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Crítica | Alexandria (Ágora)

Alejandro Amenábar sai de sua zona de conforto com irregular drama histórico e épico.

por Rafael Lima
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Nascido do interesse do diretor espanhol Alejandro Amenábar por astronomia, Alexandria (Ágora, no original) é uma história que aborda como os campos da ciência, da política e da religião, podem facilmente se misturar. Ainda que o recorte da vida da astróloga Hipátia de Alexandria (a primeira mulher matemática de quem se tem registros), que retrata a sua trágica queda trate de eventos ocorridos há quase 2000l anos, no fim da Antiguidade Clássica, é impressionante constatar como essa mistura dos três citados fatores continua extremamente atual, e tão perigosa quanto sempre foi.

A trama tem início no ano de 391 d.C., onde acompanhamos Hipátia (Rachel Weisz), uma filósofa e matemática que vive na cidade de Alexandria, Egito, então parte do Império Romano. Hipátia é professora de astronomia, filosofia e matemática na famosa Biblioteca de Alexandria, tendo entre os seus alunos Orestes (Oscar Isaac), que está apaixonado por ela; assim como Davus (Max Minghella) escravo pessoal da filósofa; mas a mulher não está interessada em nenhum dos dois, só tendo olhos para a ciência. Quando o cristianismo começa a ganhar cada vez mais influência no Império, derrubando primeiro o paganismo, para logo então voltar-se contra o judaísmo, Davus torna-se fascinado pela palavra de Cristo, enquanto Orestes ganha cada vez mais poder político neste cenário. Mas a única fé de Hipátia é  a ciência e a filosofia. Haverá lugar para ela na nova Alexandria?

Em Alexandria, Alejandro Amenábar conta a história da ascensão do cristianismo como religião dominante na cidade, através dos olhos dessa (verídica) filósofa e astrônoma, interpretada por Rachel Weisz com sua competência de sempre. O roteiro escrito pelo próprio Amenábar e por seu parceiro habitual Mateo Gil tem muitos pontos interessantes, mas infelizmente parece sofrer de uma séria falta de foco narrativo. Afinal, qual é a história que o cineasta quer nos contar aqui? O amor não correspondido que Orestes e Davus sentem por Hipátia? A ascensão do cristianismo na cidade de Alexandria? O estudo obsessivo de Hipátia para entender o movimento dos corpos celestes, e a revolta que tais estudos geram na igreja? Claro que Amenábar poderia ter abordado todos esses pontos, mas falta fluidez entre todas estas linhas narrativas.

Percebe-se que com Alexandria, Amenábar estava claramente tentando exercitar a sua direção fora de sua zona de conforto. Afinal, desde a sua estreia, em Morte Ao Vivo (1996), passando pelos sucessos de Os Outros (2001) no campo do terror, e Mar Adentro (2004) no campo do drama, o cineasta se especializou em tramas intimistas, que possuíam até certo caráter claustrofóbico. Alexandria, por outro lado, apesar de ainda ter o seu centro emocional na devoção pessoal de sua protagonista à ciência, possui uma escala muito mais grandiosa e ambiciosa, até pelo gênero onde está inserido, e nem sempre Amenábar sabe lidar com essa escala maior, perdendo o foco dramático.

Ao tentar criar a estética de uma narrativa de caráter grandioso e trágico envolvendo a observação do cosmos e revoluções religiosas, Amenábar parece cair em alguns momentos na megalomania absolutamente gratuita. Um bom exemplo é a sequência em que Orestes declara seu amor a Hipátia tocando flauta para ela em uma Ágora lotada. A câmera deveria permanecer ali naquele momento, uma vez que traria grandes repercussões para os seus personagens e ditar as suas ações subsequentes, mas o cineasta prefere mostrar as belas imagens aéreas de Alexandria e do Planeta Terra (!) em vez de focar na reação de Hipátia, Orestes e Davus, que era o que realmente interessava naquele momento.

Apesar de possuir as suas falhas, é importante destacar como Alexandria traz uma discussão muito atual sobre como a ciência pode ser colocada em xeque não só por motivos religiosos, mas principalmente por motivos políticos. Nesse sentido, o roteiro de Alejandro Amenábar e Mateo Gil é inteligente por explorar como, apesar das teorias heliocêntricas da astrônoma contradizerem alguns dogmas do cristianismo, a perseguição sofrida por Hipátia tem muito mais a ver com poder e influência do que propriamente com crença. Tecnicamente, o longa é muito bem realizado, com um trabalho de figurino e um design de produção que reconstituem com competência a Alexandria do fim do século IV e início do século V, mas sem chamar atenção demais para si mesmos. A direção de fotografia de Xavi Gímenez, por sua vez, já se faz mais evidente, ao constantemente apelar para focos de luz dura nas passagens internas, enquanto utiliza um desenho de luz mais estourado nas passagens diurnas externas, o que em alguns momentos parece dar ao projeto um ar quase documental.

Alexandria revela-se um projeto ambicioso de Alejandro Amenábar, que vindo de dois grandes sucessos, busca claramente se desafiar como realizador, o que é sempre louvável. Entretanto, apesar de possuir uma protagonista engajante, muito bem defendida por Rachel Weisz, e discutir de forma até interessante temas como o papel da ciência e da religião na política, o filme nunca parece encontrar um foco narrativo real, não conseguindo articular as linhas narrativas macro com os dramas mais pessoais dos personagens, o que também se reflete na direção. Não é um filme ruim, longe disso, mas é uma obra que apesar de visivelmente se esforçar para isso, acabou não encontrando a sua identidade.

Alexandria (Ágora)- Espanha, 2009
Direção: Alejandro Amenábar
Roteiro: Alejandro Amenábar, Mateo Gil
Elenco: Rachel Weisz, Oscar Isaac, Max Minghella, Ashraf Barhom, Michael Lonsdale, Rupert Evans, Richard Durden, Homayoun Ershadi
127 minutos

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