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Crítica | And Just Like That… – Um Novo Capítulo de Sex and The City

Revival revela a relevância do legado da série original.

por Leonardo Campos
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Começarei a minha análise de And Just Like That: Um Novo Capítulo de Sex and The City com um dos questionamentos mais pertinentes de Miranda Hobbes, personagem interpretada por Cynthia Nixon, num momento crucial de posicionamento no desfecho da temporada de retorno deste programa que se mostrou ainda muito relevante após mais de duas décadas de seu primeiro episódio exibido quando a HBO ainda não era muito abrangente. Numa discussão com Carrie Bradshaw (Sarah Jessica Parker), a advogada ruiva levanta a seguinte reflexão: “tenho que seguir as minhas regras rígidas até morrer?”. A colocação é um corolário não apenas do debate empreendido entre as duas amigas, mas também algo para pensarmos o retorno da série, haja vista as polêmicas que gravitaram diante das novas escolhas dos realizadores, assertivos ao preferirem expor as personagens em dinâmicas condizentes com as suas atuais fases da vida, período de maturidade, autoconhecimento e posturas mais precavidas, diferente das aventuras novaiorquinas que marcaram Sex and The City entre 1998 e 2004, ano de exibição das seis temporadas anteriores ao revival em questão. O mundo mudou, passamos por uma pandemia que ainda está em seus desdobramentos, os debates sobre sexo, identidade de gênero, feminismo e relacionamentos também atravessaram vertiginosas transformações, então por qual motivo manter-se viciado no estilo narrativo e nas temáticas anteriores?

É com este direcionamento corajoso que os realizadores modificaram tudo, sem deixar de fora os tópicos temáticos de antes, agora traduzidos para perspectivas mais contemporâneas. Quem buscava idealismo, não encontrou o entretenimento que desejava. A vida, como a narradora protagonista destaca num determinado trecho, é de complexa explicação para quem busca exatidão. Fenômenos acontecem o tempo inteiro e aquilo que acreditávamos ser um padrão hoje, amanhã bruscamente se metamorfoseia. Assim, o sexo ainda continua ali nas entrelinhas dos diálogos, nos debates das personagens, mas sem a explicitude de antes. Elas casaram, solidificaram os seus relacionamentos, se encontraram em novas situações e a busca pelo orgasmo perfeito não é mais o centro de suas respectivas agendas cotidianas, o que não significa, por sua vez, que elas se tornaram frígidas. Apenas ampliaram ainda mais as temáticas. Agora, sem Samantha Jones (Kim Cattrall), os encontros não trazem relatos sobre homens com pênis minúsculos ou enormes, aventuras lésbicas, amantes que exigem teste de HIV para transar, dentre outras empreitadas da maravilhosa jornada de uma das integrantes do quarteto que tal como sabemos, não voltou por diferenças pessoais e profissionais com os envolvidos.

Os episódios que antes tinham 20 minutos, ampliados depois da terceira temporada para 28 a 30, agora são baseados nos tradicionais 42 minutos de duração. O universo de Candace Bushnell, escritora do livro de crônicas Sex and The City, continua vivo, mas como já mencionado, transformado. É uma nova era, de preocupações que se estabelecem como parte das circunstâncias de vidas que atravessaram mudanças substanciais depois dos eventos das produções cinematográficas que ampliaram este universo. Como sabemos, após o término da série, as protagonistas se reencontraram em dois filmes, ambos irregulares, demonstração que os casos de Carrie, Charlotte e Miranda funcionam de verdade no formato seriado, um tipo de padrão que contempla melhor o desenvolvido dos conflitos dramáticos da série. Aqui, a complexa reflexão sobre identidade de gênero é colocada de maneira orgânica, sem discurso panfletário que estrague a possibilidade de debates conscientes. A representatividade também ganhou um novo rumo, em especial, para a questão racial que foi apontada como um problema na jornada anterior do programa. Temos um cenário novaiorquino mais real, multicultural, globalizado, como de fato esperamos, com menções ligeiras ao processo pandêmico que nos arrebatou, quase sem volta, em 2020, temática introduzida na trama sem muito destaque, mas pontual como deve ser, tendo em vista não eclipsar as discussões mais relevantes para o tema da série.

