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Crítica | Alma de Cowboy

por Kevin Rick
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Baseado numa comunidade real de caubóis negros no norte da Filadélfia, mais especificamente na chamada Rua Fletcher, a estreia diretorial de Ricky Staub, Alma de Cowboy, utiliza de uma típica trama de amadurecimento na relação de pai e filho entre Harp (Idris Elba) e Cole (Caleb McLaughlin) para mostrar a história pouco conhecida dos cavaleiros negros modernos do estado americano, em uma espécie de western contemporâneo. Nem tudo funciona, mas o primeiro trabalho do cineasta apresenta um promissor artista que sabe evocar uma direção vibrante, quase poético, infelizmente amarrado pelo roteiro clichê e pouco envolvente.

Desde o momento que Cole é abandonado por sua mãe na porta do pai ausente, resultado das constantes empreitadas delinquentes do jovem rebelde, a linguagem da obra assume com honestidade seu discurso coming of age e o senso de pertencimento dado à jornada do protagonista. Existe, inicialmente, uma justaposição temática bacana, que pega o artifício clichê de descobrimento juvenil e o mistura ao núcleo comunitário dos caubóis negros, fazendo uma ponte entre o pertencimento, tanto de Cole, como também dessa subcultura desconhecida em extinção, com o retrato delicado desse grupo negligenciado, perseguidos pela tradição viva.

Essas sequências iniciais não apresentam nenhum tipo de originalidade ao subgênero, mas constroem muito bem uma sutileza emocional com a dramaticidade adolescente e a narrativa trágica dos caubóis. Seja uma conversa sobre legado e herança numa fogueira, um monólogo sobre erros de paternidade ao som de John Coltrane, ou então uma simples lição sobre limpar fezes animais, quando a obra foca no relacionamento de Cole com a melancolia e a liberdade dessa comunidade, o filme consegue ser emocionante, e até poderoso. O arco de Cole é, logo de cara, previsível, ordinário e até monótono, mas o interessante entorno cultural entrega uma camada rica ao contexto, tocando em assuntos raciais, a paixão acima da sobrevivência e um tributo completo à diligência do trabalho, que mais funciona como uma visão de modo de vida à Cole, um escapismo da realidade, no qual, paradoxalmente, o diretor dá luz à uma realidade praticamente inédita.

Infelizmente, o roteiro já pouco inventivo decide adicionar um estranho núcleo secundário sobre crime e drogas com Smush (Jharrel Jerome), outro jovem perdido, que é colocado na narrativa para trabalhar o conflito desgastado se Cole irá para o tráfico ou encontrará seu caminho como caubói. Como tudo no filme, a resposta é óbvia, mas o problema dessa inserção não está na previsibilidade, mas sim na quebra de estética do filme. Desde o viés western urbano, engrandecido por uma bela cinematografia, que encontra o equilíbrio entre a natureza tradicional e o sujo das ruas, até a trilha sonora que sutilmente mescla um Velho Oeste com uma camada contemporânea, o filme, inicialmente, “tampa” bem o roteiro fraco com a estética e a delicada direção de Ricky, que pega a ordinária dramaturgia apelativa e preenche-a com o subtexto cultural rico e intrigante.

Logo, a trama de Cole e Smush, além de adicionar muito pouco ao arco convencional de um coming of age, acaba atrapalhando a experiência visual e simpática da película, assumindo até um caráter de distração maçante. À medida que a obra avança, as próprias cenas da comunidade caubói perdem a força dramática em transições deslocadas com as viagens alucinantes dos adolescentes, que terminam por resignar muito da relação entre Harp e Cole para construir a dramaturgia boba do conflito criminal.

Desde o início, Alma de Cowboy é completamente sincero em sua premissa convencional com performances poderosas de Elba e Caleb, e apesar de nunca almejar um nível fílmico memorável, Ricky manuseia bem a trama adolescente simplória frente à interessantíssima comunidade de Cavaleiros das Ruas, especialmente esteticamente e do ponto de vista realista, até inserindo verdadeiros caubóis como atores. Contudo, a já “normal” obra vai se perdendo narrativamente e visualmente com o núcleo secundário, que abraça por completo o clichê, e acaba tirando o foco da parte mais interessante do filme, que é a comunidade de estábulos e cowboys renegados.

Alma de Cowboy (Concrete Cowboy) – EUA, 02 de abril de 2021
Diretor: Ricky Staub
Roteiro: Ricky Staub, Dan Walser
Elenco: Idris Elba, Lorraine Toussaint, Caleb McLaughlin, Jharrel Jerome, Method Man, Ivannah-Mercedes, Byron Bowers, Jamil Prattis
Duração: 111 min.

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