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Crítica | Águas Profundas (2022)

Adrian Lyne retorna ao mundo dos vivos!

por Ritter Fan
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Achava, de verdade, que Adrian Lyne, o grande mestre dos thrillers eróticos oitentistas, havia morrido juntamente com esse subgênero. Passei os olhos em Águas Profundas em razão de uma tal de Ana de Armas (he, he, he) e qual não foi minha surpresa – e felicidade – ao me deparar com Lyne na direção pela primeira vez em nada menos do que 20 anos. Sim, o diretor britânico responsável por Flashdance, 9 1/2 Semanas de Amor e Atração Fatal não sentava na cadeira que o notabilizou por nada menos do que duas décadas, mas, no alto de seus 81 anos, ele retorna – ainda que não triunfalmente, já adianto – com mais um exemplar de sua curiosamente curta filmografia, tentando resgatar as características mais salientes de seus clássicos.

Quando digo “tentando resgatar” é porque eu já quero preparar o leitor – e possível espectador do filme – que, de todos os thrillers eróticos de Lyne, Águas Profundas, adaptação de romance de Patricia Highsmith, autora de O Talentoso Ripley, talvez seja, ao mesmo tempo, o menos thriller e o menos erótico de seus trabalhos, ainda que as duas características estejam bem presentes nele, quase que literalmente costurados na premissa, mas com o sexo sempre trabalhado de maneira quase que inquieta, rápida, incompleta e insatisfatória para os participantes. Mas isso de forma alguma deve ser razão para afastar alguém do longa, pois, mesmo não estando no auge de sua forma, Lyne mais uma vez entrega uma obra atmosférica que, diria, ainda consegue ser irresistível e não somente pela beleza física de seus protagonistas e, claro, a promessa de sexo entre eles.

A premissa da história guarda mistérios e gira ao redor do casal Van Allen, o milionário aposentado Vic (Ben Affleck) e sua fogosa esposa Melinda (Ana de Armas) que têm um relacionamento aberto, em que ela parece poder ter quantos amantes quiser, mesmo que seu marido os olhe com olhares daqueles que só faltam soltar raios incineradores. Mas há mais, só que esse mais se dá em formas de perguntas. Será que eles se amam como eles dizem que se amam? O que significa o fato de um dos amantes de Melinda ter desaparecido há algum tempo? E a brincadeira de Vic que diz a outro amantes de Melinda que ele matara o anterior? É tudo um jogo?

Enquanto essas perguntas são feitas e permanecem sem respostas objetivas, com Lyne trabalhando o sex appeal dos protagonistas sem exageros ou mau gosto, mas com um subtexto crítico mirado no que poderia ser classificado como a “elite bocejante”, o que dura quase que exatamente a metade do longa, Águas Profundas é um delicioso e levemente ousado (bem levemente!) drama psicológico de distantes contornos até cômicos que, como uma teia de aranha, vai prendendo o espectador e colocando-o em estado hipnótico, algo que o diretor sempre soube fazer muito bem. Entre a simpaticíssima Trixe (Grace Jenkins), filha do casal, os hobbies de Vic – fotografia de um lado e criação de caracóis de outro -, seus passeios de bicicleta pela cidade e seu semblante impassível de subjacência psicótica (Affleck faz, aqui, o melhor Bruce Wayne que já viveu na vida, acreditem) e a sensualidade à flor da pele de Melinda, que ela, juntamente com sua tristeza, extravasa em bebedeiras, festas e, aham, aulas de piano, o longa se desenrola muito bem.

Da metade em diante – mais precisamente a partir da sequência da piscina na casa de Don Wilson (Tracy Letts) durante uma das várias festas que vemos – a ambiguidade e sutileza começam a desaparecer e o lado mais básico da narrativa vai tomando o espaço do que era realmente interessante, transformando o longa, a cada minuto que passa, em algo incrementalmente mais genérico. Há uma aceleração incômoda de eventos, uma intensificação de obviedades casada com desnecessários, mas ainda bem curtos, flashbacks, e a perda de coesão interna, com encaixes convenientes demais de situações com pouca verossimilhança. Não é, porém, que o filme de repente, de uma hora para a outra, desmonte-se completamente, pois Lyne consegue manter suas rédeas bem justas, mas o roteiro de Zach Helm (do excelente Mais Estranho que Ficção, mas que não escrevia nada desde 2009) e Sam Levinson (criador da aclamada série Euphoria) passa a entregar-se ao banal e não tem direção de qualidade que segure isso.

No entanto, nem que seja para prestigiar o retorno de Adrian Lyne, ver Ana de Armas tornar-se um sex symbol (ainda se usa essa expressão ou ela se tornou politicamente incorreta?) sem perder sua qualidade dramática e, sim, ver Ben Affleck viver o Batman que deveria ter vivido no cinema, Águas Profundas mais do que vale a jornada. É, sem dúvida alguma, um excelente filme de uma hora que ganha um complemento medíocre de outra hora, mas que, no agregado, continua sendo um Lyne de valor. Vida longa ao diretor!

Águas Profundas (Deep Water – EUA/Austrália, 18 de março de 2022)
Direção: Adrian Lyne
Roteiro: Zach Helm , Sam Levinson (baseado em romance de Patricia Highsmith)
Elenco: Ben Affleck, Ana de Armas, Tracy Letts, Lil Rel Howery, Dash Mihok, Finn Wittrock, Kristen Connolly, Jacob Elordi, Rachel Blanchard, Grace Jenkins, Jade Fernandez, Michael Braun, Brendan C. Miller, Devyn Tyler, Jeff Pope, Michael Scialabba
Duração: 115 min.

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