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Crítica | Adão Negro (Com Spoilers)

Por um punhado de milhões de dólares.

por Kevin Rick
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É interessante notar uma onda conservadora e à moda antiga com blockbusters nos últimos anos, na contramão de filmes representativos e com pautas sociais relevantes como temos ganhado na última década. Muita gente prefere o extremismo, mas, particularmente, acredito que exista espaço para os dois “tipos” de produção, seja a pegada mais progressista da Marvel, seja o classicismo cinematográfico com Tom Cruise e seu Top Gun: Maverick ou a saga Missão: Impossível, para citar alguns exemplos famosos e recentes.

Adão Negro é certamente um filme feito feito à moda antiga, não exatamente procurando os efeitos práticos de Cruise, mas resgatando o cinema de macho, de brucutu e bem oitentista, com uma concepção mais atual de CGI e a explosão de filmes de heróis. Dwayne Johnson tem tido essa abordagem masculinizada desde que se tornou um produtor de seus filmes-eventos, mas sempre trazendo seu grande carisma e algumas linhas de subversão para se enquadrar na contemporaneidade – afinal, filme de macho não precisa ser machista, apesar de muitos telespectadores não entenderem isso.

O ator às vezes acerta (sou muito fã de Hobbs & Shaw e me divirto à beça com os Jumanji), mas, infelizmente, muitas de suas produções são genéricas, mesmo quando pensamos num entretenimento “puro” e pipocão sem grande profundidade dramática, vide os péssimos Alerta Vermelho ou Baywatch. A adaptação do vilão/anti-herói Adão Negro é um meio termo, deixando de alçar uma qualidade que vá além do lugar-comum, mas entretendo o bastante para não ser exatamente ruim.

A partir do momento que vi no trailer um soldado ter seu cassetete amassado após bater no rosto de um The Rock fazendo pose de durão, sabia exatamente o que ganharíamos: um filme de pancadaria cheio de carões, orgulhos masculinos, diálogos cafonas e frases de efeito. A questão é que existe um limite para a breguice, com raros casos de excelência nesse departamento. Vamos ver muita gente dizendo que “o filme faz o que promete” – frase idiota de quem não entende Cinema -, mas, vamos ser bem sinceros, existem bons filmes “descerebrados” e existem péssimos filmes “descerebrados”. Depois dessa introdução, bora debruçar sobre o filme em si?

O início da produção mostra o passado e o presente de Kahndaq, uma região que sempre sofreu com tiranos e governos violentos. Existem algumas correlações com as situações do Oriente Médio, como algumas leves críticas à invasão exterior com a aparição da Sociedade da Justiça e o antagonismo da Interguangue, mas nada realmente substancial ou articulado para tornar o roteiro político, com a região fictícia servindo mais como uma base qualquer da história do que como um elemento narrativo interessante em si mesmo.

A questão da revolução; o passado escravocrata da nação; e basicamente toda a história de origem de Teth-Adam (Dwayne Johnson), são fiapos narrativos superficiais e pouco desenvolvidos para proporcionar o palco do filme de pancadaria. Seria mais interessante algum tipo de representação cultural à la Wakanda? Talvez, mas a produção está desinteressada nesse tipo de abordagem. Tanto que algumas das cenas mais descartáveis do filme nascem destes segmentos, como a sequência sem graça do povo lutando contra um exército de mortos-vivos no clímax ou as várias cenas que evocam um símbolo regional de revolução.

Isso respinga negativamente no arco do protagonista. Alguns flashbacks derivativos, momentos sentimentalistas clichês e um discurso raso e para lá de expositivo sobre a área cinzenta do heroísmo não é o suficiente para compor um personagem, trabalhar seu arco e fazer ele se tornar distinto de qualquer outro bonequinho com poderes. Pouco vemos da relação de Adão Negro com seu filho Hurut ou de quem ele era antes de ganhar os poderes do SHAZAM para entender as suas características ou ter algum nível de empatia que não seja apenas uma montagem rápida e abrupta quando o personagem abre a verdade para o Gavião Negro.

