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Crítica | Amor e Sorte – 1X01: Lúcia e Gilda

A conturbada relação conflituosa entre mãe e filha em meio a um vírus pandêmico.

por Arthur Barbosa
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Bem-vindos ao Plano Piloto, coluna dedicada a abordar exclusivamente os pilotos de séries de TV.

Número de temporadas: 1
Número de episódios: 4
Período de exibição: 08 de setembro de 2020 até 29 de setembro de 2020
Há continuação ou reboot?: Sim, um Especial de Natal, lançado no mesmo ano, em uma espécie de continuação da dupla formada por mãe e filha. Elas acabam tendo a participação de um novo membro na família: a aparição de um inédito e exótico animal de estimação, que dá nome ao episódio: Gilda, Lúcia e o Bode.

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A Coluna Plano Piloto continua homenageando a atriz brasileira Fernanda Torres por ela ter conquistado o Globo de Ouro 2025 de Melhor Atriz, juntamente à indicação ao Oscar 2025 na mesma categoria, pela exemplar atuação dela no primeiro filme original Globoplay, intitulado Ainda Estou Aqui (2024), para a alegria de nós, brasileiros, os quais em grande parte não valorizam e, pior, menosprezam o conteúdo nacional. Contudo, aqui, no Plano Crítico, nós somos diferentes, pois perpetuamos, não só os trabalhos internacionais, como, também, as produções tupiniquins, as quais têm um excelente material, e as indicações supracitadas não me deixam mentir para vocês, caros(as) leitores(ras). Depois dos textos de Os Normais e de Tapas & Beijos, hoje, a gente contempla Amor e Sorte, um seriado produzido no auge da pandemia do coronavírus, em 2020, com o protagonismo de mãe e filha, seja na vida real, seja na ficção: Fernanda Torres e Fernanda Montenegro interpretam Lúcia e Gilda, duas mulheres que se refugiam para um sítio interiorano com o objetivo de se protegerem do vírus mortal, que, infelizmente, assolou o planeta há cinco anos.

No caso, a série Amor e Sorte conta histórias independentes em quatro episódios no total, mas elas contêm como ponto central as relações interpessoais durante a quarentena provocada pela pandemia mencionada. E, em um delicioso episódio, a primeira história escolhida para estrear a temporada foi a da dupla já citada, o qual foi produzido inteiramente pela família Montenegro, sendo ainda o primeiro produto inédito da Rede Globo, à época, em meio ao período da pandemia. Naquele ano, já estávamos cansados de acompanhar as reprises desde março e os atores estavam sedentos pelo retorno das gravações, as quais tiveram que ser interrompidas de forma abrupta. Desse modo, a ideia inicial era garantir a segurança de todos os envolvidos, principalmente a do elenco, que deveria ser composto apenas por pessoas que morassem juntas: ou como família, ou como casal. Ademais, a partir da criação de Jorge Furtado, a rodagem das cenas deveria ser realizada na residência dos intérpretes que estavam em quarentena, local onde eles mesmos dividiram a função de câmera, de iluminação, de direção, e, claro, de atuação.

E a escolha da primeira dupla não poderia ter sido mais assertiva, afinal de contas talento é o que não falta quando falamos das duas maiores atrizes brasileiras, sendo mãe e filha, literalmente. Será que elas estavam apenas atuando ou vivendo a realidade na forma mais plena possível? A vida imita a arte ou a arte imita a vida? Eu não sei responder a esses questionamentos, mas uma afirmação eu posso fazer após assistir a esse episódio piloto: eu poderia ficar horas e mais horas acompanhando Lúcia (Fernanda Torres) tendo que cuidar da mãe Gilda (Fernanda Montenegro), uma senhora aposentada de 90 anos de idade e, extremamente, ranzinza. Enquanto a primeira estava completamente “louca” em se proteger de uma possível contaminação do coronavírus, com a utilização de máscara, de luvas e de álcool gel, a segunda continuava vivendo normalmente na cidade do Rio de Janeiro (RJ), no bairro de Copacabana, como se nada estivesse acontecendo, ou seja, indo ao supermercado sem máscaras, encontrando com alunos em seu apartamento e, para piorar, voltou a fumar. Realmente, cuidar de uma idosa teimosa não deve ser uma tarefa fácil, ainda mais em tempos pandêmicos.

