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Crítica | Antes de Watchmen: Moloch

por Luiz Santiago
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NOTA: Foram incorporados a esta crítica alguns parágrafos escritos por mim e por Ritter Fan em 2013.

Série de apenas duas edições, Moloch caiu no colo de J. Michael Straczynski, que na época era o responsável por O Coruja e Dr. Manhattan, dois outros títulos do projeto Antes de Watchmen. Para desenhar, a editora trouxe o argentino Eduardo Risso, que trabalhou na longeva série 100 Balas da Vertigo, junto com Brian Azzarello. No departamento de arte, a série começou muito bem, com o traço semi-caricato de Risso pontuando e realçando o tormento da vida de Edgar Jacobi, o futuro Moloch, quando jovem. O menino, atormentado por sua aparência bizarra (parece um duende, com orelhas pontudas) é rejeitado pelos pais e massacrado por seus colegas de escola, especialmente uma menina que o trata com requintes de crueldade. Risso trabalha bem a distribuição dos quadros, criando uma dinâmica muito interessante que ele já havia utilizado em 100 Balas: os quadros são fluídos e sangram de um para o outro, reduzindo a repetição da estrutura. Em outras palavras, cada página tem uma distribuição diferente, que ajuda na integração e no entendimento da história, embora eu não seja o maior fã do estilo do artista.

Já o trabalho de Straczynski desaponta. É possível que a necessidade de correr com um roteiro tapa-buraco tenha sido a verdadeira razão para a criação de uma narrativa de origem tão óbvia, que funcionar mesmo, só funciona na segunda edição (e porque fazemos o exercício de inserção desses eventos no Universo futuro de Watchmen). Todavia, o que temos na maior parte da série é o padrão da indústria de quadrinhos: um vilão que se torna vilão por ser oprimido na infância. Quantas vezes já não vimos isso? Custava um trabalho mais elaborado, que trouxesse efetiva novidade à história de Moloch? Teria sido mais honesto se a vilania do personagem não tivesse explicação e fosse algo que nascera de seu âmago. Afinal de contas, o mal sem explicações é muito mais interessante e assustador do que o mal causado por traumas da juventude. Além disso, a caracterização de Moloch na obra original é a de um homem derrotado. Não um super-vilão derrotado, mas um bandido de décima quinta categoria que foi capturado inúmeras vezes pelos heróis.

Em nenhum momento Alan Moore deu a entender que Moloch fora mais do que um ladrãozinho menor que acaba sendo manipulado por Ozymandias. Ainda que tente mostrar isso, Straczynski acaba criando algo como “Os Grandiosos Atos de Moloch”, com direito a assassinatos frios ainda em sua adolescência e o comando total do submundo do crime, o que não combina de jeito nenhum com aquilo que vemos dele no final da história, tanto nesta minissérie, quanto em Watchmen. Em resumo, é como se estivéssemos lendo quadrinhos normais de super-heróis, com vilões exagerados que querem “dominar o mundo”. A nossa sorte é que na segunda edição, as coisas mudam para melhor e se alinham bem ao que deveria ser a essência do personagem, um vilão ordinário a quem é dado, em avançada idade, um senso de importância e sentido para a vida. Isso se torna ainda mais forte pelo caráter religioso que o autor explora, às vezes sendo piegas, às vezes acertando em cheio nos simbolismos e impacto que isso tem para Moloch, suas escolhas e crenças no fim da vida.

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Ao terminar a leitura da edição dois, um misto de admiração pela soberba inteligência de Adrian Veidt, junto a um estranho arroubo de fraternidade por Moloch tomam conta do leitor de coração mais amolecido, e isso porque Straczynski usou bem um recurso que ele deveria ter trazido na edição de abertura: a identificação orgânica com o estranho vilão e um tipo de enredo que mescla a ideia de carma às consequências exageradas ou injustas que a vida nos traz. Dessa forma, o encerramento da saga de Moloch se mostra bem mais eficaz que seu desenvolvimento.

A manipulação de Ozymandias é vista como um dos elementos principais aqui, mas a transformação de Moloch em um cristão burocrata é o que mais me chamou a atenção. As mágicas, as explicações do tipo “eu sou vilão porque…” ficaram na edição passada. O que temos na segunda edição é uma mudança de perspectiva para alguns acontecimentos familiares para nós que já lemos Watchmen, uma sequência que acrescenta muito à fase madura da vida de Edgar Jacobi, consequentemente, um acréscimo em sua psicologia e a explicação de alguns eventos não necessariamente óbvios na obra de Alan Moore. Esses eventos são pouco interessantes? Ninguém liga para eles? Isso vai de leitor para leitor. Eu, por exemplo, acabei gostando das coisas que apareceram nesta parte da saga.

Moloch tinha potencial para ser uma grande série. Infelizmente, Straczynski resolveu “usar mágica” para transformar o vilão em um rei do crime, e a promessa de algo grande, excitante, caiu por terra. No final, porém, Moloch caminha para a morte como uma ovelha manipulada para o matadouro, em uma das mais patéticas e sofríveis de todas as mortes no Universo Watchmen. A vida ordinária com um fim ordinário para o vilão; o mágico sofrido de orelhas pontudas colocado como mais uma peça no quadro de difamação do Dr. Manhattan. Pela primeira vez neste Universo, eu senti ódio de Ozymandias.

Before Watchmen: Moloch (EUA, janeiro e fevereiro de 2013)
No Brasil:
Panini, novembro de 2013
Roteiro: J. Michael Straczynski
Arte: Eduardo Risso
Arte-final: Eduardo Risso
Cores: Patricia Mulvihill
Letras: Clem Robins
Capas: Eduardo Risso
Editoria: Camilla Zhang, Mark Chiarello
60 páginas

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