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Crítica | Annie Leibovitz – A Vida Através das Lentes

por Leonardo Campos
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Quem se lembra de Demi Moore nua, estilizada e grávida na capa de uma famosa revista? E a foto de John Lennon num momento de pura intimidade com Yoko Ono, sem roupa, horas antes de seu horripilante assassinato? E as famosas fotografias do ensaio de bastidores da narrativa pop de Maria Antonieta, de Sofia Coppola? Meryl Streep com a máscara facial. A lucidez de Mandela num retrato preto e branco. Whoopi Goldberg mergulhada na banheira de leite. Bette Midler coberta por rosas vermelhas. A ainda atual rainha da Inglaterra. George Clooney merecidamente desejado por diversas mulheres ao seu redor. Quem viveu a cultura visual das últimas décadas do século XX e sua propagação ainda hoje, na era da internet e das redes sociais, conhecem essas imagens. Talvez você não saiba de quem é, mas provavelmente conheça. Elas aparecem panorâmicas ao longo dos depoimentos e outros recursos narrativos do documentário Annie Leibovitz – A Vida Através das Lentes, produção que traça o perfil biográfico de uma artista que sempre acreditou no trabalho e na pesquisa, não no mito da genialidade. É o desmonte do mito da genialidade, muito comum no campo da teoria da arte.

Lançado separadamente em alguns circuitos em no formato DVD, mas que é parte integrante de uma série sobre artistas, na época em sua vigésima temporada. No desenvolvimento da narrativa, ela conta que Robert Frank e Cartier-Bresson foram grandes influências em sua trajetória, nomes que mudaram a maneira como as pessoas enxergavam as imagens por este suporte em transformação durante tantos períodos da fotógrafa que passou pelo Watergate, Vietnã, ascensão e queda de celebridades, momentos políticos de tensão e mudança de paradigmas, etc. Annie Leibovitz viveu muitas coisas, por um longo tempo, percurso de vida rico em memórias que foram devidamente transformadas em imagens. Considera uma cronista dos Estados Unidos por décadas, a fotógrafa registrou momentos de alegria e de tristeza, constantemente expostos na passagem entre um depoimento e outro. Ao moldar o estilo da Rolling Stones, revista onde esteve até 1983, antes de se fixar na Vanity Fair, Leibovitz tem a diversidade como palavra-chave para ilustrar a sua vida panorâmica.

Há profissionais quem cumprem bem a sua função, mas que conseguem ter outras instâncias em destaque, sem a dominância de um só ponto de vista. Para Annie Leibovitz, não houve duas vidas em sua trajetória. Ela foi fotógrafa, a mulher que observou a existência através das lentes. É assim que ela se define. É desta maneira que os entrevistados a definem. Todas as suas partes, mulher, filha, intelectual, irmã, dentre outras, estiveram conectadas com o “fazer” fotográfico, contemplado como pura arte para alguns, analisado como hibrido para outros. Entre o exclusivamente comercial e a vanguarda, a protagonista desta cinebiografia documental é apresentada pelo viés das imagens de bastidores de sessões com celebridades, bem como em seu lar e também no estúdio, além de algumas passagens no trânsito, sempre narrando algo, editado por Jed Parker e Kristen Huntley, responsáveis por montar o material de 78 minutos, conjunto de imagens conduzidas musicalmente pela discretíssima trilha de Gaili Schoen.

Sob a direção de Barbara Leibovitz, irmã da fotógrafa, os depoimentos de George Clooney, Hilary Clinton, Mick Jagger, Whoopi Goldberg, Bette Midler, Mikail Baryshnikov, Anna Wintour e a reservadíssima Yoko Ono, dentre tantos outros, mesclam-se com o de outras pessoas mais próximas de sua intimidade, tais como a sua mãe Marilyn Leibovitz, a contar histórias bem pessoais que nos ajudam a compreender o modo de operação artístico da fotógrafa, suas ambições, o impacto do relacionamento com a escritora e filósofa Susan Sontag, um dos grandes momentos de sua vida agitada, sempre ao lado de pessoas “importantes”. Para Arnold Schwarzenegger conta como é incrível a adaptação da profissional as circunstancias do momento de realização do trabalho. Esteve na renúncia de Nixon. Ela até mesmo fotografou momentos de piada, como um ensaio com a “família” Trump. Uma corajosa, não apenas por esse instante de respiração desagradável, mas também por ter contemplado o horror da guerra na ida para Saravejo, outro momento de mudança do olhar em sua vida.

A participação no registro de imagens que eram o contraponto de seu trabalho de glamour até então a fez se questionar sobre o que diriam dela ali. Se aquele era mesmo o seu lugar. O horror também modificou sua maneira de encarar a imagem. Numa situação assim, devastadora, você começa a rever prioridades, aponta a fotógrafa. No desfecho, o documentário onde a personalidade revela que seu trabalho é o maior relacionamento de sua vida, há uma dedicação para a sua mãe, seguida de cenas aliadas aos créditos, com mais depoimentos adicionais de quem já havia falado algumas boas palavras sobre o lado profissional excepcional de Anna Leibovitz, uma mulher que transformou o olhar público para o campo da fotografia ao longo de algumas décadas do século XX e ainda atuante, mesmo que com menor intensidade, nos anos 2000. Ademais, ela já deu contribuição suficiente. O que surgir por agora é bônus para os nossos olhos contemplativos. Num determinado ponto interessante, ela diz que a criatividade não é algo que surge do nada, mas que advém de muita pesquisa e aperfeiçoamento. Autora de mais de seis livros de fotografia, os seus depoimentos são lúcidos e expõe uma reflexão sobre o fazer artístico, bem como funcionam até mesmo como algo motivacional para novos artistas.

Annie Leibovitz – A Vida Através das Lentes (Annie Leibovitz: Life Through a Lens) — Estados Unidos, 2008
Direção: Barbara Leibovitz
Roteiro: Barbara Leibovitz
Elenco: Annie Leibovitz, Barbara Leibovitz, Yoko Ono, George Clooney, Hilary Clinton, Mick Jagger, Whoopi Goldberg, Bette Midler, Mikail Baryshnikov, Anna Wintour
Duração: 78 min.

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