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Crítica | America: The Motion Picture

por Ritter Fan
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America, f@ck yeah!
– não é desse filme, mas cabe como uma luva

Como todo mundo que estudou um mínimo de história sabe, depois que Abraham Lincoln (Will Forte) foi degolado em um teatro pelo lobisomem traidor Benedict Arnold (Andy Samberg), George Washington (Channing Tatum), seu melhor amigo, portando suas costumeiras serras elétricas, assumiu para si a tarefa de reunir uma super equipe composta de nomes como Samuel Adams (Jason Mantzoukas), Thomas Edison (que era uma mulher e, ainda por cima chinesa, obviamente – voz de Olivia Munn), Paul Revere (Bobby Moynihan), John Henry (Killer Mike) e Gerônimo (Raoul Trujillo), para lutar contra os britânicos pela independência e fundar a América. E, agora, essa magnífica história real finalmente ganha a adaptação audiovisual que merecia na forma de uma animação escrita por David Callaham, co-responsável por Os Mercenários, Jean-Claude Van Johnson, Zumbilândia: Atire Duas Vezes, Mulher-Maravilha 1984 e Mortal Kombat (2021), além dos futuros Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis e Homem-Aranha no Aranhaverso 2.

Fiz questão de salientar a filmografia de Callaham para deixar claro que podemos falar o que quisermos do roteirista, menos que ele não é um cara que arregaça as mangas para encarar literalmente qualquer tipo de empreitada, mesmo que tenha resultados irregulares no processo. Mas faz parte. Esse ecletismo, aliás, é essencial para o tipo de história satírica, escrachada, explosiva, bobamente engraçada e 100% autoconsciente que ele decidiu contar em America: The Motion Picture. De certa forma, só para o leitor ter uma ideia, é como se Team America: Detonando o Mundo, a já clássica animação com marionetes dirigida por Trey Parker, fosse a base sobre a qual o longa animado de História Alternativa (ou não) foi construído.

No entanto, isso não quer dizer que America é melhor do que Team America, pois o segundo não só tem a vantagem de seu inusitado e original formato, como se fia em uma progressão que não se vale apenas de artifícios narrativos para funcionar. America: The Motion Picture, ao contrário, parece precisar, a cada literal minuto, provar que consegue fazer mais do que o minuto anterior, resultando em um longa que parece muito mais uma infinita sucessão de esquetes costuradas na forma de filme – ou episódios de uma série de TV – do que um filme propriamente dito. Portanto, por exemplo, não basta que Benedict Arnold seja um licantropo, ele precisa trabalhar para o Rei James, da Inglaterra (Simon Pegg), que é, claro, uma hilária cópia do Imperador Palpatine, da saga Star Wars, inclusive com uma arma secreta para acabar de vez com os rebeldes e versões britânicas dos AT-ATs na batalha final. Da mesma maneira, não é suficiente que Washington porte uma serra elétrica em cada braço, sua esposa Martha (Judy Greer) precisa ser uma mulher voluptuosa que ou está transando com ele, ou está usando figurinos reveladores. Eu poderia citar outras dezenas de exemplos, mas creio que já é possível entender a lógica, não é mesmo?

Se essa necessidade de se provar mais e melhor em termos dos personagens e situações em si acaba cansando muito rapidamente, o mesmo não pode ser dito do caminhão de críticas socioeconômicas que Callaham metralha sempre em um crescendo também exponencial. No final das contas, America: The Motion Picture tem cada segundo de seu tempo dedicado a demolir de maneira mordaz cada um dos sustentáculos fundamentais do país, cada um de seus mitos e símbolos, desnudando de maneira óbvia, mas obviedade por vezes é necessária, e direta, as origens das mazelas tão veementemente condenadas hoje em dia e que se aplicam, em maior ou menor grau, a diversos outros países do mundo. O racismo, como não poderia ser diferente, é a pedra de toque, é a base para toda a construção das críticas, algo que vai desde a ótima piada de black smith v blacksmith (uma das razões pelas quais, aliás, torna impossível ver esse filme dublado), passando pelo Thomas Edison versão feminina e chegando até a questão indígena e imigratória. Talvez seja possível dizer que o humor não vai suficientemente a fundo, que não desanca de vez a nação, mas tenho para mim que o longa é tão autoconsciente de sua condição de veículo de discurso crítico, que tudo é cuidadosamente feito para que a ironia e o sarcasmo reinem nesse quesito, ainda que, por vezes, sem dúvida alguma, os exageros pirotécnicos tendam a abafar a eficiência das piadas.

America: The Motion Picture é aquele tipo de comédia que, como dizem os americanos, coloca tudo no texto, inclusive a pia da cozinha. Sim, é uma bobagem enorme e sim, o filme exige um estado de espírito descontraído e, arriscaria dizer, até mesmo algum conhecimento da história dos EUA e um bom grau de consciência das questões atuais para realmente funcionar, mas, se essas circunstâncias todas estiverem presentes, mesmo os exageros em cima de exageros que vão se amontoando até fragilizar o todo resultarão em uma divertida experiência cinematográfica em um universo paralelo que é tão diferente quanto igual ao nosso.

America: The Motion Picture (EUA, 30 de junho de 2021)
Direção: Matt Thompson
Roteiro: Dave Callaham
Elenco: Channing Tatum, Jason Mantzoukas, Olivia Munn, Bobby Moynihan, Judy Greer, Will Forte, Raoul Trujillo, Killer Mike, Simon Pegg, Andy Samberg, Carlos Alazraqui
Duração: 98 min.

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