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Crítica | Ali (2001)

A cinebiografia de Muhammad Ali.

por Kevin Rick
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Ali sofre do mesmo vício de várias cinebiografias medianas: querer cobrir o máximo possível de elementos importantes da vida do seu personagem central sem se ater a uma proposta específica. Com uma linguagem que beira o documental em sua extensa minutagem de 157 minutos, o longa dirigido por Michael Mann quer ser ambicioso, épico e vasto ao ficcionalizar a vida de Muhammad Ali (Will Smith), mas acaba sendo extremamente prolixo na quantidade de temas abordados, raramente se comprometendo a aprofundar-se em algum deles. Ainda assim, a trajetória de Ali foi tão fantástica e singular que, mesmo em um filme raso, é difícil não ficar deslumbrado por sua personalidade e conquistas históricas.

A narrativa percorre 10 anos na vida do boxeador, de 1964, quando ganhou o campeonato mundial de pesos pesados ​​como Cassius Clay, até 1974, quando lutou contra George Foreman para reclamar o título. Ali é considerado por muitos o melhor boxeador de todos os tempos, e contém um percurso impensável no esporte, indo do seu auge imbatível até seus anos finais como profissional desafiando expectativas e fazendo o impossível muitas vezes. Mas no meio da sua carreira no boxe, ele também fez manchetes com suas escolhas religiosas, se convertendo ao Islamismo e mudando seu nome de nascimento. E também foi um ativista intenso, falando abertamente sobre política e racismo, se aliando a governos africanos e a outros ativistas famosos como Malcolm X. Além disso, Ali também teve uma vida pessoal complicada, especialmente em seus vários matrimônios e divórcios.

Uma figura complexa para dizer o mínimo, não? Isso torna sua história perfeitamente intrigante e especial para o Cinema, mas igualmente complicada de ser retratada. Pensando nisso, há quatro vertentes temáticas bem claras a serem abordadas: esporte, política, religião e vida particular. Os quatro campos se misturam na vida de Ali, como um dos primeiros atletas a ativamente usar a fama do esporte para falar sobre política e fé, assim como seu lado pessoal é, por motivos óbvios, relacionado a tudo isso. Mas é justamente nisso que Michael Mann encontra muita dificuldade: conexão.

O filme inclui cenas envolvendo Malcolm X (Mario Van Peebles), mas nunca realmente lida com o relacionamento do personagem com Muhammad Ali. Em dado momento da fita, Malcolm é baleado. Nós vemos a reação do protagonista, mas não há desenvolvimento desse drama durante e após a situação trágica. É como se o enredo precisasse contar esse evento histórico, mas sem nenhum intuito narrativo em si, tanto que se Malcolm não estivesse no longa, não faria falta de um ponto de vista dramatúrgico. E a obra segue essa deixa em quase todos os relacionamentos.

Temos o seu grupinho de treinadores, encabeçados por Drew Bundini Brown (Jamie Foxx), mas a obra é raramente sobre boxe, contendo apenas os interlúdios de combates para efeito dramático e climático, então esses personagens também não têm impacto narrativo. O mesmo vale para as figuras familiares de Ali, como seu pai raivoso (Giancarlo Esposito) quem tem duas ou três cenas gritando com o jovem, mas sem o estabelecimento de um drama paternal, assim como as várias esposas do protagonista que vem e vão de maneira quase cômica e subserviente. O fato de que o roteiro não gosta de problematizar Ali, sempre pintando ele como um herói, não ajuda em oferecer ambiguidade para esta biografia branda.

É, no entanto, na parte política e religiosa que o filme parece se encontrar. Não tanto por uma vertente espiritual, já que a fé e a conversão de Ali são pouco discutidas, mas sim pelo combate público do boxeador contra o governo americano, seu sistema racista, a controversa Guerra do Vietnã e a intolerância religiosa para com o islamismo. Em um filme que sofre para estabelecer bons dramas no ringue, há um ótimo retrato da rivalidade de Ali contra os EUA. Mann sabe trabalhar a figura icônica do boxeador, sua influência global, seu legado impactante e a sua incessante busca por mudanças sociais. O toque ambicioso do cineasta funciona nesse sentido, deixando várias sequências sensacionais, como as várias cenas dele correndo por amplas paisagens urbanas contrastadas com close-ups ousados, como que para enfatizar sua grandiosidade – uma delas ao som de Sam Cooke é memorável -, e a melhor cena do filme, quando Ali é idolatrado por crianças congolesas em Kinsasha.

Infelizmente, Ali não sabe transitar e conectar tantos temas e coadjuvantes na vida grandiosa de seu personagem central. Mann quer tocar em tudo da biografia do boxeador, de seus casamentos fracassados até a narrativa política, e nesse roteiro inchado e pouco específico, se perde justamente o foco em Muhammad Ali; o homem, o boxeador, o amigo, o islâmico e o marido. Sobra, então, o ícone e seu legado, estes sim razoavelmente bem desenvolvidos. Ainda nesse aspecto, sinto que a obra não funciona tonalmente, já que a personalidade brincalhona, animada e carismática do boxeador, muito bem interpretado por Will Smith, não é carregada para a experiência densa, longa e prolixa do filme.

A direção precisa e quase documental de Michael Mann parece ter tirado a humanidade de Ali e o entretenimento de boxe da tela, fazendo um filme visualmente brilhante e com cenas de luta ultrarrealistas, mas emocionalmente vazio em uma narrativa que não lida bem com desenvolvimento e resoluções dramáticas em seu campo gigantesco de temas e elementos abordados. Se fosse para conhecer a história de Ali superficialmente, era mais fácil ler o Wikipedia. E, no entanto, sua trajetória é tão icônica que o longa consegue ser extremamente agradável em meio às suas falhas. Um gigante real que merecia mais cuidado cinematográfico, mas que é tão gigante por si só que consegue elevar a experiência do filme.

Ali – EUA, 2001
Direção: Michael Mann
Roteiro: Michael Mann, Eric Roth, Stephen J. Rivele, Christopher Wilkinson
Elenco: Will Smith, Jamie Foxx, Jon Voight, Mario Van Peebles, Ron Silver, Jeffrey Wright, Mykelti Williamson, Jada Pinkett Smith, Giancarlo Esposito
Duração: 157 min.

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