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Crítica | Alguém Avisa?

por Leonardo Campos
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Divertido e cativante, há um brilho intenso no desenvolvimento da comédia romântica Alguém Avisa? Seus atos bem definidos, o texto afiado com as piadas críticas e um desfecho mais que convencional demonstram que a produção não possui, narrativamente, elementos diferentes do que já se faz anualmente na seara dos filmes natalinos.  O diferencial aqui está na abordagem lésbica do tema, menos comum que a heteronormatividade que rege quase a totalidade deste subgênero do cinema. Como reza a cartilha tradicional, o sentido do período natalino é rever posturas, modificar comportamentos para o novo ciclo que se inicia e fazer as pazes com quem deixamos nos conflitos pelo meio do caminho de nossas travessias. Assim, ao trazer questões biográficas para os desdobramentos dramáticos do roteiro que assina ao lado de Mary Holland, a cineasta Clea DuVall, também atriz mais frequente no sistema de produção entre a década de 1990 e 2000, reflete a família como espaço de amor, mas também de sufocamento e tensão.

A história se inicia de maneira muito atraente, com os créditos de abertura no formato de uma espécie de mural com fotos que delineiam a vida das personagens. É uma escolha visual interessante, pois já mergulha o espectador no clima natalino logo em seus primeiros momentos. Logo, acompanharemos o casal protagonista da narrativa ao longo de seus 102 minutos: Harper (Mackenzie Davis) e Abby (Kristen Stewart), namoradas que circulam numa excursão de natal pelas ruas e durante uma brincadeira intensa por enfeites e casas alheias, trocam beijos apaixonados e juras de amor. Harper, entusiasmada, convida a companheira para passar os festejos natalinos com a sua família, mesmo sabendo que a moça não gosta do período desde que os seus pais morreram há quase uma década. Reticente, Abby observa a proposta e as duas vão para casa. Lá, após acordarem, Harper percebe que fez o convite na emoção do momento e tenta driblar a namorada que agora, quer muito visitar os sogros, cunhados e sentir o clima de uma família aconchegante. Só que há fatos que ela sequer imagina.

No meio da viagem, Harper decide contar que nunca saiu do armário em casa, pois o seu pai tem um projeto de candidatar-se ao cargo de prefeito. Abby precisará aceitar a chegada lá como amiga até que as coisas se ajustem. E é neste processo que começam as confusões. A cidade é conservadora, o tranquilo Ted (Victor Garber) e a burlesca Tipper (Mary Steenburgen), os pais da moça, marcam presença firme o tempo todo. Jane (Mary Holland) é a irmã desajustada, estranha para aquele grupo que parece sempre deixá-la de lado ou como adicional indesejado. Ao menos, a moça é mais atenciosa e cuidadosa que a tóxica Sloane (Alisson Brie), irmã mais velha de Harper, amarga e que também esconde um segredo da família perfeita, receosa de ser massacrada por não ter conseguido manter a sua unidade domiciliar coesa. Ela está em separação do marido e pretende segurar a informação o máximo que pode. Quando ela desmascara a irmã e a namorada no meio de uma festa cheia de convidados nobres da cidade, as coisas desmoronam e o grupo precisará rever as tradições e demais costumes.

Além de todas essas situações conflituosas, Abby precisa lidar com a presença do ex-namorado de Harper, Connor (Jake McDornan) e de Riley (Aubrey Plaza), primeira namorada de sua acompanhante que dorme em quarto separado durante a estadia e deixa a visitante ainda mais deslocada que o imaginado. A sua salvação é John (Dan Levy), amigo que mesmo a distância, a ajuda na reflexão de algumas situações e colabora com a sua “fuga” no desfecho, clichê, mas adorável. No desfecho, as peças deste confuso quebra-cabeça se encaixam, a família se entende e termina a história numa sessão de cinema com o clássico A Felicidade Não Se Compra. A mensagem, mesmo que seja básica, consegue ser transmitida sem as situações banais já comuns em filmes da mesma linha, tais como os excessivos Um Natal Muito, Muito Louco ou Sobrevivendo ao Natal. Aqui, temos uma abordagem interessante, desde o marido e os filhos negros de Sloane aos debates em diálogos aparentemente simples, mas carregados de apontamentos críticos importantes sobre o sufocante poder do patriarcalismo tradicional.

Mais interessante em seus dois primeiros atos, o filme mantém a qualidade estética até o fim, sendo talvez um pouco maior que o necessário. 10 minutinhos a menos não faria muito mal ao conteúdo. Ademais, para funcionar como narrativa natalina, a equipe gerenciada por Clea DuVall capricha nos aspectos visuais, tendo em vista a imersão do espectador no clima mágico de luzes deste período conhecido pela luminosidade e decoração bastante peculiar. A trilha sonora de Annie Dorothy cumpre a sua missão sem ser muito intrusiva ou melosa, erro constante neste tipo de produção. O design de produção de Theresa Guleserian cumpre um excelente trabalho de composição dos espaços, tendo na direção de arte e cenografia de Maggie Symayan e Shanna Worsham, respectivamente, os setores estéticos de maior destaque, responsáveis por tornar a produção uma atmosférica narrativa de período natalino. Esse clima iluminado e vivo reflete a intensidade da família representada, grupo que permite a identificação com os seus arquétipos já comuns no cinema, mas ainda importantes para trazer questões sobre família contemporânea para o debate numa cultura cada vez mais associada às aparências.

Alguém Avisa? (Happiest Season, EUA – 2020)
Direção: Clea DuVall
Roteiro: Clea DuVall, Mary Holland
Elenco: Alison Brie, Ana Gasteyer, Asiyih N’Dobe, Aubrey Plaza, Burl Moseley, Caroline Harris, Clea DuVall, Daina Griffith, Dan Levy, Gina Jun, Jake McDorman, Jenny Gulley, Kristen Stewart, Mackenzie Davis, Mary Holland, Mary Steenburgen, Michelle Buteau, Sarayu Blue, Tiffany Sander McKenzie, Victor Garber
Duração: 90 minutos

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