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Crítica | Almas Sob o Sol + Tesito

por Luiz Santiago
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Produzido pela ONU e abordando uma temática permanente quando se trata de exploração econômica nos países situados na periferia do capitalismo, Almas Sob o Sol lança um olhar para as vítimas da escassez, seja esta provocada pela natureza (aborda-se aqui, por exemplo, os períodos de seca e a dificuldade de se cavar um poço profundo para ter acesso permanente a água), seja esta provocada pelas consequências da colonização europeia, que deixou os países numa penúria de recursos naturais, sem desenvolvimento industrial e claramente dependentes da economia dos países centrais, cuja exploração do trabalho e da agricultura nas antigas colônias mantém o ciclo de miséria.

A diretora Safi Faye parte do microcosmo cotidiano para o macrocosmo geográfico e sociopolítico. O espectador se conecta com os indivíduos desse lugar a partir da observação de suas necessidades básicas: água e comida. Estruturas de trabalho, calendário anual dividido entre meses de seca e meses de chuva e divisão social do trabalho são alguns dos elementos que deixam claro como funciona a vida nessa região documentada. Sem longas cenas mostrando a penúria das casas e a organização arquitetônica da vila, o filme estabelece desde cedo um laço de humanidade, de necessidade de uma vida digna para esses indivíduos e, após cercar o modo simples de vida dessas famílias, caminha progressivamente para uma investigação daquilo que gera tal existência. E é então que o curta abre as suas comportas críticas.

O olhar de Faye para a organização social, a ausência do Estado, falta de perspectiva e as inúmeras consequências que essas ausências têm para a vida dos indivíduos vem acompanhada de uma proposta de intervenção simples, palpável e que daria a essas populações a oportunidade de desenvolver o espaço local, provendo principalmente água e comida para as pessoas (diminuindo aí o número de doenças causas pela desnutrição, desidratação e falta de higiene) e dando a oportunidade de uma inicial geração de riqueza. Ao mesmo tempo, a cineasta nos mostra como o paupérrimo acesso dessas pessoas a meios que lhes garantiriam uma digna vida se estende para áreas como saúde e educação, fechando o ciclo de misérias que mantêm pessoas doentes, com baixa expectativa de vida, estafa permanente, fome, sede e quase nenhuma educação básica.

Almas Sob o Sol é uma crônica sobre aqueles que foram deixados para “se virar” após a independência das metrópoles da Europa. A demonstração de um status de vida que mantém não só a população mas as estruturas políticas e econômicas do país ainda dependentes de uma “ajuda” de fora. Um outro tipo de colonialismo que consegue se disfarçar de caridoso (porque os grandes dentre os grandes doam migalhas aos miseráveis) e continua tirando coisas de territórios e indivíduos, só que agora sem o manto negativo de dominação. Enquanto isso, as vidas ao sol convivem, em sua base diária, com os medos mais absurdos de se imaginar: quando é que a terra em torno desse poço mal cavado vai cair e todos ficaremos sem água? Haverá farinha suficiente para todos comerem? Quando conseguiremos descansar um pouco? Quando será possível viver?

Almas Sob o Sol (Les Âmes au Soleil/Souls Under the Sun) – Senegal, EUA, 1981
Direção: Safi Faye
Roteiro: Safi Faye
Duração: 27 min.

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Tesito

Neste documentário de 1989, a diretora Safi Faye está engajada em um projeto da PAMEZ (sigla em francês para Projeto de Desenvolvimento da Pesca Artesanal Marítima na Região de Ziguinchor), esta já integrada a um outro programa da região e que investiu na produção do filme, o Comitê Católico Contra a Fome e Para o Desenvolvimento. Assim como em Almas Sob o Sol, o ponto aqui é a apresentação de um problema socioeconômico, mas desta vez, tanto a abordagem para o problema quanto seus protagonistas são diferentes.

Tesito troca o foco de trabalho (agora é a pesca, em vez da agricultura) e coloca as mulheres em cena, não apenas constando como parte de um “plano maior”, mas trabalhando diretamente no processamento e comércio de pescados, sendo toda a organização local feita por um grupo de mulheres, tanto na mesa diretora, quanto na mão de obra. Como estamos em um cenário mais hierarquicamente organizado e as exigências ou dinâmicas desse espaço lidam com necessidades diferentes daquelas apresentadas em Almas Sob o Sol, a diretora faz uma abordagem pendular, indo da pesca e preparo dos peixes às dificuldades de se colocar esse produto no mercado. Sem contar a ausência de recursos para melhorar aquele espaço e tornar mais dinâmica e mais fácil aquela atividade.

Novamente, o fator humano ganha destaque. Faye está preocupada em mostrar aspectos diferentes da vida dessas mulheres, então aqui entramos em contato com o lado administrador, o lado “operário” e o lado materno ou familiar dessas pessoas, com uma sequência de grandes preocupações, grande jornada de trabalho e quase nenhum tempo para descansar. A forma honesta como isso é explorado no filme permite ao público entender, com uma boa dose de empatia, mais uma camada da luta pela sobrevivência em uma região do lado renegado do grande sistema de produção que a tudo rege… principalmente em lugares que ainda padecem das consequências de décadas e décadas de colonização.

Tesito – Senegal, França, 1989
Direção: Safi Faye
Roteiro: Safi Faye
Duração: 30 min.

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