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Crítica | Amores Imaginários

por Luiz Santiago
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estrelas 2,5

A primeira coisa que Xavier Dolan estabelece de forma sólida em Amores Imaginários (2010) é o seu tema central, ou seja, o impacto de uma paixão compartilhada na amizade entre duas pessoas. O filme, cujo roteiro também é de Dolan, narra a crônica de Francis (Xavier Dolan) e Marie (Monia Chokri), jovens de gênio forte que se apaixonam por Nicolas (Niels Schneider), um rapaz que esbanja simpatia — exceto na sequência final — e que divide em um irritante equilíbrio o nível de atenção dado às outras duas partes do “triângulo amoroso”.

Se fosse por este único aspecto, Amores Imaginários seria um filme muito bom. A abordagem de Dolan para o tema é interessante e pincelada com alguns detalhes que podem ampliar o significado do texto, como a discussão sobre relacionamentos — falaremos dela sob outra visão, mais adiante –, a questão homossexual — que aqui é apenas um detalhe, não o foco do filme — e a tinta que dá cor a tudo: o egoísmo apaixonado de Francis e Marie em querer “se dar bem” com Nicolas e o resultado catastrófico que isso tem para eles.

Na costura geral desses detalhes, Dolan comete dois grandiosos e principais erros que, se estivessem em um filme como Eu Matei a Minha Mãe (2009), sua estreia no cinema, até seria compreensível, mas aqui aparece como uma mistura de mal gosto e peso demasiado em elementos que não deveriam ter tanto peso assim.

O primeiro aspecto é a cadência narrativa do filme, que, como já foi dito, é uma crônica (ou uma junção de crônicas). Até certo ponto nós gostamos da montagem picotada para os eventos e o aparente “desencontro e avanço desordenado” que as rodas de amigos em bares e conversas sobre relacionamentos nos trazem. Mas à medida que o texto dá peso ao triângulo amoroso (esse sim, o melhor elemento da obra), tais cenas individuais parecem deslocadas e, no máximo, servem para distrair o espectador e diminuir a força dramática dos momentos em que aparecem. E isso também vale para a intimidade de Marie e Francis com seus parceiros, uma abordagem que só conseguiria bom resultado final se tivessem o mesmo tratamento, mas há total desequilíbrio nesse ponto (Marie não transa, só fala e fuma; Francis fala e transa, mas da maneira mais sem graça e despropositada possível… e não me diga que essa disparidade tem significado narrativo. Para tanto, o diretor deveria aplicar o mesmo padrão que Nicolas dava aos dois amigos, tratando-os da mesma forma).

O pior de tudo é que a maioria dessas cenas individuais (os amigos no bar, os “depoimentos”) não são mal escritas ou mal atuadas. A direção delas até pode ser exagerada — o jogo de zoom como “chicote visual” aplicado à maioria delas é feio e amador –, mas em geral, funcionam bem se as isolarmos. O grande problema é que, contextualizadas no enredo de Amores Imaginários, parecem frouxas e atrapalham a principal história.

Há quem interprete essas conversas como “narrações” ou “coro grego” ou qualquer coisa do tipo. Bem, eu prefiro não pensar assim, porque se essa foi a intenção do diretor, o filme fica ainda pior. Não faz sentido um drama amoroso de constituição estética barroca revestida de elementos do videoclipe ter “coro grego” para anunciar a ligação entre os eventos. Dolan é muito melhor que isso e creio que ele não pensou nesse tipo de uso. As conversas, a meu ver, estão lá como complemento da atmosfera geral da fita e, novamente, funcionam bem de forma isolada, mas não no contexto.

O segundo aspecto e possivelmente o mais grave deles é o estético, a começar pelo irritante excesso de câmera lenta e injustificáveis takes com câmera na mão. Nós sabemos que ambas as coisas fazem parte do universo narrativo próprio de Dolan, mas faça uma breve comparação do uso que o diretor faz desses elementos em Eu Matei a Minha Mãe e Laurence Anyways (respetivamente, seu filme anterior e seguinte) e o que ele faz aqui em Amores Imaginários. A câmera lenta que funciona perfeitamente em planos como as caminhadas solitárias de Marie e Francis se torna gratuita a cada destaque dramático de chegada, a cada vírgula emocional, a cada nuance particular dos envolvidos. Se estivesse sozinho, poderíamos até ver esse uso como um problema ‘menor’, mas ele arrasta consigo a trilha sonora, que basicamente passa de instigante para chateante.

Eu sei que pareci emburrado demais com o exercício do diretor aqui e talvez tenha dado a impressão de que odiei o filme, o que não é totalmente verdade. Amores Imaginários é uma obra medíocre (no uso original da palavra), com ótimos momentos isolados que, em conjunto, se auto-boicotam. O enredo é interessante, o elenco é afinado (destaque para as ótimas interpretações nos “depoimentos”, a marcante atuação blasé de  Monia Chokri e a alardeada ponta de Louis Garrel ao final), a escolha das canções para a trilha sonora é boa (embora mal utilizada a partir do meio da fita) e existe uma indicação de ciclo amoroso a se fechar após a última cena, o que é ótimo, mas, convenhamos, cinema não é feito apenas de boas intenções, ótima fotografia noturna e bons momentos isolados.

Talvez Amores Imaginários tenha sido uma junção de centenas de ideias do diretor postas num único roteiro sem muito polimento. O resultado, como não podia deixar de ser, é um híbrido de exagero, estranhezas e qualidade em potencial.

Amores Imaginários (Les amours imaginaires) – Canadá, 2010
Direção: Xavier Dolan
Roteiro: Xavier Dolan
Elenco: Xavier Dolan, Monia Chokri, Niels Schneider, Anne Dorval, Anne-Élisabeth Bossé, Olivier Morin, Magalie Lépine Blondeau, Éric Bruneau, Gabriel Lessard, Bénédicte Décary, François Bernier, Louis Garrel
Duração: 101 min.

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