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Crítica | Aquaman (Com Spoilers)

por Ritter Fan
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  • Leiam, aqui, a crítica sem spoilers.

Independente de qualquer outra consideração sobre a inegável bagunça que é o planejamento da Warner/DC sobre seu universo cinematográfico compartilhado de super-heróis, é perfeitamente possível distinguir o potencial de cada um dos filmes lançados até agora, de O Homem de Aço até Liga da Justiça, até mesmo levando em consideração o assustador Esquadrão Suicida. Há sempre boas ideias pontilhadas aqui e ali que, por razões maiores do que a vontade dos diretores e roteiristas contratados para cada empreitada, nunca se realizaram em sua plenitude.

Uma dessas boas ideias foi nadar contra a maré do conhecimento do público em geral sobre o Aquaman – mais conhecido como “aquele cara loiro que usa roupa laranja, fala com peixes e cavalga um cavalo marinho rosa” – e invocar suas versões mais heavy metal, da fase barbuda sem mão ou da Terra-3, podem escolher, emprestando um ar de guerreiro aquático para o personagem e afastando o lado mais infantil normalmente associado a ele por quem nunca leu os quadrinhos. Outra boa ideia foi escalar Khal Drogo, digo Jason Momoa para o papel, não porque ele é um bom ator, pois não é e você está errado em achar que é (he, he, he…), mas sim porque ele é exatamente o que se espera dele, um brutamontes simpático que parece estar constantemente de bem com a vida. Juntando-se as peças, tem-se um Conan aquático da mais alta categoria, já que o Conan terrestre dele foi para lá de horrível.

Mas, melhor ainda do que essas duas ótimas ideias, foi reverter Aquaman, em seu primeiro filme solo, ao tom camp/brega das versões mais simplistas dele dos quadrinhos e, claro, dos desenhos animados que mantêm-se firme no imaginário popular. E tudo isso inteligentemente, sem trair a natureza do personagem apresentado em Liga da Justiça, ou seja, com a história criada por James Wan, Geoff Johns (este responsável pelo Aquaman auto-consciente das brincadeiras que fazem com ele que vimos no Novos 52) e Will Beall fazendo leves correções de curso ao longo da narrativa até que o Aquaman clássico, fardado de laranja e verde e que comanda peixes, finalmente aparece no final. Sai aquele lado sombrio do Universo Cinematográfico DC (eu chamo assim, não tem jeito, até porque DCEU nem nome oficial é) imaginado originalmente por Zack Snyder, já clareado em Mulher-Maravilha e Liga da Justiça, e entra de vez a linguagem clássica dos quadrinhos em uma renderização visual deslumbrante desse universo subaquático.

Feita essa introdução, que tal agora mergulhar na crítica spoilerenta propriamente dita?

Uma Origem Fluida

Apesar dos eventos principais de Aquaman se passarem pós-Liga da Justiça, como a citação ao Lobo da Estepe e ao início do lado super-heroístico de Arthur Curry (Momoa), o longa é, substancialmente, um filme de origem não linear, mas razoavelmente bem estruturado. Começando no farol de Tom Curry (Temuera Morrison, escalação inspirada) em 1985 durante uma tempestade, vemos como o futuro pai do Peixoso conhece Atlanna (Nicole Kidman), rainha de Atlântida, com uma narração em off talvez detalhada e didática demais do próprio Arthur.

Esse passado do protagonista nunca é deixado completamente de lado, com flashbacks para outros momentos marcantes, como a primeira vez que ele conversa com peixes ou partes de seu treinamento com Vulko (Willem Dafoe), o que serve para dar estofo épico à história. Ao mesmo tempo, porém, essas quebras da progressão narrativa nem sempre funcionam e tiram um pouco de sua fluidez sem um “retorno do investimento” muito claro, além do óbvio espelhamento das ações entre passado e presente, como o “truque” do tridente giratório.

