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Crítica | Além da Vida

por Kevin Rick
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É um tanto curioso como Clint Eastwood, mesmo eternizado por películas de crime e westerns, sempre tentou sair de sua zona de conforto. Como ator, o ícone hollywoodiano nunca teve o alcance necessário para fugir de sua persona, apesar de várias interessantes tentativas, mas como diretor, Clint construiu uma belíssima e diversificada filmografia, especialmente em sua idade avançada. Sua série de filmes dirigidos na primeira metade do século merece um olhar especial, com uma sequência insana que inicia-se no sombrio mistério Sobre Meninos e Lobos para o filme de boxe feminino Menina de Ouro. Em seguida, ele fez o conjunto de fitas Conquista da Honra e Cartas de Iwo Jima, demonstrando dois pontos de vista da guerra, o drama de sequestro A Troca, o filme Gran Torino, sobre racismo em Detroit, e Invictus, uma cinebiografia sobre Nelson Mandela e o rúgbi sul-africano. Além da Vida tinha a tarefa hercúlea de seguir esses filmes e, infelizmente, foi a obra mais fraca do cineasta em anos. No entanto, acredito ser um dos filmes mais arriscados de Clint na cadeira de diretor.

O longa conta com três segmentos distintos da história, ambientados em São Francisco, Paris e Londres, desenvolvendo temas semelhantes antes de, finalmente, utilizando dois terços do filme, começarem a se entrelaçar. O mote comum das histórias é a morte. Mas não apenas a morte em si. O filme é uma parcela de estudo sobre os momentos que antecedem o óbito, o luto e o sofrimento dos que ficam e, principalmente, do que acontece após o ataque da mortalidade. O cineasta, junto do roteirista Peter Morgan, navegam na interconexão da humanidade, no mistério e terror do destino imposto a todos, e o resultado é uma emocionante fita, que, no entanto, sofre imensamente do vagaroso ritmo e da falta de impulso narrativo.

Indo na contramão da montagem do filme, a sequência inicial é uma encenação elaborada, extensa e assustadora de um tsunami com incontáveis ​​mortos, incluindo uma das protagonistas da obra, a jornalista francesa Marie (Cécile de France). Sem nenhum aviso, estamos mergulhados num filme de desastre. Após vivenciar a morte, um interessante espelho de acontecimentos humanos opostos, que Clint continuamente martela ao longo do filme, a personagem retorna à vida. Mas o que Marie viu durante aqueles poucos momentos entre a morte e a vida a torna incapaz de retornar à sua rotina como apresentadora e escritora. O único evento para o qual ela deseja uma janela é o que aconteceu com ela naquele tsunami. A experiência do além de Marie é exposta numa tentativa atípica de visualizar o mundo espiritual. A investida do diretor de criar uma eternidade tanto melancólica, quanto pacífica, não funciona, e apesar de não ser uma problemática que danifica a história, as sequências do além-mundo carecem da emoção visual que Clint claramente quer transpor.

Os outros dois segmentos, assim como o restante do arco de Marie, enquadram-se na lenta meditação existencial do roteiro. É dentro deste enfadonho e anticlimático ritmo do filme que considero Além da Vida uma obra tão distinta da carreira de Clint. Até mesmo filmes lentamente emocionantes do diretor, como A Troca, contém aquela dureza tão característica dos trabalhos de Eastwood, com cenas sentimentais batendo no espectador constantemente. Neste filme, porém, Clint cria uma obra suave, que aos poucos até traz lágrimas, mas adentra demais na sensibilidade barata, quase em um encolher de ombros recatado do cineasta.

O segmento de São Francisco acompanha George (Matt Damon) um relutante médium que tem o dom de conectar-se com os mortos através do toque, rendendo algumas belíssimas cenas de como a morte, apesar de ser o fim, é apenas um lembrete da dor daqueles que ficam. O conflito do personagem em não manter uma vida normal pois não consegue controlar seus poderes, encarando seu dom como uma maldição, é um poderoso estudo de personagem, que remete-se ao tema do filme das consequências de vivenciar a morte. Matt Damon é sempre dedicado e entrega uma boa performance. Entretanto, o roteiro de Peter Morgan, conhecido pelos ótimos diálogos, falha miseravelmente em tornar qualquer conversação memorável.

A outra história, ambientada em Londres, é a mais simples da obra, mas de muitas formas, é a melhor. Somos levados para o relacionamento dos irmãos Marcus e Jason que, além de cuidarem de si mesmos, precisam manter a mãe drogada em cheque para não serem levados pelo serviço social. Após Jason morrer atropelado, o segmento acompanha a jornada de Marcus para aceitação e amadurecimento, já que seu irmão mais velho não pode cuidar dele. Todo o arco do garoto é simplório mas é lindamente carregado por Clint, resultando no seu encontro com George, em uma esmagadora cena de afeição, perda e acordo com a mortalidade. O momento não apenas conclui o arco de Marcus, como também expõe a George como sua “maldição” é algo necessário. A história de George e Marie também se entrelaçam na busca pela vida de George e a de entendimento da morte de Marie, que, infelizmente, é inesperadamente anticlimática e mal escrita, concebendo um final que subtrai a já decepcionante obra.

Clint constrói um universo alegórico, algo tão fora da curva para o diretor, propondo uma sentimental conversa sobre mortalidade e a aterrorizante dúvida do além da vida. Infelizmente, a experiência de cinema exposta é bastante tênue e maçante, sustentada pelo pobre diálogo e falta de ímpeto do cineasta, constituindo três fios discretos de emocionantes fábulas absorvidas por um desconfortável ritmo. O produto final está longe de ser ruim, mas fica aquém do aniquilador estudo dramático de outros filmes de Clint.

Além da Vida (Hereafter) – EUA, 2010
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Peter Morgan
Elenco: Matt Damon, Cécile de France, Bryce Dallas Howard, Thierry Neuvic, Jay Mohr, Richard Kind, Frankie McLaren, George McLaren, Lyndsey Marshal, Stéphane Freiss, Steve Schirripa, Jean-Yves Berteloot, George Costigan, Niamh Cusack, Rebekah Staton, Declan Conlon
Duração: 129 min.

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