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Crítica | Akhenaton, de Agatha Christie

por Luiz Santiago
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Embora tenha sido publicada apenas em 1973, a peça Akhenaton foi escrita por Agatha Christie no ano de 1937, mais ou menos no mesmo período em que concebia o romance Morte no Nilo. Grande admiradora dos mistérios do Egito Antigo e casada com um arqueólogo (Max Mallowan), a autora conseguiu fazer aqui uma interessantíssima saga dramática e de profundo caráter político, histórico, religioso e social, elencando os principais eventos do reinado de Amenófis IV (que posteriormente mudaria seu nome para Akhenaton) e sua relação com outras duas importantes figuras da História daquele país: a bela rainha Nefertiti e o jovem influenciável Tutancâmon, o Rei Tut.

Aqui — como em qualquer livro ficcional baseado em personalidades ou qualquer tipo de evento histórico — o leitor precisa entender que está diante de uma obra de entretenimento. Trata-se de uma peça de teatro que se baseia em eventos reais ou parcialmente documentados, sobre os quais até hoje existem investigações, hipóteses, questionamentos e descobertas sendo feitas. Com isso em mente, há que se elogiar tremendamente o trabalho de exploração dos bastidores políticos do palácio real de Akhenaton, um dos faraós mais polêmicos e mais odiados de sua dinastia, muitas vezes também apelidado de “O Faraó Louco”.

A peça acompanha a vida do personagem principal, de sua adolescência até a morte, focando primeiramente na sua visão de mundo e na forma como as pessoas olhavam para ele. No 1º Ato da peça temos uma breve introdução marcando as constantes campanhas militares do Egito de Amenófis III e a oposição física e até moral do jovem Amenófis IV frente a Horemheb, um dos nomes fortes do Exército nacional protegidos pelo Sacerdote de Amon. Esta figura musculosa estreitará laços com o futuro faraó e ele próprio se tornará sobreano do Egito, em um plot político que envolve um golpe militar e religioso ao fim da vida de Akhenaton, passando pelos rápidos reinados Semencaré e Tutankhamon para enfim entronar Horemheb, elemento da História que é trabalhado com primazia pela autora como uma dramática história de traição, amizade e visões políticas do que é bom para um país e para as relações pessoais entre as pessoas no poder (considerando o sistema do Egito Antigo). A autora preenche muito bem as brechas históricas, tanto nesse aspecto mais íntimo, quanto nas explicações muito plausíveis para a parcial destruição das pinturas, entalhes e outras artes que mostravam Akhenaton e sua esposa Nefertiti, sempre alimentando certo mistério em relação a destino final dessas figuras.

Vale também citar a importante consultoria que Agatha Christie teve do egiptólogo Stephen Glanville, resultando em uma coerente exposição das intrigas palacianas, do modo de vida ao longo da XVIII Dinastia, dos conflitos geopolíticos do Egito, da divisão de classes sociais, da produção artística e ligação do governo com o povo e com a religião. Daí passamos para uma visão mais particular e, a cada ato, o leitor nutre cada vez mais raiva de Akhenaton, com sua insistência em torno do Monoteísmo/Henoteísmo (estabelecendo apenas o culto a Aton ou Rá), em oposição ao Politeísmo há gerações em prática no Egito. A visão religiosa do faraó também se estendia para outros aspectos de sua administração, resultando na desintegração progressiva do grande império antes construído, algo muito bem trabalhado na peça pela Rainha do Crime, que utiliza de sua habilidade com o suspense para tornar esse lado da trama ainda mais instigante.

Exceto por alguns problemas de ritmo nas Cenas 2 e 3 do Segundo Ato e pelo Epílogo totalmente sem graça, Akhenaton é uma absurda surpresa para qualquer fã de Agatha Christie. Uma peça curta, cheia de acontecimentos capazes de nos deixar roendo as unhas para saber o que acontece a seguir e com uma boa segurada do drama por parte da autora, algo que se deve olhar com atenção porque este cenário não era a sua especialidade (nem em tempo histórico nem em tema geral, ou seja, História), mas que ela conseguiu explorar de maneira exemplar. Infelizmente não é uma obra muito conhecida da autora, mas certamente é uma de suas melhores.

Akhnaton (Reino Unido, 1973)
Autora: 
Agatha Christie
Editora original:  HarperCollins
No Brasil: L&PM, 2017
Tradução: Petrucia Finkler
176 páginas

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