Afinal, quem é Adão Negro nesse filme para além de The Rock com poderes? Não existe nada realmente particular sobre o personagem que o torne memorável ou diferente dos veículos estelares do ator. Talvez seja essa familiaridade que esteja trazendo tanta aclamação pelo grande público ou então a facilidade com a qual um filme desse é absorvido, como mais um produto blockbuster de The Rock para assistir e esquecer na semana seguinte.

Aliás, é curioso como o roteiro não se preocupa nem com mitologia. Até mesmo o filme de pancadaria de O Homem de Aço tem algum tipo de atenção para o passado kryptoniano e uma construção de mitos para estabelecer o cenário da história. Como disse, Kahndaq é só uma região genérica explorada por ditadores, mas nem mesmo a parte mística da produção ganha um mínimo de representação, com a participação dos magos, da guerra com Sabbac e os seus demônios, e até do próprio Senhor Destino (Pierce Brosnan) sendo notas de rodapé, como contextualizações rápidas que não importam.

A produção se encontra melhor quando é um simples filme de porradaria, retornando ao que expus na introdução sobre a abordagem de The Rock e do cineasta Jaume Collet-Serra para fazer um cinemão brucutu. A primeira set-piece do longa, depois de Tenth-Adam ser solto por Adrianna Tomaz (Sarah Shahi), estabelece muito bem a narrativa visual de Collet-Serra.

A sequência dilui violência que chega nos limites da classificação indicativa livre, algo que certamente trouxe alegria para o grande público – eu mesmo não vejo muita graça nisso, mas tudo bem. Acabo me interessando por outros elementos da linguagem visual de Collet-Serra, que trabalha o overpower do protagonista com um certo nível de sarcasmo, detonando militares como insetos, pegando balas, parando mísseis, jogando adversários pelos ares como se tudo fosse um cartoon, e voando pelos inimigos em slow-motion. 

Aliás, vi muita gente comparando essas cenas de câmera lenta com Zack Snyder, mas Collet-Serra não é dramaticamente contemplativo ou exageradamente estiloso, com esses momentos me lembrando bem mais a comédia visual das cenas do Mercúrio nos filmes da franquia X-Men. Também é notável como o cineasta incorpora CGI em todas as set-pieces com naturalidade, efetivamente melhorando as cenas de ação e não deixando-as artificiais ou escuras. Até fiquei surpreso, porque o cineasta não fez isso muito bem em Jungle Cruise, mas aqui a computação gráfica é elemento essencial da história visual e das pancadarias, fluindo em tela entre os diversos golpes e o jogos de câmera divertidos do diretor, que saíram diretamente dos seus thrillers com Liam Neeson e seus ótimos filmes de terror, A Órfã e Águas Rasas.

Como é bom ver um blockbuster bem-dirigido, diferente dos planos comuns e CGI porco de um Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa, por exemplo. Interessante, aliás, como o grande público está defendendo este filme apesar do péssimo roteiro, mas criticaram Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, de longe um dos filmes de heróis mais criativamente visuais e bem-dirigidos dos últimos anos. Como as expectativas regem esse pessoal, não é mesmo? Divago, porém.

Retornando ao trabalho de Collet-Serra, também queria elogiar como ele consegue extrair tanta coisa das locações limitadas do filme. Quase todas as lutas acontecem em praças, interior de prédios e ruas de periferia, sem cenários, digamos, visualmente atraentes, além de uma fotografia desértica que faz sentido, mas que não deixa as telas mais vivas. Collet-Serra subverte essas limitações do design de produção com o máximo de ângulos e tomadas possíveis, mesmo em situações prosaicas, como a divertida cena que o Adão Negro desce o edifício voando, enquanto o garoto Amon Tomaz (Bodhi Sabongui) corre pelas escadarias.

