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Crítica | Apresentando os Ricardos

A dupla vida de Lucille Ball.

por Fernando JG
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Nicole Kidman interpreta uma Lucille Ball que atravessa a semana mais difícil de sua carreira. Acusada de ser simpatizante do Partido Comunista, perdendo papéis importantes no cinema, sendo pressionada pela audiência, precisando concluir uma parte do roteiro de I Love Lucy com o risco de ser detonada pelos maiores jornais que a cobrem e de ter baixa receptividade do público, Lucille, a atriz mais celebrada do Sitcom estadunidense, tenta transformar água em vinho numa semana complicada, até desconfiar que, para a cereja do seu bolo, seu marido, Desi (Javier Bardem) a está traindo. Com sua carreira ameaçada e seu casamento em ruínas, Lucy precisa enfim utilizar de sua máscara como comediante e driblar os problemas, pelo menos, até o fim das gravações. 

Distribuído pela Amazon, dirigido e roteirizado por Aaron Sorkin (A Rede Social, Os 7 de Chicago), o filme inicia com um dado muito poderoso, mas estrategicamente colocado ali numa intenção retórica de nos prender a atenção. Se os programas mais notáveis da TV norte-americana batem a marca de 15 a 20 milhões de espectadores, Lucy bate nada mais nada menos que 60 milhões. Ora, esta é uma informação que não é colocada à toa mas que intenciona convidar-nos para o espetáculo que é a personagem que será apresentada nos minutos seguintes, gerando expectativa e anseio pela narrativa que nos espera. 

Aos poucos, abre-se uma metaficção – ou metanarrativa – cuja base fílmica pauta-se numa estrutura documental, com relatos de produtores a respeito da carreira de Lucy. São interessantes as cenas em que a reunião para a leitura do roteiro misturam-se com as cenas do roteiro sendo atuado na série, como num espelhamento, numa montagem ótima. Ponto positivo para a direção e principalmente para Nicole Kidman, que é impecável em distintas cenas com a mesma fala, chegando a nos confundir se é a personagem Lucy ou Lucille, a atriz. Os aspectos metaficcionais funcionam e não posso dizer o contrário e me parece muito bem-vinda a mescla narrativa entre as inúmeras vida desta mulher, que nos embaralha positivamente entre ser a Lucy das telas, a atriz por de trás do personagem ou a mulher real casada com Desi e grávida de seu segundo filho. Nicole Kidman entrega uma atuação soberba.

Hipnotizante, segura, categórica e persuasiva, Nicole Kidman tem uma atuação que, para o gênero cinematográfico a que se propõe a trabalhar – uma comédia-dramática de cunho autobiográfico – beira a impecabilidade, numa postura quase perfeita, dramaticamente convincente e primorosamente elegante. Em estética, Kidman faz uma Lucille Ball para ninguém botar defeito. São esplêndidas as cenas em que ela apenas fuma um cigarro com sofisticação, ou quando é decisiva em falas contundentes ou mesmo quando cinicamente lança olhares fulminantes dos quais estão presentes expressões sentimentais muito mais poderosas do que qualquer fala. Nicole salva o roteiro capenga de Aaron Sorkin

Aos poucos, o filme vai se aproximando de uma atmosfera meio Birdman no tom narrativo, com a ficcionalização da ficção, e nas escolhas da trilha sonora, com aquele típico toque de programa de TV, como há no filme mencionado de Alejandro González Iñárritu. O que parece complexidade cinematográfica é, na verdade, uma estrutura que esconde a fragilidade de um roteiro que não sabe o que quer de sua história e que mina aos poucos não apenas Lucy enquanto personagem, mas Kidman e Javier Bardem como atores, que salvam-se por meio do entrosamento que têm um com o outro. 

É engraçado o fato de que na trama a personagem de Kidman está constantemente criticando os problemas de roteiro de I Love Lucy, propondo outros pontos, dizendo o que precisa ser melhor trabalhado. Seria irônico uma vez que não fosse também trágico. Não decide-se, porém, o filme, se quer focar num drama da vida pessoal de Lucy, numa comédia autobiográfica, nos seus problemas de carreira ou nas polêmicas políticas que surgem ao seu redor enquanto tenta regravar a sua série. O roteiro de Sorkin não foca em absolutamente nada e por isso não desenvolve plenamente o seu ambicioso projeto de trazer de volta uma personagem icônica como Lucille Ball. 

O cineasta perde-se nas instabilidades narrativas criadas por ele mesmo e nas indefinições do enredo, que parece por vezes uma salada de frutas, misturando tudo o que é relevante em nível biográfico. No entanto, tudo aquilo que é interessante na biografia não cabe, se não for bem trabalhado, dentro de duas horas de um longa-metragem. Era necessário foco num ponto específico e depois, para concluir a multiplicidade que ele quis conferir ao seu filme, abrir pequenas vias que expusessem outros problemas da vida de Lucy, mas nunca como problemas centrais, porque aí você perde a linha narrativa. Um filme não pode se ocupar de tudo, mas de uma coisa só, o resto precisa ser adjacente, não importa o quão importante seja este resto. Assim, como o faz, lidando com todas essas questões como motor de enredo, não. O filme perde em unidade ao extrapolar num excesso de informações mal trabalhadas. 

Being the Ricardos não é conclusivo, mas inconclusivo. Salva-se por uma atuação soberana de Nicole Kidman que é a responsável por entregar tudo o que de bom o filme tem. O cineasta, ao querer tudo, acaba finalizando uma coisa próxima ao nada nos aspectos da narração fílmica. Falta ao seu método um maior apego à forma e uma maior rigorosidade quanto à escolha temática, de modo que invenção dos temas necessitava, em Being the Ricardos, estar ligada à uma disposição uniforme dos fatos biográficos colhidos, o que não ocorre, logo, a película peca na estruturação de um todo coeso. Sendo assim, há aí um vazio evidente da ordem de um excesso, afinal, a gente sabe que toda sobra não converte-se em soma, mas em falta e nulidade.

Apresentando os Ricardos (Being The Ricardos, EUA, 2021)
Direção: Aaron Sorkin
Roteiro: Aaron Sorkin
Elenco: Nicole Kidman, Javier Bardem, J. K. Simmons, Nina Arianda, Tony Hale, Alia Shawkat, Jake Lacy, Clark Gregg
Duração: 132 min. 

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