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Crítica | Ao Mestre, Com Carinho 2

Complemento imperfeito.

por Fernando JG
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Peter Bogdanovich retira Sidney Poitier e seu Mestre Mark de suas respectivas aposentadorias para trazer à vida uma espécie de continuação que, pelo bem ou pelo mal, parece retificar determinadas falhas do enredo anterior. Recém saído de Londres, o personagem de Poitier encontra-se agora em Chicago para uma nova aventura, mas diferente de outros colegas de profissão, esse super-herói não ambiciona a melhor sala do colégio, a Turma A, mas a pior, a turma H, o “horror” dos professores. Embora com um roteiro estruturalmente idêntico ao anterior, mas com um enfoque maior no aspecto outdoor das ações e motivações do enredo, Ao Mestre, Com Carinho 2 revisita um mesmo argumento mas explora, a seu modo, outros problemas fundamentais para a estética fílmica que propõe, somando na mensagem do filme discussões pertinentes ao tema da formação. 

É um fato que o roteirista Philip Rosenberg e Mr. Bogdanovich assistiram e reassistiram à produção de James Clavell. Me parece que perceberam as falhas compositivas e então trabalharam em cima delas para darem continuidade ao projeto, de modo que os mesmos problemas apontados por mim no comentário que fiz a respeito do filme de James Clavell, Ao Mestre, Com Carinho, são notados pelo cineasta e contornados na sua obra. Veja que se um dia faltou ao filme anterior um maior aprofundamento em relação às questões raciais, pauta necessária e consequentemente um furo na estrutura do roteiro, aqui este problema está muito bem amparado numa leitura sofisticada a respeito da temática. O tema que lá era uma gota d’água no Oceano, aqui é o grande motivo de toda a construção narrativa. E ainda mais, se a ideia de personagem era diluída, aqui, os personagens têm vida própria, com espaço para breve desenvolvimento de algumas de suas tramas pessoais. 

Mais do que tudo, este é um filme de formação. Coming of age ou Bildungscinema, como queiram chamar este recorte narrativo que aprofunda um estudo sobre jovens em crescimento. O cineasta sabe lidar com a temática e parece fazer algo consistente quando analisa a juventude problemática em sua fase de amadurecimento. Aqui, ele explora além da pedagogia cívico-escolar, isto é, o cineasta caminha do indoor ao outdoor, filmando esses estudantes em momentos fora do colégio, o que “complexifica” a narrativa e traz uma determinada justificativa para suas atitudes indisciplinadas. Não basta só mostrar que são rebeldes, é preciso demonstrar as razões e de onde vem a rebeldia que provoca este modo reativo neles. Há uma boa visão dessa mise-en-scène externa e que é extremamente bem justificada. 

O roteiro e o argumento em si mobilizam mensagens já conhecidas, que se repetem quando analisada a estrutura geral do filme. Aliás, muitas coisas se repetem e este segundo filme parece funcionar mais como um episódio de uma série do que como um longa-metragem independente. No entanto, aposta em temáticas ousadas e explora sem medo o problema da violência e da criminalidade juvenil em bairros pobres, explicando a maneira como isso reflete em sala de aula. A fórmula do Mestre já se mostra batida, mas funciona: isto é, traz para o aprendizado dos alunos algo da realidade deles e os ensina com dados familiares, fazendo-os se interessarem minimamente. Toda a relação mestre-aluno ocorre por vezes sem o sentimentalismo que caracteriza o primeiro filme, que tem na canção To sir, with love a grande condutora dos afetos do público.

Há uma tentativa mais próxima de estudar o personagem, arriscando em investigar maiores detalhes da vida de Poitier, por exemplo. Desde o início, quando descobrimos o local onde mora, já temos pistas de que o foco na vida do Mestre será um tanto mais intimista do que a impessoalidade empregada na sua figura anteriormente. Não que isso seja relevante para a proposta do filme, de fato, não é, mas esses detalhes servem como forma de valor distintivo, para separar o filme 1 do filme 2. Essa escolha em largar a impessoalidade é uma opção viável, o que evidencia compromissos distintos estabelecidos por ambos os filmes, ainda que em todos os casos as questões levantadas sempre deságuem para a ideia da formação cívica, que é a chave de interpretação mais essencial. 

Através da perspectiva comparada, se nota que a obra de Mr. Bogdanovich não tem muito mais a oferecer quando confrontada com o pioneirismo temático da produção de James Clavell e precisa conviver com este fantasma, afinal, a ideia de uma continuação sempre pressupõe, antes, uma visão ‘comparativista‘ que julga, primeiro, a necessidade, depois, a qualidade da peça apresentada. O valor extremamente sentimental que canoniza Ao Mestre Com Carinho passa longe daqui, embora esta segunda parte retifique alguns problemas identificados previamente e traga um frescor maior através da atualidade do debate social, que precisava incluir, obrigatoriamente, o confronto étnico. Ao Mestre 2 complementa mas apenas muito pontualmente e me parece que terá sempre este valor, de complemento imperfeito.

Ao Mestre, Com Carinho 2 (To Sir, With Love 2, EUA, 1996)
Direção: Peter Bogdanovich
Roteiro: Philip Rosenberg
Elenco: Sidney Poitier, Christian Payton, Dana Eskelson, Fernando López, Casey Lluberes, Saundra Santiago, Daniel J. Travanti
Duração: 92 min.

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