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Crítica | Agatha and the Truth of Murder

O que aconteceu nos 11 dias de desaparecimento de Agatha Christie?

por Luiz Santiago
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Muita coisa já se falou, já se filmou e já se escreveu sobre um dos grandes mistérios da História da Literatura: o que de fato aconteceu durante os 11 dias em que a escritora Agatha Christie ficou desaparecida? Qual foi a verdadeira motivação para esse desaparecimento? Ao longo das décadas, mesmo quando a autora ainda estava viva, nunca faltaram especulações, algumas delas até bastante “pé no chão“, pois olhavam, em retrospecto, para a vida pessoal da autora e viam ali muitos motivos para a sua confusão mental, emocional e psicológica quando foi encontrada, no Hydropathic Hotel, hospedada sob o nome de Teresa Neele (o mesmo sobrenome da amante de seu marido) e dizendo ser da Cidade do Cabo.

Agatha and the Truth of Murder, telefilme britânico de 2018, dá uma versão sobre o que aconteceu durante esse período. Trata-se, portanto, de uma aventura de História alternativa, cuja trama central não vai agradar todo mundo por uma série de razões que pretendo trabalhar mais adiante. Em sua abertura vemos a ocorrência de um assassinato, e este será o núcleo da história, levando-nos até a escritora poucos meses depois da publicação de O Assassinato de Roger Ackroyd. Ela está angustiada com as falas de muitas pessoas a respeito da estrutura narrativa de seus casos. Me pareceu um princípio inconcebível neste momento da carreira da autora. Não vejo como esse tipo de crítica poderia afetar de forma tão intensa alguém que já tinha tanto prestígio, especialmente após o lançamento de um de seus livros mais bem avaliados pela crítica e adorados pelo público. Mas é justamente o que acontece aqui, com a escritora pedindo dicas de resolução de um caso para Arthur Conan Doyle, num contexto que só faria real sentido se acontecesse depois da publicação de O Misterioso Caso de Styles e antes da publicação de Assassinato no Campo de Golfe.

Há uma possibilidade de interpretação a partir do fato de ser uma História alternativa, ou seja: nesta realidade, The Murder on the Links foi publicado depois de Roger Ackroyd, mas a diferença de qualidade entre as duas obras é tão abissal e o rigor e inteligência de exposição dos assassinatos tão distintos que, apesar de ser possível e ter indicações disso no filme, acho que piora umas dez vezes o que já é um problema. Partindo do princípio de uma investigação amadora e inesperada, o roteiro de Tom Dalton procura dar uma explicação interessante para o desaparecimento da Rainha do Crime, o que até poderia ter um peso maior se a direção de Terry Loane explorasse um pouco mais o lado emotivo da personagem central, mas isso não acontece. O final do longa até flerta com algum aprofundamento psicológico, cerca um pouco as motivações da personagem, o seu fingimento de amnésia, mas tudo parece fácil ou raso demais para algo com uma importância tão grande. Em termos diegéticos, não há um bom casamento entre este momento e o caso da enfermeira assassinada no trem, ou seja, “o verdadeiro motivo” pelo qual Agatha Christie desapareceu.

A atriz Ruth Bradley faz um trabalho digno de nota tanto como Agatha Christie quanto como Mary Westmacott. Ela não força nada à sua personagem, que consegue se impor, vestir bem um disfarce, guiar uma investigação amadora e mostrar momentos simples e muito significativos de fragilidade e emoção. O figurino e a maquiagem também seguiram a linha da simplicidade, atentando-se de fato à figura que temos de Christie nos anos 1920. Essa elegância minimalista também pode ser vista na criação visual dos outros personagens. Não há ninguém aqui que exceda em drama, e o elenco é um dos pontos verdadeiramente fortes da película. O que pesa, no geral, é o processo de investigação e a fraca resolução do crime. A atmosfera da casa é bem propícia para esse tipo de enredo — ponto para a direção de fotografia em muitas cenas noturnas — e tem o mérito de flertar com os ambientes criados por Christie em seus livros. Mas existe uma confusão entre o drama da escritora e o drama a ser investigado, um mistério que, apesar de ser denso, não consegue força para se destacar, até porque o desaparecimento de Christie é mais interessante que ele.

Talvez como uma série, Agatha and the Truth of Murder funcionasse melhor, considerando que os textos dessem maior foco ao assassinato que acaba sendo nublado pela presença de alguém como Agatha Christie no posto de investigadora. Ou talvez isso seja piorado pela mudança que o roteiro faz em relação à publicação das obras da Rainha do Crime, o que certamente não tem nenhum peso para um espectador comum, mas definitivamente afasta quem conhece a sua obra. A despeito dessas imperfeições no aspecto narrativo, o longa nos prende pela curiosidade que desperta ao sugerir uma resposta para o desaparecimento da escritora, um fato histórico que há muitas décadas intriga quem se depara com ele.

Agatha and the Truth of Murder (Reino Unido, 2018)
Direção: Terry Loane
Roteiro: Tom Dalton
Elenco: Dean Andrews, Ruth Bradley, Bebe Cave, Amelia Dell, Richard Doubleday, Derek Halligan, Blake Harrison, Pippa Haywood, Stacha Hicks, Ralph Ineson, Brian McCardie, Michael McElhatton, Tim McInnerny, Clare McMahon, Liam McMahon, Seamus O’Hara, Luke Pierre, Joshua Silver, Samantha Spiro
Duração: 92 min.

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