A única alternativa que Lúcia encontrou foi  se refugiar ao lado de sua mãe na Serra, embora houvesse as reclamações da matriarca. Elas, então, partem rumo à casa no interior. Em virtude dessa convivência forçada, acaba vindo à tona diferenças gritantes da personalidade de cada uma delas, as quais provavelmente foram a razão de se manterem afastadas por quase uma vida inteira. Logo, acabamos acompanhando a transformação desse relacionamento fraterno entre mãe e filha de uma forma brilhante ao longo dos 44 minutos de duração do episódio. Ao acompanhá-las, fomos agraciados por cenas icônicas e impagáveis entre as duas, como a Lúcia correndo atrás da galinha para poder cozinhá-la para o almoço e a Gilda quebrando as antenas e o sinal da internet para a filha não descobrir, por exemplo, que o Brasil já iniciava a vacinação da população. 

Até a metade do episódio, vimos um embate extremo entre as personagens, mas os 22 minutos derradeiros também fomos contemplados pelo amor mútuo entre as duas, principalmente por parte de Gilda, a qual não queria mais se distanciar da filha e, por isso, tomou a atitude de deixar a primogênita incomunicável com o mundo, incluindo, inclusive, o arriamento da bateria do carro. Quem diria, não é mesmo? Para quem não estava gostando de ficar longe da Cidade Maravilhosa, parece que ela amou a sorte de poder conviver alguns dias ao lado da filhota tão amada. Se elas não sentiram o tempo passar, nós, também, não, porque ao mesclar comicidade, reflexão e sensibilidade com maestria, Amor e Sorte nos entregou um excelente produto audiovisual por mais simples que foi a concepção do seriado. 

Já o roteiro é honesto e corajoso, visto que apesar das palavras violentas e ácidas entre os diálogos das protagonistas, contendo muita ironia e deboche, há ainda a ternura, o amor e a compaixão pelos atos e pelas decisões que cada uma toma para proteger e conviver da melhor forma possível embora estejam inseridas em meio a uma da pandemia, juntamente à diferença de geração entre as personagens. É claro que Gilda e Lúcia não são a Fernandona e a Fernanda da vida real, contudo certos antagonismos que atravessam a história dizem respeito a qualquer mãe e filha brasileiras. São de fato humanos e universais. O simbolismo da paz que a galinha promoveu entre a dupla foi lindo e simbólico: uma verdade tocante. Foi uma oportunidade preciosa para o público, pois o piloto de Amor e Sorte emociona do início ao fim.

Portanto, a série conseguiu a maestria de tocar o coração dos telespectadores ao destacar o mais simples, porém o mais caro, que temos na vida: as relações humanas e a dificuldade de saber trabalhá-las apesar do convívio diário. Somado a isso, o episódio de estreia teve uma produção mais “caprichada” em relação aos outros três pelo fato da condição favorável da família protagonista: as duas estavam em um sítio na Serra do Rio de Janeiro, isto é, com um espaço amplo e adequado, assim como a participação nos bastidores de pessoas especialistas no setor audiovisual. Tivemos, desse modo, o marido de Fernanda Torres, o Ancrucha Waddington, conhecido diretor da aclamada série médica brasileira Sob Pressão, e os filhos do casal, Pedro Waddington e Joaquim Waddington, que ajudaram na produção. Inclusive, nos minutos finais, há o depoimento delas contando como foram as gravações e os percalços para a finalização da gravação do episódio. Eu só tenho uma ressalva: queria ter visto a cena da Lúcia, além de depenar a galinha, quebrando a cabeça do animal, com a mãe arrumando um falatório, risos.

Em um período traumático e complicado para a humanidade, o seriado foi um respiro, em um belo trabalho de valorização da cultura nacional por meio de uma dupla extremamente encantadora e poética. A escolha das duas atrizes não poderia ter sido mais certeira, afinal a trama conseguiu ser hilária, engraçada e emocionante. Por outro lado, apesar de estarem na mesma enseada, o restante da minissérie não tem a excelência do piloto, porém apresenta divertidas relações também conflituosas, mas, dessa vez, com casais: Lázaro Ramos e Taís Araújo protagonizam Linha de Raciocínio, ao passo que Emílio Dantas e Fabíula Nascimento estrelam o episódio Território. Por fim, finalizando os quatro episódios, temos, em A Beleza Salvará o Mundo, o casal Luisa Arraes e Caio Blat. Vale a pena dar uma conferida!

Amor e Sorte 1×01: Lúcia e Gilda (Brasil, 08 de setembro de 2020)
Criação: Jorge Furtado
Direção: Andrucha Waddington, Pedro Waddington
Roteiro: Jorge Furtado, Chico Mattoso, Antônio Prata, Fernanda Torres
Elenco: Fernanda Torres, Fernanda Montenegro, Ricardo Pereira, Joaquim Torres Waddington, Arlete Salles, Vanessa Bueno
Duração: 44 minutos

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