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Crítica | Aladdin (1992)

por Giba Hoffmann
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Lançado em 1992, Aladdin foi inteiramente produzido já dentro do contexto que ficou conhecido como a Renascença Disney, atuando como o figurativo terceiro golpe no “combo” que consolidou essa segunda fase de ouro da produtora. Dando sequência aos acertos indiscutíveis de A Pequena Sereia A Bela e a Fera, o filme carregava toda a expectativa (e o fardo) de ser a nova colaboração da dupla diretorial Ron Clements e John Musker, após o sucesso completo (e em alguma medida inesperado) de sua adaptação do conto de Hans Christian Andersen, três anos antes.

Como é tradicional, a animação adapta de maneira livre seu material-base, um conto popular de As Mil e Uma Noites cuja origem é incerta, tendo sido adicionado à obra original pelo tradutor francês Antoine Galland. A trama da peça literária gira em torno do humilde e jovem Aladdin, que é enganado por um mago para resgatar uma lâmpada mágica de uma caverna cheia de armadilhas, acaba sendo traído mas, por sorte, toma posse da lâmpada, que traz um poderosíssimo gênio capaz de realizar quaisquer desejos seus. Se essa descrição se assemelha à versão disneyana, as semelhanças param por aí: a trama original se passa na China, tem a relação de Aladdin com a mãe como elemento central e minimiza o papel da princesa e a ascensão de Aladdin ao trono como parte de suas conquistas miraculosas. Em suma, os feitos do protagonista narram os sonhos de poder de uma criança.

Tomando por referência aquilo que funcionou tão bem em A Pequena Sereia, a adaptação de Clements e Musker aborda a mesma premissa, porém tornando-a narrativamente uma história sobre amadurecimento, a qual gira em torno do desejo de mudança dos protagonistas. Assim como Ariel, tanto Aladdin quanto Jasmine sentem-se aprisionados em suas condições atuais, e sonham com a descoberta de um mundo novo onde seu real potencial possa se realizar. Se o tema adolescente universal não é nenhuma novidade propriamente dita no panteão disneyano (remontando, no mínimo, à Cinderela), o enfoque explorativo é completamente outro em relação às animações da primeira era de ouro da produtora, trazendo uma perspectiva mais dramática que enfatiza o fator humano em detrimento aos papéis arquetípicos tradicionais dos contos de fada. O enredo se constrói em torno das motivações centrais de seus personagens de forma sucinta e eficiente, rendendo uma aventura de espadas e magia cativante e energética do início ao fim.

Entretanto, apenas a roteirização precisa da dupla não seria o suficiente para garantir um produto final à altura do clássico instantâneo de 1989. Felizmente, assim como as visões criativas de Clements e Musker se sintonizaram de forma tão potente e singular após mais de dez anos de trabalho no estúdio, uma série de outros fatores viriam a se alinhar benéfica e produtivamente na realização de Aladdin, de modo que não seria exagero dizer que a animação traz um bom exemplo do sucesso em se “engarrafar relâmpago” — ou então, para usar o figurativo do próprio filme: a lapidação bem sucedida de um diamante bruto. São vários os talentos que atuaram de maneira sinérgica na realização da animação que, no diametral oposto dos incontáveis casos de potencial desperdiçado, mostra um bom exemplo de um uso pleno e sem exageros das forças criativas que tinha à sua disposição.

Nesse sentido, é impossível enfatizar demais a centralidade da visão de Alan Menken, cujas composições musicais formam a espinha dorsal da película, além de ajudar a garantir sua bem-resolvida unidade tonal. A parceria de Menken com Howard Ashman não só foi fundamental para o sucesso de A Pequena Sereia e ajudou a colocar A Bela e a Fera nos trilhos em direção ao cargo de clássico absoluto, mas foi de fato um dos pontos de origem de Aladdin, que foi concebido já desde o início como um musical (ao contrário de seus predecessores renascentistas). Com Ashman falecendo durante a produção da animação, o letrista Tim Rice, futuro colaborador central de O Rei Leão, contribuiu com o acabamento e seleção da trilha sonora do filme, seguindo uma linha de trabalho fiel à visão inicial de Ashman.

