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Crítica | Anjinho – Além

Como conquistar algo precioso.

por Luiz Santiago
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SPOILERS!

Criado em maio de 1964, no caderno Folha Ilustrada, da Folha de S. Paulo, o Anjinho é um personagem que serve como voz moral e representação dos ideais de bondade, bom comportamento e todo tipo de adequação social e obediência que se espera das crianças. De todos os meus anos de leituras de infância, eu sempre vi o Anjinho como um personagem fofo que iria fazer algum tipo de discurso ou dar alguma bronca simpática na Turminha. Me admirava ler algumas histórias onde ele brincava, ria e até tinha alguns comportamentos sapecas, típicos das interações sociais de crianças num grande grupo. Mas essas histórias não eram a regra, eram a exceção. Por isso, eu não fazia ideia do que exatamente esperar desse quadrinho escrito e desenhado por Max Andrade, com cores de Kaji Pato. Que tipo de Anjinho o artista traria para a Graphic MSP?

Ser positivamente surpreendido com uma HQ é muito bom, especialmente quando existe uma possibilidade grande de o artista meter os pés pelas mãos e fazer uma coisa melosa, absurdamente moralista e dedicada apenas a discursar “para o bem de todos“. Em se tratando de um personagem como o Anjinho, convenhamos, era uma possibilidade imediata. Mas o que Max Andrade faz aqui é um trabalho realmente admirável, longe do bom-mocismo barato. Primeiro, pelo impulso narrativo, que é emocionante por si só. O enredo é uma homenagem a Cassiano, primo de Max, que morreu ainda garoto. A maneira como ele desenha a professora da escola e o instrutor de arte com materiais recicláveis é também uma homenagem aos seus tios, pais de Cassiano. Na trama, ele amadurece duas linhas narrativas muito bonitas e muito importantes: a aceitação da finitude da vida e o reconhecimento de todas as coisas boas que ela nos pode dar.

O Anjinho aqui é aquele personagem rebelde, que perdeu um amigo e que não aceita essa perda. No final do volume, entendemos que ele se recusa a ser o anjo da guarda de outras crianças, porque ele tem medo de perdê-las. Esta é a lição que Ângelo precisa aprender. No processo, vemos em cena um Anjinho raivoso, malcriado, respondão e insatisfeito com a natureza da vida (ou “os planos de Deus“, dependendo do ponto de vista do leitor). Por isso ele recebe um castigo e, no melhor estilo A Felicidade Não Se Compra, precisa cumprir uma determinada tarefa para conseguir suas asas (e sua auréola) de volta. O Criador coloca o personagem para viver entre os humanos, entender algumas coisas e agir de maneira amorosa, amigável e compreensiva em relação a elas. Afinal, estar em sociedade não é algo fácil, e um dos desafios é usar bem as oportunidades, tentar não dar muita atenção aos ignorantes e deixar sua marca no mundo.

A participação do Humberto aqui foi uma ótima sacada do autor, cuja narrativa é similar a de uma parábola, em geral simples, mas tematicamente profunda e convidativa à reflexão. Já a participação de Nico Demo me fez abrir o maior sorriso. Muitas pessoas podem não gostar do fato de ele ter conseguido salvar o Humberto do lago sem nenhum tipo de “malvadeza”; mas perceba que faz todo o sentido. Ele tira do Anjinho a possibilidade de fazer um ato heroico. Ele aparece do nada, ganha a corrida, salva o Humberto e é condecorado, mesmo que claramente não dê a mínima para isso. Embora não seja nada no limite, é bem a cara do Nico Demo, frustrar os planos de um anjo que precisava daquele salvamento para ganhar suas asas de volta, não é não? Numa arte que se aproxima da dinâmica estética do mangá e com as cores vivas de Kaji Pato, toda essa jornada fica ainda melhor — aliás, quero destacar os belíssimos quadros no céu, desde a impactante sequência de abertura, até o encontro com o Anjinho Kaká, no encerramento.

Além é uma história de aprendizado, descobertas e entendimento de alguns mistérios que só a vida pode nos dar. Em seu processo de maturidade, Anjinho percebe que sua missão é seguir em contato com os humanos. Que sua passagem pela Terra foi muito mais do que apenas uma semana de punição. E que aquilo que a vida é de verdade, mesmo em seus momentos de dor, nas perdas que traz e nas frustrações que nos apresenta, é um dos mistérios mais incríveis a que temos acesso. E que quanto mais nos empenhamos em encontrar as suas pequenas pérolas, percebemos que cada vez mais ela vale a pena.

Anjinho – Além – Brasil, maio de 2022
Graphic MSP #32

Roteiro: Max Andrade
Arte: Max Andrade
Cores: Kaji Pato
Editora: Panini Comics, Graphic MSP, Mauricio de Souza Editora
Páginas: 98

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