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Crítica | Ao Entardecer

por Guilherme Rodrigues
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O cinema do diretor lituano Sharunas Bartas é um de imobilidade, silêncio, onde o conflito, seja ele militar ou social, está presente de modo quase fantasmagórico. Em A Casa, filme que dirigiu em 1997, os rostos perdidos dentro da mansão que ambienta o filme são predominantes, mas a narração inicial abre espaço para uma espécie de choque não especificado, algo confirmado pela presença, ao final do longa, de um exército chegando a mansão. O mesmo para O Corredor, de 1994,  onde pessoas vagam sem muito objetivo pelo espaço título, durante a independência da Lituânia da União Soviética.

Ao Entardecer, novo filme do cineasta, é definitivamente o trabalho mais acessível do diretor do que os longas citados previamente, abandonando o ar ensaístico daqueles para uma narrativa mais tradicional, mas ainda carregando suas marcas característica. A guerra, mesmo sendo mais direta dessa vez, ainda existe de de modo distante, com os personagens sendo afetados mais pelos ecos dela do que por ela própria, e claro, o rostos, assombrados, cansados, mas sempre distintos.

A produção, ambientada na terra natal do diretor, acompanha o jovem Ounté (Marius Povilas Elijas Martynenko), de 19 anos, durante a ocupação soviética do país. O jovem mora com seu pai adotivo Pliauga (Arvydas Dapsys), e os dois levam uma vida dura no campo, que fica ainda mais difícil devido a pressão soviética no território. Ounté reflete sobre a possibilidade de entrar para a resistência, mas estes parecem ser tão violentos quanto os soviéticos, em uma de suas caminhadas pelo território dilapidado, ele escuta os gritos horrorizados de uma mulher, que abraça um corpo ensanguentado e sem vida. “Ele era um traidor”, afirma alguém mais tarde para o adolescente, como se o olhar aterrorizado da esposa do morto pudesse ser retirado da memória por isso.

Mesmo se tratando de um dos conflitos mais importantes e reconhecidos do século XX, é interessante como Bartas mantém a grandiosidade da II Guerra bem distante da narrativa. Nomes marcantes do evento, como Churchill, Stalin e Truman são citados, mas não com reverência, ou desgosto, mas sim pessoas cuja a importância não afeta aquele espaço. Stalin é uma mera figura no jornal, o discurso de Truman sobre valores democráticos chega aos ouvidos de um guerrilheiro e chega a ser traduzido, mas para que propósito? O discurso grandioso de Churchill é menos que uma anedota em uma cena de jantar. Esses grandes momentos marcantes do evento pouco importa para os fazendeiros representados em Ao Entardecer, que só querem manter suas fazendas e resistir aos “patrióticos” pedidos do exército vermelho.

Como disse antes, rostos no cinema de Bartas são muitíssimo importantes, e é fascinante observar que cada face tem um peso muito próprio. Quase todos os diálogos são feitos em close up, e é difícil esquecer as características de cada um deles, mesmo dos personagens que nem fala direito tem, como o soldado barbudo de olhos fundos que marca o início e os momentos finais do filme. É curioso observar, por exemplo, que os soldados soviéticos já possuem faces pouco marcantes, como se, ao fazerem parte do exército, sua individualidade se perdesse.

E ainda há espaço para surpresas em Ao Entardecer, quando o diretor conhecido pela lentidão apresenta uma cena de ação, e eficaz até, se utilizando do distanciamento típico do seu estilo para dar o tom a brutalidade impessoal da cena. Os algozes estão distantes, não há exatamente uma luta. A II Guerra mundial pode até ter sido uma “guerra justa”, mas como Bartas faz questão de lembrar, mesmo as coisas justas podem ter um preço bem alto.

Ao Entardecer (In The Dusk – Lituânia, 2020)
Direção: Sharunas Bartas
Roteiro: Sharunas Bartas
Elenco: Arvydas Dapsys, Marius Povilas Elijas Martynenko, Alina Zaliukaite-Ramanauskiene, Salvijus Trepulis
Duração: 128 min.

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