Em linhas gerais, durante os 10 episódios, sabemos em que pé está a vida de Carrie Bradshaw, Miranda Hobbes e Charlotte York (Kristin Davis). Todas continuam financeiramente privilegiadas, com os seus casamentos aparentemente equilibrados, frequentadoras de bons restaurantes e ambientes culturais. Samantha, como saberemos, se desentendeu um pouco com o grupo e foi trabalhar em território europeu, afastada das novas aventuras e inclusa respeitosamente no roteiro por meio de diálogos com Carrie por mensagens de celular. Há até um momento de agendamento para um jantar com drinques na estadia da protagonista narradora em Paris, ocasião de espalhamento das cinzas de Mr. Big (Chris Nott) na famosa ponte do Rio Sena. Sim, o amor da vida de Mrs. Bradshaw morre de um ataque cardíaco no desfecho do primeiro episódio e na caminhada das fases do luto, a personagem vai ressignificando a sua vida. A moda ainda é um ponto alto em sua jornada, com exibição de diversos figurinos utilizados ao longo das seis temporadas do bloco anterior (1998-2004). Surpreendida pelo falecimento do marido, ela retorna aos poucos para o seu antigo apartamento novaiorquino mais simples e com a “sua cara”, arrisca experimentar alguns cigarros novamente, vício abandonado desde os filmes do universo, assume a posição de participante especial num podcast sobre sexo e relacionamentos e redescobre, em doses parciais, o interesse em continuar a vida com ânimo e graça.

Os tempos são outros e a graciosidade para furar uma fila e entrar numa boate já não é o mesmo. A reta final de Mr. Big, como era de se esperar, trouxe surpresas, como a quantia de U$1 milhão deixada para Natasha (Bridget Moynohan), a ex-noiva traída por ele e Carrie na terceira temporada de Sex and The City. Stanford (Willie Garson) continua sendo uma companhia, mas sai de cena logo, pois o ator faleceu em 2021, dando aos roteiristas uma situação inesperada que acabou culminando no desfecho do personagem numa viagem ao Japão, para agenciar uma estrela das redes sociais. A amizade com Seema (Sarita Choudhury) é um dos melhores atrativos da atual jornada de Carrie. A agente imobiliária é quem apresenta não apenas novos apartamentos depois que a escritora decide sair do lugar onde morava com Mr. Big, mas também proporciona momentos de frescor para a travessia nebulosa da personagem pelo luto, levando-a para restaurantes, bares e outros lugares culturalmente badalados. Após arriscar o Tinder, Carrie conhece um professor, tem um encontro desastroso, mas sincero, sendo com Franklyn (Ivan Hernandez) a possibilidade de retomada na incerta caminhada pelo novo amor.

Charlotte York, a mais tradicional do grupo, agora atravessa uma fase de mudanças que pedem maior discernimento acerca do que é real, em contraposição com os seus ideais de família, amizade e comportamentos. O casamento com Harry Goldenblatt (Evan Handler) continua equilibrado, com alguns deslizes entre um ponto e outro, causados pelo excesso de zelo da esposa demasiadamente conservadora. Convertida a judaísmo desde as confusões da sexta temporada de Sex and The City, a personagem leva com seriedade as tradições religiosas de seu seio familiar, confrontada agora pelas duas filhas adolescentes, Lily (Cathy Ang), a menininha chinesa adotada no último episódio da série e Rose (Alexa Swinton), garota que traz os maiores desafios para o casal, pois está em transição de gênero e não quer ser definida nem por menino nem por menina, apenas “Rock”. É uma curva brusca na estrada de Charlotte, mulher que agora precisa compreender melhor sobre identidade de gênero não apenas para ser politicamente correta, mas para saber lidar com a sua filha. Anthony (Mario Cantone) continua em sua vida, agora com um empreendimento gastronômico de entregas, tendo maior presença em cena se comparado aos episódios do bloco anterior. E sobre sexo, sim, ela e Harry continuam com este setor ativo na vida, dando inclusive, mote para cenas engraçadas com Lily, jovem que flagra os dois numa situação bastante “comprometedora” no banheiro de casa.

A geralmente assertiva Miranda Hobbes, personagem firme de Cynthia Nixon, passa por transformações bastante consideráveis. Casada com Steve, ela chega ao final da série com o pedido de divórcio, pois não se considera mais feliz no relacionamento, principalmente depois que conhece a não-binária Che (Sara Ramirez), apresentadora do podcast de Carrie. Envolvida por uma paixão avassaladora, ela se entrega completamente e deixa de lado as posturas que contemplamos quando queria firmemente ser sócia da firma em que trabalhava na segunda temporada ou nas batalhas no mercado de trabalho, travadas até o desfecho e nos filmes. Aqui, ela se entrega ao mestrado em Direitos Humanos, orientado pela professora Nya Wallace (Karen Pittman), personagem que se torna a sua amiga nesta jornada. É Nya que permite debates sobre questões raciais, principalmente por Miranda agir constantemente inebriada pelo excesso de postura politicamente correta, da “branca salvadora”. Elas começam desalinhadas, mas constroem uma ótima relação até o desfecho. Em casa, além da frieza no relacionamento com Steve, Brady (Neall Cunningham) lhe coloca em constante irritabilidade, com as idas e vindas da namorada quase todos os dias, jovem casal no auge das descobertas da sexualidade, responsáveis por impedir momentos de maior tranquilidade dentro de casa.