Para além do belo score, que empresta imediatamente ares fantásticos à sua mística Agrabah — ambientação única na biblioteca dos estúdios Disney —, todos os números musicais de Menken, Ashman e Rice são inesquecivelmente precisos em narrar, de forma encantadora e envolvente, cada passagem do enredo das quais se encarregam. Arabian Nights One Jump Ahead dão o tom teatral de aventura leve e enérgica do filme, enquanto A Whole New World pontua um momento central onde se desenvolve o tema romântico (que, surpreendentemente, foi uma adição tardia à produção, que pela maior parte de seu tempo relegava à princesa Jasmine um papel secundário nas motivações e no arco pessoal de Aladdin). Mas são Friend Like Me Prince Ali os momentos de maior brilhantismo da trilha sonora, combinando as melodias instantaneamente contagiantes de Menken com a entonação empolgada das letras de Ashman por parte do sempre irreverente Robin Williams.

Por falar nele, o trabalho de voz do comediante é outro dos pilares de sustentação da inspirada identidade criativa da película. Muito mais do que uma simples dublagem, a participação de Williams moldou a figura do Gênio de forma definitiva e marcante, transformando-o de uma potencial figura secundária ou mesmo dispositivo de enredo ao personagem cuja imagem ocupava maior espaço nos pôsteres e materiais de divulgação do filme — para o desgosto do ator, que havia requisitado especificamente para ter sua participação na divulgação minimizada ao máximo possível. Gigantesco em todos os sentidos, sua atitude hiperativa pontua hilariamente todas as cenas da animação desde sua aparição inicial (é incrível pensar que temos 40 minutos de filme sem o Gênio!), suas imitações e referências constantes à cultura pop são realizadas de forma a dar vida animada e visualmente rica aos improvisos de Williams, criando um dos personagens animados mais marcantes da década, e um dos núcleos emocionais que adiciona centralmente ao filme.

É notável o quanto esse conjunto se alinha no sentido de repaginar a abordagem do conto de fadas animado, tendo sucesso justamente naquilo em que Oliver e Sua Turma falhou de forma tão marcada: abrir as brechas, em meio à atmosfera atemporal que embala tais histórias, para elementos contemporâneos e caracterizações mais despojadas. O anacronismo das referências televisivas e cinematográficas do Gênio em plena Agrabah trecentista é capaz de passar despercebido ao espectador já cativado, tamanha é a maneira orgânica com que o show particular de Robin Williams dá o tom e é ao mesmo tempo bem situado no mundo apresentado. Enquanto Oliver peca por se ater em elementos de estilo superficiais e em aspectos da moda, resultando em uma produção imediatamente datada, Aladdin consegue cuidadosamente resgatar o que havia de atemporal no contemporâneo do início dos anos 1990, o que tem como resultado que a película soe menos negativamente datada hoje do que seu antecessor oitentista.

Outro desdobramento dessa abordagem renovada à estrutura do conto de fadas é a boa caracterização dos personagens, que recebem mais densidade e identidades mais próprias e distintas do que os tradicionais papéis arquetípicos dos clássicos da Disney. Irreverentes, cheios de falhas e trocando farpas em linhas hilárias de diálogo despojado o tempo todo, o elenco enxuto e marcante dá o tom que as animações seguiriam por muito tempo depois, rompendo com uma certa formalidade do estilo “livro de histórias” de narrativa.

O movimento começou em A Pequena Sereia e se aperfeiçoou em A Bela e a Fera, é verdade, mas é em Aladdin que, com o bom equilíbrio entre a modernização e o formato atemporal do conto de fadas animado, a produtora consegue reinventar de maneira definitiva a sua narrativa. O processo resulta em um conjunto de diálogos tão bem polido que faz o trabalho de caracterização parecer fácil. Permeada de interações hilárias entre os personagens, a trama consegue seguir com todo o gás ao longo de sua duração, com um timing comédico acelerado e sempre acertado — crédito mais uma vez para a extensa improvisação de Robin Williams, e para a sintonia de todo elenco de vozes. Em tempo: a dublagem brasileira, do estúdio Delart, faz um trabalho brilhante em recriar o trabalho de voz o mais próximo possível do original.

