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Crítica | Alienígena (Reonghee, 2020)

por Michel Gutwilen
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Sendo um curta de poucas cenas e decupado em poucos planos, é possível falar, nesta crítica, de cada uma delas em Alienígena. Na primeira, duas mulheres estão partilhando uma refeição. Desde já, alguns pontos são estabelecidos: o vínculo humano, a necessidade financeira que leva ao corte de gastos (exposto através do diálogo), uma certa rapidez com que se come, indicando a necessidade de ir ao trabalho. Isso tudo é filmado a partir de um plano médio, que tanto aproxima as duas personagens, quanto indica uma falta de espaço do ambiente caseiro, algo que fica claro quando a decupagem, através de um segundo plano, mostra um outro ponto de vista daquela habitação, que é claramente pequena. Logo, evidencia-se que estamos diante de uma obra que parece estar imbuída de problemáticas capitalistas e dentro do ótica do trabalhador, e não do patrão.

Na sequência seguinte, a fábrica. Não há um plano que mostra o caminho entre a casa e o ambiente de trabalho, um ponto intermediário, com a montagem estabelecendo essa direta conexão, pois para o trabalhador só pode existir aqueles dois mundos. Agora o plano é geral, vemos vários trabalhadores, afastados, fazendo suas funções, parece haver mais máquinas do que humanos, inclusive, e o som de talheres batendo agora é trocado pelo som de máquinas. A duração do plano é maior (afinal, o trabalho dura mais do que o momento individual) e, de repente, uma perseguição se estabelece, com homens começando a correr atrás dos funcionários, sem aparente explicação (posteriormente será entendido que se tratam de imigrantes chineses ilegais na Coreia do Sul). 

Muitíssimo interessante é a escolha formal em deixar a câmera estática, ainda que a perseguição vá para fora do quadro, pois é quase como se isso indicasse uma necessidade da manutenção do foco no trabalho dentro da sociedade capitalista, como se a câmera não pudesse virar o seu olhar das máquinas para ver o que acontece com os trabalhadores. “O Capitalismo não para”. Somente quando uma das mulheres morre e cai da escada, os olhares se voltam para ela, mas continuamos a ouvir aquele som mecânico. De mesmo modo, o diretor Jegwang Yeon não permite que a cena se prolongue muito, já indo direto ao próximo segmento, mais uma vez reforçando esta sensação de continuidade forçada. 

Após isso, vemos o jeito que o Capitalismo (sim, uma força que perpassa a obra) lida com a perda humana. Na cena seguinte, na sala do chefe, a protagonista está desolada, perguntando a ele o que acontecerá com o corpo de sua amiga. Ele diz que irá cuidar dos procedimentos e, “como há muito o que fazer”, conversarão mais tarde. Novamente, uma duração curta, no qual os valores do capital parecem falar mais alto do que a compreensão humana. No plano seguinte, a trabalhadora já está de volta ao trabalho, com o barulho das máquinas agora mais alto do que nunca. Quando sai para fumar um cigarro (enfim um descanso), um colega surge e ao puxar assunto sobre a morte da outra mulher, o direcionamento do diálogo é no sentido de que eles não devem contar nada para não prejudicar a situação deles. Ela permanece sozinha no plano e se sente derrotada, mais solitária do que nunca.  

Já na metade final, o luto vai parecendo cada vez mais sentido, o silêncio pesa, a protagonista volta para a casa e vê que não faz mais sentido continuar vivendo dentro deste tipo de mundo. Assim, a palavra Alienígena que leva o título do curta parece começar a fazer mais sentido, pois é assim que o imigrante se sente, além do fato que parece ser algo de outro outro sofrer pela vida humana enquanto todos estão pensando em valores materiais (muitos, não por egoísmo, como é o caso do outro trabalhador, mas porque senão isso pode prejudicá-lo, sendo mais um refém do sistema). 

No fim, então, é curioso, que personagem vá se “despedindo” do espaço urbano por meio de planos gerais, que antes não haviam aparecido, e dando adeus a sua condição de trabalhadora, em uma saída praticamente pela porta dos fundos. E como fuga do mundo da cidade, o único lugar possível só pode ser o seu oposto, a natureza. A decupagem de Jegwang Yeon que mostra sua chegada neste novo habitat é perfeita, pois é quase como a de um literal alienígena chegando em um novo mundo, do jeito que é filmado em projetos hollywoodianos, como um ser estranho e misterioso. Agora a não-mais-trabalhadora se depara com outras pessoas, provavelmente alienígenas (excluídos) daquele ambiente capitalista também e, quando os olhares se cruzam, através do plano e contraplano (a primeira vez que o diretor nos oferece isso também), o filme acaba. Quando a narrativa é sobre falta de humanidade (suas relações) e dureza do capitalismo/condição de imigração, a crueldade final do sistema se solidifica com a escolha do diretor em não deixar o espectador aproveitar a nova interação da protagonista com outros humanos. 

Alienígena (Reonghee, 2020) — Coréia do Sul
Direção: Jegwang Yeon
Roteiro: Jegwang Yeon
Elenco: Han Ji-won, Lee Kyung-hwa, Hyun Bong-sik, Woo Sang-ki
Duração: 15 min.

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