazendo-o perdurar. São espécies de piadas que, introduzidas nos diálogos, vão debochando da própria condição dos personagens. Há um misto entre comédia e horror, ou seja, um roteiro que é descontraído e fluido na sua ação principal, mas que mantém uma atmosfera sombria na elaboração da ambientação e mise-en-scène.

A película investe numa “fantasiação” e ganha não em trazer algo novo ao seu conto de Halloween, mas em fazer de suas personagens um emblema de carisma, seus heróis corajosos o suficiente para enfrentar o perigo e o seu figurino extremamente marcante, embora com poucas aparições musicais, é verdade, mas que casam bem com o fluxo de enredo, especialmente Come Little Children, cantada por Sarah Jessica Parker num momento oportuno. Nota-se uma montagem inteligente que faz uma excelente ligação entre o Século XVII e o XX através do recurso da retrospecção, bem como adequa o reaparecimento das estranhíssimas figuras ao contexto de Halloween, o que significa que ninguém consegue distinguir se são seres diabólicos de verdade ou se é alguém que está fantasiado para o famoso 31 de outubro, o que dificulta a resolução do nó dramático, fugindo de um encerramento facilitado, levando seus personagens a aventuras, desventuras e desenganos até que encontrem a solução do enigma.

O gênero, embora fantasia, explora temas que provocam um medo infantil, assim como as obras de Roald Dahl, investigando todo aquele sentimento de pavor que se dá numa primeira infância, como a presença dessas figuras maléficas, o medo da castração ou da perda dos pais e de quem se ama – e isso novamente tem o poder de alçar a obra a uma determinada universalidade porque, como se sabe, os medos acabam sempre sendo os mesmos quando se é criança.

Se Bette Midler é simplesmente a dona de todo o filme, é porque de fato ela tem o carisma ideal para esse tipo de papel, caminhando de um cinismo imoral para ações positivamente maquiavélicas com muita naturalidade. Sarah Jessica Parker é algo que não se entende bem, se experimenta. A sua bruxa deslocada é um misto entre mania e insensatez, para não dizer que a sua personagem está o tempo inteiro sob efeito de alguma fumaça mágica, isto é, chapada. Kathy Najimy, a terceira das bruxas, esconde-se por trás de um manto de tolice, mas que é fundamental na composição do trio. Embora encontremos três personagens, há um protagonismo basilar em Bette Midler, que faz com que as outras sejam suas súditas. Gostaríamos de ver um pouco mais das habilidades das outras duas, que ficam apagadas no decorrer do longa-metragem em prol de uma bruxa suprema que comanda todos os descaminhos e trapalhadas. 

Bobas, sim, mas geniais na produção de um efeito dispensável, mas inesperado, as cenas do baile à fantasia e sua coesão com o todo do filme mostra um bom trabalho de ligação e continuidade. Quando chegam as bruxas à festa e então Max sobe ao palco para denunciá-las, apontando igualmente para as três enquanto uma luz branca recai sobre elas, evidenciando suas imagens grotescas, manipula-se um efeito contrário do esperado. Se era esperado que fossem expostas e consequentemente capturadas, o tiro sai pela culatra através de uma ótima resolução da trama. Nesse momento, com muita naturalidade, o roteiro faz a personagem de Bette Midler, Winifred, cantar I put a spell on you enquanto debocha da denúncia. Todos riem e pensam ser um espetáculo ou algo do tipo enquanto dançam ao som da música, afinal, quem acreditaria estar vendo uma bruxa (de verdade) numa festa à fantasia, quando todos estão vestidos de bruxas, dráculas, diabos, entre outros? 

Pela letra, I put a spell on you, vemos logo que não se trata de uma simples performance, mas uma apresentação seguida de um feitiço, fazendo com que todos fiquem dançando sem parar durante toda a noite – como naquela epidemia de dança ocorrida durante a Idade Média em que as pessoas dançaram por semanas. Com isso, as irmãs estariam livres para seguirem com seus planos sem ninguém atrapalhá-las. Assim, o roteiro resolve o problema de ter de lidar com outros personagens e os enclausura numa sala, enquanto desenvolve sua narrativa principal – e também causa um efeito de surpresa pela agudeza de um trabalho simples, mas extremamente saboroso pelo desenrolar natural de como as coisas se deram. É isso: se fazer despretensioso na sua ideia de filme e conseguir tirar boas entradas, sequências inesperadas, entre outros. Hocus Pocus assume que é palerma e isso está estampado através de suas bruxas desastradas e seu roteiro circular que sempre acaba em algum tropeço. 

Um calafrio inocente e de primeira infância, Abracadabra provoca um assombro despojado e sem intenção alguma de ser algo que não é. Sabe o seu lugar de fantasia de segunda divisão e ocupa-se, por isso mesmo, em explorar um lugar-comum das fábulas de Dia das Bruxas. Contenta-se numa baixa adesão à psicologia dos personagens, mas compensa num enredo de peripécias e lições morais próprias de um conto feito única e exclusivamente para um determinado público. Mesmo nichado, não subestima sua audiência-alvo e entrega uma película essencialmente mediana, mas que entretém e cumpre a sua função de ser uma caricatura temática de uma cultura popular comemorada todos os anos e com plena adesão social.

Abracadabra (Hocus Pocus, EUA, 1993)
Direção: Kenny Ortega
Roteiro: David Kirschner, Mick Garris, Neil Cuthbert
Elenco: Bette Midler, Kathy Najimy, Sarah Jessica Parker, Omri Katz, Thora Birch, Vinessa Shaw, Amanda Shepherd, Larry Bagby, Tobias Jelinek, Stephanie Faracy, Charles Rocket, Doug Jones, Sean Murray, Steve Voboril, Norbert Weisser, Kathleen Freeman, Garry Marshall, Penny Marshall
Duração: 96 min. 

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