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Crítica | Amor com Data Marcada

por Gabriel Zupiroli
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A existência dos clichês em uma obra artística não significa, necessariamente, falta de criatividade ou limitação por parte do artista. Por mais que os elementos categorizados como tais o são justamente por reforçar um lugar-comum do fazer artístico, é possível utilizá-los de maneira que faça sentido dentro da totalidade da obra, dentro daquilo que ela propõe como exercício de linguagem. Amor com Data Marcada, comédia romântica natalina da Netflix, esboça, em um primeiro momento, um interessante olhar metalinguístico sobre toda a estrutura já esperada do gênero cinematográfico citado, que, porém, se perde em meio a suas próprias limitações, abortando as possibilidades de surgir como uma obra frutífera em meio a um espaço tão desgastado.

No filme, acompanhamos duas pessoas que, incomodadas com o fato de passarem seus feriados sozinhas ou com acompanhantes não muito confortáveis, decidem se tornar o que chamam de holidate (“ferigato”, na cômica e tosca tradução para o português), acompanhantes unicamente para feriados. Ambos se tornam companheiros desses dias especiais para não suscitar questionamentos das famílias ou mesmo não se sentirem solitários. Ao longo da trama, ambos acabam por se aproximar e criar sentimentos um pelo outro, ainda que com receio de os revelarem, em um clássico movimento de comédias românticas de aproximação despretensiosa seguida da aproximação sentimental, distanciamento e, por fim, entrega às emoções.

O filme se sustenta, portanto, sobre essa dinâmica dos feriados. Tudo que acompanhamos se resume praticamente aos dias especiais do ano e à interação entre os protagonistas e a família de Sloane (interpretada por Emma Roberts). O que pode até parecer uma proposta interessante, caso se pense que o desenvolvimento se dá justamente em episódios específicos e despretensiosos, mas que se torna um mecanismo relativamente vazio ao se sedimentar sobre a clássica estrutura já mencionada. Porém o que mais é cruel com o espectador é justamente o fato de a obra se insinuar por caminhos alternativos e subversivos para, ao fim, desaguar em terras mais do que comuns sem o mínimo de criatividade.

Novamente, como dito antes, nada contra os clichês, se bem usados. Porém se uma obra propõe em algum momento – como no primeiro encontro entre o casal, na festa de ano-novo – questionar seus alicerces para logo em seguida abandoná-los, fica no ar um sentimento de impotência em meio ao discurso que retorna, sempre, ao terreno confortável e tradicional da ideia de que o casamento e as relações estáveis são mais benéficas que a solidão.

Neste sentido, Amor com Data Marcada não deixa de possuir um cerne conservador em sua estrutura. Conservador pelo fato de se deslocar de um lugar-comum (a relação monogâmica), esboçar uma inclinação a uma subversão desse discurso tradicional (a possibilidade de ser feliz sozinho), e encerrar em um retorno à origem, um retorno à ideia inicial de coroar a ideia de que a vida a dois é o único caminho possível. Mesmo a tia da personagem principal, que surge como uma alternativa a essa visão, redime-se ao final e cimenta essa noção de regresso.

A elaboração formal apenas contribui para a criação do discurso. Tudo é filmado da maneira mais tradicional possível, sem questionar o próprio mecanismo de criação imagética – o que faz com que a cena supostamente metalinguística apenas se transforme em algo mais vazio ainda. Não que uma produção de grandes estúdios destinada a um público específico com a intenção do lucro seja algo feito para subverter, mas a conciliação entre a forma e a ideia em vias do movimento conservador apenas empobrece uma comédia que, mesmo no campo tradicional deste gênero, não é muito boa. Isso porque, justamente, não há o questionamento do já estabelecido. Mesmo as piadas são feitas sobre um ambiente já tradicional da comédia, o que, de certa forma, desloca o filme de uma atualidade e o situa como se tivesse sido feito há vinte anos.

E tudo converge para esse estabelecimento do clássico. As atuações que se desdobram no arquétipo tradicional, o desenvolvimento da narrativa que nunca se arrisca além do que já está lá. Todos estes elementos trabalham em função de impulsionar uma conclusão que está implícita desde o início. E a brincadeira metalinguística com a previsibilidade das comédias românticas se transforma em apenas um ato maldoso de possibilidade de algo que não se concretiza. Amor com Data Marcada representa, com uma direção segura e que não se arrisca, todo um gênero que se solidificou em meio a diversos lugares-comuns, provando ao espectador que melhor do que questionar seus próprios princípios é permanecer estagnado para sempre em meio à nulidade.

Amor com Data Marcada (Holidate) – EUA, 2020
Direção: John Whitesell
Roteiro: Tiffany Paulsen
Elenco: Emma Roberts, Luke Bracey, Kristin Chenoweth, Frances Fisher, Jessica Capshaw, Manish Dayal, Jake Manley, Andrew Bachelor
Duração: 103 min.

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