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Crítica | Anos 90

por Gabriel Carvalho
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“Você só é a porra de uma criancinha.”

Jonah Hill, em sua estreia diretorial, tem uma missão muito objetiva: retratar um coming-of-age pautado nas frustrações de uma criança, que tenta se encontrar em meio a um mundo mais sério e maduro que ela. Enquanto o seu irmão mais velho, interpretado por Lucas Hedges, teve em sua infância uma versão da mãe deles bastante diferente, Stevie (Sunny Suljic), por sua vez, foi criado por uma mulher atenciosa e carinhosa. Mas o garoto, mesmo que a necessidade por se rebelar seja menor que a vontade por se rebelar, continua precisando enfrentar problemas no seu cotidiano, principalmente a raiva que seu irmão desfere contra ele, justamente na primeira cena de Anos 90. Existe toda uma amargura que Jonah Hill conduz com muita sensibilidade, sem precisar expor de modo óbvio os sentimentos do protagonista. Essa atmosfera tão negativa, tão inquietante, o encaminha a encontrar-se junto a um grupo de skatistas, unindo-se a eles e crescendo com eles.

Em meio a uma juventude urbana, um tanto pobre e revoltada dos anos 90, Hill margeia, primeiramente, emular com organicidade essa outra época. É a representação das emoções em jogo que moldaram uma geração, que pensou não pertencer a mais nada, perdida. Mas o cineasta, assim como conseguirá construir personagens cativantes e críveis, também é bem sucedido na retratação desse passado em questão. O diretor não precisa, no caso, se respaldar em nostalgias baratas, usando-as mais para romper com ícones consagrados. Quando as Tartarugas Ninja aparecem, por exemplo, em um pôster do quarto do protagonista, é para Stevie as trocar por revistas com teor mais adulto, exemplificando o seu anseio por crescer e amadurecer, ser parte de toda essa descrença coletiva. A roupagem que a razão de aspecto permite, próxima as de televisões tradicionais, contribui para a fomentação desse senso de época e passado, naturalizado.

O artista maneja perfeitamente a reconstrução de época, orgânica assim como a apresentação dos personagens. Os quatro garotos que Stevie conhece são bastante particulares e especiais, com características próprias que inclusive ressignificam os seus nomes. Ray (Na-Kel Smith), o mais importante do quarteto, é construído com uma relevante aura de mestre, maior aos demais. Pois, paralelamente a isso, os vislumbres preenchidos por reverência de Sunny Suljic a esse grupo, em ótima interpretação, são complementares ao objetivo que Anos 90 entende. Stevie anseia ser parte dessa tribo e conquistar respeito entre eles. O longa, consequentemente, quer concretizar a empatia do público por quando o garoto enfim conseguir tornar-se inexorável a aqueles quatro amigos, então cinco. E não sendo uma jornada maniqueísta, que concretiza confrontos que criam antagonistas, os personagens são movidos a ora aprenderem uns com os outros durante o enredo.

Existe na obra, por sinal, toda uma discussão, que ultrapassa consideravelmente o raso, sobre os destino desses personagens, a usarem – ou não – as suas rebeldias com propósito. Jonah Hill é novamente sugestivo em como pincela vários elementos cuidadosamente. Há muita inteligência no seu comando, como em uma cena que mostra os amigos de Stevie conversando com um personagem qualquer, aparentemente insignificante, mas que ajuda na concretização de um dos debates da obra: o skate como uma ferramenta transformadora de vidas. Fuckshit (Olan Prenatt), contrariando as ambições de Ray em ganhar sustento com o seu hobbie, vive a vida por viver, sem pensar em nada mais além. Anos 90 consegue, assim sendo, estabelecer com coerência a sua mensagem, auxiliando o personagem principal a repensar os porquês de suas revoltas. Stevie, no caso, começa a brigar furiosamente com a sua mãe, ser mais responsivo ao seu irmão tão violento.

Mas Anos 90 termina sendo uma obra pouco interessada em delinear os arcos dos personagens. Quando a revolta do menino começa a tornar-se muito mais gratuita que a busca natural e juvenil por encontrar-se, uma conversa com Ray o permite repensar certas coisas. O roteiro, contudo, termina retornando ao mesmo ponto, posteriormente tentando trazer uma conclusão de superação em conjunto e amor num mesmo grupo que soa apressada. Em contrapartida ao sucesso na apresentação de tantas questões, os termos dramáticos são sufocados por uma obra que nunca assume uma premissa mais encorpada. Entretanto a uma justificada dispensa por essa formalidade, o longa parece o tempo todo depender de uma. Renega-a, embora opte por forçar uma resolução mais conciliatória. O roteiro é um problema enorme nesse sentido, apesar de, pelo contrário a tal demérito, ser realmente composto por muitas virtudes e uma cativante sensibilidade.

O cineasta parece reter os reais propósitos de suas escolhas narrativas, enquanto poderia costurar tudo a uma estruturação narrativa. O personagem de Lucas Hedges é quem mais sofre. As cenas com o ator são compostas por camadas, apresentando outros olhares sobre esse garoto. Em um exemplo, Hedges agride o seu irmão e depois começa a chorar compulsivamente. Jonah Hill dá espaço para o ator exprimir as ambivalências de seus sentimentos. É muito ódio retido, muita raiva encapsulada. Já por conta de um confronto entre Stevie e um de seus amigos, que está no fraco terceiro ato, Hill nos apresenta a planos que mostram olhares suspeitos de Ruben (Gio Galicia) a Stevie. A maneira como o personagem sempre conversa sobre homossexualidade induz a uma orientação sexual enrustida em sua constante homofobia. Isso morre aí, sem qualquer comentário substancial sendo conduzido. Uma pena que Anos 90 termine parando no meio de suas trajetórias.

Anos 90 (Mid90s) – EUA, 2018
Direção: Jonah Hill
Roteiro: Jonah Hill
Elenco: Sunny Suljic, Katherine Waterston, Lucas Hedges, Na-Kel Smith, Olan Prenatt, Gio Galicia, Alexa Demie
Duração: 85 min.

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