Com uma mescla bem dosada entre aventura, música, comédia e romance, a narrativa da animação se destaca pelo ritmo dinâmico e acelerado, ao mesmo tempo em que evita excessos. Desde o primeiro minuto, temos uma sucessão de eventos que explora bem cada momento da trama, porém com o cuidado de não se prolongar demais em nenhuma dessas inflexões por mais tempo do que o estritamente necessário. A precisão da direção de Clements e Musker pode ser facilmente constatada pela coesão e fluidez da película, que deve cativar a atenção da criança pelo tempo exato necessário, sem para isso sacrificar a densidade da experiência para o público adulto — padrão-ouro que uma produção do gênero deveria sempre almejar.

O mérito da dupla se confirma caso analisemos a história de produção do longa animado, que foi marcada por um esforço constante de podagem de uma narrativa que, ao que tudo indica, se ramificou facilmente em diversas possibilidades. Com uma equipe de produção inspirada e criativamente bem alinhada, é de se esperar que se tenha uma abundância de ideias a serem exploradas, sendo que selecioná-las mal poderia jogar por terra todo esse potencial. O conjunto de Aladdin consegue ser coeso a ponto de pôr em tela somente o necessário (o extraordinário é demais), inclusive no que diz respeito aos lugares-comum do gênero.

Um bom exemplo é a forma como Abu e Iago são utilizados como extensões de seus donos, servindo de apoio para revelar sem atraso lados extremos das personalidades de Aladdin e Jafar, respectivamente. Abu traz agudizada a ganância e a molecagem do jovem ladrão, e suas piadas funcionam tão bem justamente contrabalanceando a natureza tradicional de Aladdin com suas tentativas de apresentar uma atitude mais enobrecida. Por sua vez, Iago é o bufão incontrolável que divide espaço com a cobra calculista e fria na personalidade vilanesca de Jafar. Um dos poucos antagonistas da Renascença Disney a não possuir sua própria “canção de vilão” (preferindo uma rápida reprise distorcida de Prince Ali, denotando sua divertida acidez invejosa), Jafar faz de tudo para manter a compostura do desapego maquiavélico — mas é nas ótimas gags com Iago que se adianta o lado desvanecido que irá se revelar apenas no desfecho do confronto final, e que acaba sendo o motivo de sua derrota frente ao ardil de Aladdin.

Mais um clássico instantâneo a resultar do toque de Midas dos estúdios Disney da época, Aladdin não deixa de se pautar nos elementos por trás do sucesso de seus predecessores, ao mesmo tempo em que é uma produção que não joga seguro e se arrisca em investir em um estilo próprio que, no final das contas, traz um excelente retorno. Em uma época em que o musical não desfrutava de tanta força na própria Broadway, a animação resgata com grandeza a narrativa melódica, ao ponto de ajudar a devolver aos próprios palcos um pouco da inspiração que tomou emprestada para si. Mostrando que apenas o talento bruto não garante a sua melhor forma na peça final, a produção capitaneada por Clements e Musker consegue ser grandiosa e combinar o clássico com o atual sem se perder nas medidas, garantindo seu lugar ao lado dos clássicos atemporais do estúdio.

Aladdin (EUA – 1992)
Direção: Ron Clements, John Musker
Roteiro: Ron Clements, John Musker, Ted Elliott, Terry Rossio (baseado no conto de As Mil e Uma Noites, coletado e traduzido por Antoine Galland)
Elenco (vozes originais): Scott Weinger, Robin Williams, Linda Larkin, Jonathan Freeman, Frank Welker, Gilbert Gottfried, Douglas Seale, Charlie Adler
Duração: 90 min.

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