Orientação sexual, as fases do luto, a busca por novas experiências no campo dos relacionamentos, a pressão por procedimentos estéticos, as dúvidas acerca da possibilidade de amar de novo após anos de casamento, a imagem diante do desafiador julgamento alheio. São muitas as preocupações, presentes desde a versão anterior, alguns temas mais delineados por aqui ao longo dos dez episódios, dirigidos por Michael Patrick King, Nisha Ganatra, Gillian Robespierre, Anu Valia e Cynthia Nixon, a intérprete de Miranda que também assumiu o comando de um dos capítulos, equipe direcionada pelos textos assinados por King, Elisa Zuritsky, Samantha Irby e Julie Rottenberg. Na seara estética, o primor narrativo também é um ponto a ser contemplado: a direção de fotografia de Tim Norman entrega trechos inspiradores e o design de produção de Miguel López-Castillo permite que adentremos nos universos das personagens e sintamos uma proximidade com seus respectivos cotidianos, em especial, o velho apartamento de Carrie, e volta após um acontecimento fatídico, a ser mencionado mais adiante. Na composição da trilha sonora, Aaron Zigman capricha nas passagens que pedem uma textura percussiva adequada para cada momento ao longo dos episódios, também empolgantes com a inserção da mescla habitual de gêneros musicais, indo do soul e R&B ao pop/rock envolvente.

Ademais, os figurinos, desta vez, ficaram por conta de Molly Rogers, profissional que dá conta da empreitada, mesmo que tenhamos nos questionado se a ausência da icônica Patricia Field faria falta na concepção visual das personagens que continuam estilosas. Sim, Carrie Bradshaw ainda tem os seus rompantes de antes, em especial, quando tempera um salmão para o jantar trajada por um Dolce & Gabana mais básico, se é que a marca pode trazer o vocábulo como acompanhamento de alguma descrição sobre os seus produtos. Estes são momentos muito pontuais, nada que coloque a série em risco de perder a sua credibilidade. Vejo apenas como uma passagem onde a personagem demasiadamente humana expõe os seus desejos e seu apreço pela moda, tal como fazemos quando queremos “aquela” bebida num momento inoportuno ou ansiamos por algo que é considerado supérfluo. Enfim, há tantas outras passagens tão relevantes que este detalhe é apenas uma pontinha do iceberg dos privilégios banais da protagonista, alguém que tal como também sabemos, possui o seu “direito de comprar sapatos”.

No desfecho que se preocupa em arrematar todos os pontos em aberto, And Just Like That consegue emocionar e deixar os seus espectadores esperançosos. Foi um retorno digno, empolgante enquanto entretenimento e de reflexões assertivas no que diz respeito ao processo de conscientização sobre tópicos temáticos importantes da contemporaneidade. Precisamos de mais para saber os caminhos que serão percorridos pelas vias pavimentadas até então pelas personagens. Carrie agora tem o seu próprio podcast sobre relacionamentos, bem como uma jovem vizinha estilosa que parece viver coisas parecidas aos seus casos e acasos da juventude. Como uma boa escritora, ela precisará dar continuidade aos seus relatos, mantendo-os ainda relevantes, como ocorreu na temporada em questão. Inebriada com a oxigenação que os seus atos corajosos trouxeram para a sua realidade, Miranda Hobbes, uma das figuras ficcionais com evolução mais importante do revival, terá de equilibrar o seu antes e depois, para saber se fez as escolhas certas ou se pretenderá reaver alguns planejamentos. Charlotte, agora uma mãe de filha em processo de transição de gênero, também oferece ao texto muitas possibilidades de reflexão e momentos de carga dramática relevante. O desfecho apresenta um beijo, algo que pode ser um novo rumo para Carrie ou apenas uma experiência pululante para animar a sua caminhada de bastante aprendizado neste retorno que, esperamos, continue na mesma linha de qualidade, isto é, entretenimento inteligente e radiografia dos relacionamentos em nossos tempos.

And Just Like That… – Um Novo Capítulo de Sex and The City (And Just Like That/EUA, 09 de dezembro de 2021 a 03 de fevereiro de 2022)
Criador: Michael Patrick King
Direção: Michael Patrick King, Nisha Ganatra, Gillian Robespierre, Anu Valia, Cynthia Nixon
Roteiro:
Elisa Zuritsky, Samantha Irby, Julie Rottenberg, Michael Patrick King
Elenco: Sarah Jessica Parker, Kim Kristin Davis, Cynthia Nixon, Chris Noth, David Eigenberg, Willie Garson, Mario Cantone, Karen Pittman, Nicole Ari Parker, Bridget Moynohan, Neall Cunningham, Cathy Ang, Sara Ramirez, Alexa Swinton, Sarita Choudhury, Ivan Hernandez
Duração: 10 episódios (40 min).

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