Felizmente, porém, o roteiro, co-escrito por Wan e David Leslie Johnson-McGoldrick, também usa esse começo para nos apresentar à origem do Arraia Negra, o mais icônico vilão do Aquaman nos quadrinhos. Vemos a versão mais recente da origem do personagem ser usada aqui, com Arthur sendo responsável pela morte do pai do futuro vilão (Yahya Abdul-Mateen II) que, ato contínuo, jura vingança, claro. Não que David Hyde já não fosse vilão quando ele primeiro encontra com Aquaman, mas sua imagem “cuspida e escarrada” das HQs vem somente a partir de sua sede pelo sangue da realeza atlante. Mesmo ficando em segundo plano, já que o grande vilão da fita é o meio-irmão de Arthur, o Rei Orm (Patrick Wilson), Arraia Negra não é só um enfeite e não fica relegado à introdução no submarino russo. Ao contrário, ele ganha sentido dentro da trama e evolui na linha do que se espera de um personagem desses, com direito a ser o foco da cena pós-crédito que parece estabelecê-lo como o grande vilão de eventual continuação.

Mas há, sem sombra de dúvidas, muita explicação ao longo do filme. São intermináveis diálogos – inclusive nos flashbacks – que param a história para explicar a importância disso ou daquilo, como Atlântida foi criada, quem é o mítico Rei Atlan (Graham McTavish) e, claro, porque afinal de contas Arthur Curry precisa se descabelar para correr atrás do MacGuffin padrão, o tal garfo dourado avantajado do finado primeiro rei do fundo do mar. Pergunto-me se os detalhes sobre a mitologia de Atlântida eram realmente necessários para permitir a evolução da história, já que ela é intuitiva, simples e sem enrolações. O peso da ancestralidade de Arthur Curry é, para mim, inconsequente para a narrativa que se apresenta, algo muito diferente, por exemplo, do que vemos em Pantera Negra, filme com que Aquaman, coincidentemente, compartilha sua linha-mestra, inclusive com o segundo combate real super-heroístico pela coroa de um reino mítico que é ilegalmente interrompido justamente quando o “mocinho” está para ser derrotado (Orm e Killmonger deviam se unir para exigir seus direitos!).

Água e Óleo

Se Jason Momoa se basta com seu ar bonachão e sua mais completa naturalidade na pele de um troglodita (escrevo com carinho, vejam bem), o mesmo não pode ser dito de seu par submarino. A lindíssima Amber Heard, usando uma exageradamente ruiva cabeleira (melhor somente do que da assustadora peruca de Medusa, em Inumanos), é o incômodo em pessoa em seu papel de princesa Mera, prestes a se casar com o Rei Orm, mas que trama com Vulko o retorno do filho pródigo de Atlântida para impedir que uma guerra contra a superfície seja deflagrada.

Tudo bem que a moça nunca mostrou de verdade sua latitude dramática em trabalhos anteriores, mas, aqui, ela parece intimidada, escondida debaixo de seu figurino verde, o que automaticamente impede que ela e Momoa estabeleçam a desejada química, apesar dos esforços mútuos. Tudo entre eles parece artificial, fora de lugar e estranho.

Em termos comparativos, o relacionamento que vemos em velocidade meteórica entre Tom e Atlanna, apesar da maquiagem em CGI de Kidman, funciona muito mais eficientemente, sem que eles pareçam estar fazendo esforço para estabelecerem conexão. Se Momoa compensa um pouco o problema com sua expansividade, essa sua mesma característica só deixa evidente o quão deslocada Heard parece estar.

Indiana Jones Marinho

De forma a verdadeiramente abraçar o tom aventuresco que James Wan desejou imprimir ao filme, o diretor inspirou-se em uma das melhores fontes possíveis em suas próprias palavras: Indiana Jones. Como não reconhecer na busca pelo tridente de Atlan todos os traços das aventuras arqueológicas e místicas do Dr. Jones? Da dupla improvável, passando pelo protagonista durão, mas sensível e do interesse romântico sidekick, passando por ruínas e artefatos misteriosos e continuando com aquele encadeamento clássico de pistas que levam a pistas que levam a pistas, tudo o que acontece do lado Arthur Curry/Mera da narrativa é terreno extremamente familiar para os espectadores.

E não interpretem minha afirmação como algo negativo. Ao contrário, a familiaridade, aqui, é positiva, sendo que eu até senti falta da “viagem por mapa” que poderia ter dado as caras algumas vezes na estrutura trotamundos que o filme adota mais ou menos a partir do combate real roubado entre Orm e Arthur. Por outro lado, o roteiro, nesse aspecto, não tem a qualidade do que vemos na Trilogia Indiana Jones. Se muito, está mais para A Lenda do Tesouro Perdido, o que também não é um grande demérito. O texto do filme joga seguro, sem grandes arroubos criativos e só realmente arrisca na pancadaria jamesbondiana nos telhados de uma cidadezinha na Sicília (deu dó ver aquela destruição toda…) em que nossos heróis enfrentam o Arraia Negra, agora com direito à armadura clássica e uma guarda real muito da incompetente.