Ainda nessa representação de cinema brucutu, é bacana demais a participação do Gavião Negro (Aldis Hodge) como uma espécie de teste de forças com Adão Negro. Os personagens se encontram e não conseguem ficar sem trocar golpes, algo que resgata aquela comédia do orgulho masculino ferido e um impasse de diferenças que lentamente se transforma num bromance à medida que a história avança. A sequência que eles lutam dentro da casa de Adrianna é melhor do que qualquer embate genérico com o vilão maniqueísta do Ishamel (Marwan Kenzari) no ato final.

O filme de pancadaria até ganha algumas camadas metalinguísticas. O garoto é um artifício ao mesmo tempo didático e cômico para estabelecer as referências da produção, como frases de efeito, alusões ao Universo da DC e algumas piadas sobre heroísmo. Collet-Serra se aproveita disso tudo com cenografias engenhosas, como a sequência que emula Três Homens em Conflito ou as próprias cenas em slow-motion, uma delas ao som de Paint It, Black, do Rolling Stones.

Dwayne Johnson entende a proposta da produção, e age como um brucutu o filme todo, musculoso o bastante para não precisar de enchimentos do figurino e sempre com aqueles semblantes de Arnold Schwarzenegger, apesar do roteiro conter um arco de humanização e redenção para subverter o personagem como um anti-herói bonzinho, incluindo um fan-service bacana quando o protagonista senta no trono (famosa imagem das HQs), mas termina destruindo-o. Só sinto que o ator esteve um pouco mecânico, talvez pela frieza do personagem, sem poder demonstrar seu típico carisma.

Toda essa cafonice de cinema brucutu é puro entretenimento. É uma pena, então, que o roteiro, além de básico, acabe detraindo a atenção do filme de porradaria para trabalhar algumas introduções para o UDC, principalmente com a participação ruim da Sociedade da Justiça. A apresentação da equipe é estranha, convocada por Amanda Waller (Viola Davis, claramente desinteressada), trazendo dois novatos para enfrentar um inimigo impossível, sendo eles Esmaga-Átomo (Noah Centineo) e Ciclone (Quintessa Swindell), que têm um compilado de cenas descartáveis e são subutilizados nas batalhas e nos diálogos. Collet-Serra até tenta dar algum tipo de identidade visual à dupla, especialmente com a pegada quadrinesca com os poderes de Ciclone, mas nada que valide a entrada deles na produção.

O desperdício também acontece com o Senhor Destino, um personagem extremamente bacana, mas pouco destacado durante as lutas pelo diretor, e com uma morte simplesmente mal construída e sem sentido. Não tinha porquê aquele sacrifício acontecer, seja de um ângulo narrativo, seja de uma perspectiva simbólica. E a participação da SJA acaba atrapalhando a narrativa e divergindo o foco da produção do protagonista, que deveria ter ganhado mais atenção dramática.

No fim, Adão Negro é justamente o que parece ser: genérico, clichê e um entretenimento esquecível. A discussão sobre heroísmo é muita rasa e mastigada para criar qualquer tipo de reflexão para o gênero e a história de origem do personagem é protocolar e corriqueira, criando um Adão Negro que não se distingue do The Rock. A produção também não funciona como veículo de entrada em uma nova fase do Universo Cinematográfico da DC, com uma narrativa picotada que não apresenta muito bem a SJA. Ainda assim, o longa consegue divertir na sua ideia de um cinema brucutu contemporâneo, muito por conta da direção eficiente de Jaume Collet-Serra, e uma abordagem dos filmes de macho dos anos 80, moda antiga também vista na cena pós-créditos do Superman de Henry Cavill com uniforme mais colorido e trilha do John Williams. Será que teremos outro filme de pancadaria?

Adão Negro (Black Adam – EUA, 2022)
Direção: Jaume Collet-Serra
Roteiro: Adam Sztykiel, Rory Haines, Sohrab Noshirvani
Elenco: Dwayne Johnson, Aldis Hodge, Noah Centineo, Sarah Shahi, Marwan Kenzari, Quintessa Swindell, Bodhi Sabongui, Pierce Brosnan, Djimon Hounsou, Viola Davis, Henry Cavill
Duração: 124 min.

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