No mar, a escuridão do encontro da dupla com os monstros do Fosso é compensada por uma linda sequência em que Arthur e Mera, juntos e empunhando uma tocha sinalizadora, abrem espaço pelo “cardume” sinistro, chegando ao que parece ser o mundo do centro da Terra de Jules Verne onde encontram Atlanna viva, para a surpresa de absolutamente ninguém. Apesar da artificialidade plástica e da desnecessidade narrativa desse mundo paradisíaco cheio de dinossauros onde a náufraga viveu por 20 anos, o encontro de Arthur com Julie Andrews (escalação zoeira essa, não?), que faz a voz de Karathen, aquele final boss que protege o tridente, é uma ótima maneira de se utilizar o mais famoso poder do personagem – “a conversa com peixes” – de maneira significativa dentro da história depois da brincadeira do Pinóquio e a baleia.

Star Wars Submarino

Outra fonte de inspiração de Wan foi Star Wars, também fruto da mente prolífica de George Lucas. Mas aqui vale um parênteses importante: quando meu cérebro conectou a franquia que se passa em uma galáxia distante com o fundo do mar, imagens horrendas passaram em flashes pela minha mente. Tudo o que via era Jar Jar Binks levando Qui-Gon e Obi-Wan para a cidade subaquática dos Gungans naquele lixo radioativo do Episódio I. Tive que me forçar a sair desse transe para continuar apreciando os estratagemas do Rei Orm para tornar-se o Mestre dos Oceanos e atacar a superfície.

Claro que ajudou muito o fato de seu braço direito ser o Duende Verde e seu primeiro aliado real ser ninguém menso do que Ivan Drago, o Rei Nereus, vivido por Dolph Lundgren. Essa trinca improvável, por incrível que pareça, funcionou bem melhor do que a conexão inexistente entre Arthur e Mera (ok, chega de implicar com isso…) e colocou em movimento toda a ação paralela à dos caçadores do tridente perdido. Aqui, o design de produção e a direção de arte chutaram o balde completamente e entraram em overdrive criativo, bebendo mais e mais dos quadrinhos ao recriar, diante de nossos olhos, os reinos dos Sete Mares de maneira extravagante e exagerada, mas deslumbrante, como uma escola de samba submarina sob o efeito de doses maciças de esteroides.

São animais inventados misturados com animais retirados da fauna existe com muita tecnologia variada e característica de cada reino em sequências que vão sendo engrandecidas a cada vez que as lentes de Wan voltam para esse lado da história até chegar na ambiciosa guerra campal final nos arredores do quarto reino necessário para que Orm torne-se o Mestre dos Magos (ou, talvez, dos Oceanos, já não me lembro bem), com a chegada triunfal de Aquaman já em sua forma final. Mesmo que tudo seja muito bonito de se observar e a ação ser bem trabalhada o suficiente para evitar cortes de milissegundos michaelbayanos, com uma montagem muito boa de Kirk M. Morri, a grande verdade é que a coisa cansa.

Quando o longa chega em sua pancadaria final, o espectador já foi bombardeado por toda a estroboscopia multicolorida que a fotografia de Don Burgess podia nos oferecer e, quem tiver sobrevivido aos ataques epilépticos, terá ainda que lidar com um “onde está Wally” de criaturas, submarinos, armas e a pia da cozinha que deixará qualquer um mais com vontade de que o fim chegue logo do que de queixo caído. Se a escala da batalha é bem-vinda e muito bem coreografada e renderizada em CGI, ela vem depois de dezenas de acontecimentos, o que me faz reverter diretamente aos comentários iniciais sobre as intermináveis explicações didáticas e aos flashbacks que pontilham sobretudo o primeiro terço da projeção. Sem eles – ou com uma versão mais recatada deles – o final poderia ser mais impactante por chegar mais rapidamente, sem que se perca a cadência.

A grande verdade é que a equipe criativa parece ter mesmo querido mostra o máximo possível aqui, cobrindo todas as bases da mitologia do personagem para deixar gregos e troianos felizes. E, em grande parte, o trabalho é eficiente mesmo que muitos personagens tenham que ser sacrificados ao ganhar não mais do que breves segundos de participação, tendo o mesmo tempo de vida que os brinquedos que vêm dentro do Kinder Ovo.

Liquidando a Fatura

Mesmo sabendo manejar muito bem os poderes de Aquaman, ao mesmo tempo brincando com eles e os levando a sério, além de, ainda que com problemas, martelar o máximo possível da mitologia do personagem, a obra de James Wan comete outros pecados além dos que já mencionei.

O primeiro deles é o timing cômico. Tudo o que depende da mera presença física de Momoa tende a funcionar, com especial destaque para a bobagem hilária daquela sequência no bar, com o sujeito durão de celular rosa querendo tirar selfie com o Aquaman. No entanto, tudo que é externo a Momoa, ou seja, tudo que é entregue para ele falar não funciona também e cai naqueles segundos de silêncio depois que um amigo nos conta aquela piadinha sem graça. Não é nada mortal, mas o roteiro poderia ter tido o cuidado de deixar a coisa fluir naturalmente apenas com a fisicalidade de Momoa ocupando o espaço desses pretensos momentos cômicos.

Dentro ainda do timing cômico – pois espero que tenha sido uma tentativa fracassada de comicidade – a estrutura de “momento silencioso” sendo interrompido por alguma explosão, algo repetido exaustivamente ao longo do filme chega a ser ridícula. Como disse, Wan é um diretor melhor do que isso para essa fórmula ser inadvertida, mas o problema é que, por sua repetição, ela chama atenção para si mesma e se torna uma distração apenas.

Outro aspecto negativo é a trilha sonora de Rupert Gregson-Williams, o mesmo de Mulher-Maravilha. Se lá ele conseguiu algo minimamente razoável, em Aquaman ele faz o que há de mais genérico. Não há uma nota memorável, não há um leit motif relacionável. O que há é som de fundo que a sincronização comandada por Wan volta e meia coloca no volume 11 para artificialmente emprestar aquele efeito de grandiosidade. Tudo bem que, no agregado, os filmes recentes de super-heróis não tenham trazido trilhas que sequer resvalem na qualidade da de Superman – O Filme (nem as do venerado Hans Zimmer), mas o compositor poderia pelo menos ter criado um “tema do Aquaman” que se destacasse.

As Águas Passadas

A Warner/DC errou muito ao tentar correr atrás do Universo Cinematográfico Marvel sem um planejamento cuidadoso, essa é a grande e dolorosa verdade. Mas filmes como Mulher-Maravilha e, agora, Aquaman, reacendem a chama de que essa estratégia possa ter sobrevida e que possa finalmente se encontrar de verdade, fazendo com que a produtora reverte a seus medalhões mais uma vez.

Será uma pena se tudo o que foi estabelecido até aqui for apagado em prol de filmes “soltos” ou de mergulhos em propriedades mais obscuras antes que no mínimo Superman e Batman encontrem seus respectivos rumos. Aquaman não é a obra-prima que poderia ser, mas mostra que mesmo um personagem conceitualmente difícil de se colocar nas telonas em razão de seus poderes pode dar muito certo se a produtora parar com os mandos e desmandos de bastidores e encarar esse mar revolto com coragem e ousadia.

Se o antigo loiro aquatelepata que cavalgava cavalos marinhos rosas e que era zoado por todo mundo pode ganhar uma versão cinematográfica digna, então simplesmente não pode ser difícil fazer o mesmo com os demais super-amigos. Fica a torcida para que Aquaman lave a alma da Warner/DC e traga um turbilhão criativo que reviva o Universo Cinematográfico DC de uma vez.

Aquaman (Idem, EUA/Austrália – 2018)
Direção: James Wan
Roteiro: David Leslie Johnson-McGoldrick, Will Beall (baseado em história de James Wan, Geoff Johns e Will Beall)
Elenco: Jason Momoa, Amber Heard, Willem Dafoe, Patrick Wilson, Nicole Kidman, Dolph Lundgren, Yahya Abdul-Mateen II, Temuera Morrison, Ludi Lin, Graham McTavish, Julie Andrews, Djimon Hounsou, Natalia Safran, Michael Beach, Randall Park, Leigh Whannell, Patrick Cox
Duração: 143 min.

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