Home FilmesCríticas Crítica | Aquaman (Sem Spoilers)

Crítica | Aquaman (Sem Spoilers)

por Gabriel Carvalho
680 views

  • Leiam, aqui, a crítica com spoilers.

“Eu não sou líder algum. Eu vim porque eu não tenho escolha. Eu vim para salvar minha casa e as pessoas que eu amo.”

Como os entusiastas do Universo Expandido da DC Comics, cinematográfica ambição da produtora de quadrinhos, mas originada em mares não tão competentes quanto os que rodearam e ainda rodeiam a distinta concorrência, perceberão Aquaman, complicada aposta da empresa para mascarar os equívocos do passado, dentre aqueles mais consensuais e aqueles mais polêmicos? O eufórico sentimento percebido é certamente uma qualidade compreensível a essa obra de ação e fantasia, porque o projeto ganha uma identidade particular, que propicia uma empolgação com origem no charme inexorável do longa-metragem, comandado pelas mãos do prestigiado James Wan, responsável pela origem não apenas de uma, mas de três franquias milionários do cinema de horror: Jogos Mortais, Sobrenatural e Invocação do Mal. Aquaman é um peixe mais espetacular do que gostoso por dentro, uma obra a ser vista e revista em seu estado menos profundo, dado o domínio de cena que propicia sequências de ação com mais qualidade que qualquer outra existente nesse universo, uma compreensão estética extraordinária, além da carismática “canastrice” inerente ao seu protagonista, Jason Momoa, compartilhando-a com o seu filme.

A questão é que Aquaman, em primeira instância, não possui a proposta de ser uma obra descerebrada, muito pelo contrário, insistindo em uma descrição de épico que poderia realmente dar margem a uma narrativa mais desenvolvida, com meandros que não subestimassem o espectador, como acontece no desenrolar das arquitetações de guerra promovidas pelo Mestre do Oceano (Patrick Wilson), antagonista majoritário da obra. O personagem, meio-irmão do protagonista, porém, com sangue real, enquanto Arthur Curry é um mestiço que une dois mundos como uma só ideia, quer conseguir o controle de todos os reinos marinhos e proclamar guerra contra a superfície, um anseio ganancioso e supremacista que, diante da execução narrativa, sempre percorre as correntezas mais simplistas possíveis. Uma ideia, portanto, que permitiria a Aquaman designar-se, paralelamente aos outros muitos escopos que carrega, um filme igualmente de guerra. O roteiro, contudo, principia a simplicidade como carga para o nado de quase duas horas e meia, uma duração muito grande para uma obra com nenhuma complexidade narrativa, simples objetivos no contar de histórias que são conquistados das maneiras mais simples possíveis. Os objetivos e os resultados são confrontantes. O que o espectador absorve?

O protagonista, em um contexto particular, mas também contribuinte desse conturbado relacionamento entre a estética e o conteúdo do longa-metragem, precisa se provar como legítimo rei ao trono de Atlântida. Como aponta Vulko (Willem Dafoe), o personagem deve conquistar os atlantes, coisa que o roteiro, no entanto, aparentemente se esquece de concluir, optando pelo espetáculo ao invés da sensibilidade. Como se importar pelos atlantes quando os próprios humanos, como um grupo, são mais enfocados, com a cena que se passa no continente europeu, em que o interesse amoroso do protagonista interage com uma criança e mostra se envolver com coisas além de sua própria nação, justamente o princípio argumentativo da origem desse rei, a comunicação não apenas com peixes, igualmente com atlantes? Uma premissa que poderia mostrar-se poderosa para essa jornada, não apenas uma rasa justificativa para a ação desenrolar-se. O relacionamento de Aquaman com o seu povo não é o único completamente insensível. Os relacionamentos todos do longa são um pouco escanteados demais, como a rivalidade do Arraia Negra (Yahya Abdul-Mateen II) com o super-herói do título, partindo de uma visão promissora, sobre deveres e virtudes, contrastados com a vingança, que não é continuada dramaticamente.

Arthur Curry, como aponta constantemente Mera (Amber Heard) – um relacionamento que funciona muito mais por não funcionar de verdade, devido o comportamento de Jason Momoa em cena – é a união de dois mundos que deveriam supostamente permanecer separados. As primeiras cenas do longa-metragem – que criam uma antecipação maravilhosa para o espetáculo – abrem o jogo para o espectador sobre o desenvolvimento de personagem que será aparentemente comandado, entretanto, as duas horas seguintes não investem num real amadurecimento do Aquaman, acabando por ser um meta-humano meramente movido pelas causas e consequências do que acontece ao seu redor, tudo de uma maneira muito ordinária e pouco sensível, sem nenhuma subversão dessa passividade inicial. Os poderes que importam são poderes já existentes, não poderes adquiridos. O embate entre a superfície e o mar, ademais, morre na praia. As grandes batalhas, visualmente impressionantes, são oriundas de exércitos que o espectador não se importa, em que a carga é apenas superficial, sem um profundo apelo pelas coisas que estão em jogo. A montagem investida, mesmo assim, permite a esse cinema um prosseguimento mais fluido, em paralelo a euforia gráfica e auditiva existente nas cenas de ação. A vistosidade sempre existe.

Jason Momoa é um artista com considerável limitação dramática, o que é incrivelmente suficiente para o personagem, porque, caso um intérprete com maior gabarito estivesse expressando as falas que o ator expressa, dado um roteiro um pouco genérico, que não consegue contar uma familiar, mas decente história, de maneira competente, sem precisar recorrer a exposições toscas, o resultado, enfim, seria muito pior. O carisma demonstrado pelo artista empolga o público de uma maneira superficial, porém, ainda assim verdadeira, o que não é suficiente para resguardar a obra de um excesso de cafonice e piadas ruins sendo mal feitas, características que, mesmo assim, conseguem funcionar dentro de um ator que promete e cumpre a sua vertente canastra de uma maneira simpática. Wan compreende o que está criando – entretanto, não desenvolvendo – com o seu protagonista, podendo ser percebidos, por exemplo, os maneirismos empregados na apresentação do super-herói nesse filme, com um excesso de câmera lenta, olhares profundos e frases de efeito. A preocupação com o visual – ângulos que vão se ajustando aos embates – consegue capturar esse estiloso vulgarismo quando intencionado, já quando uma seriedade é solicitada, o que acontece é uma manipulação, cafona no processo, de sentimentos.

Aquaman, nessa sua vertente menos ambiciosa, é uma obra muito auto-consciente do símbolo desejado, até mesmo porque o conceito do personagem parte de uma reconstrução de imagem – o passado condenava o homem das águas – que não pode ser séria demais, o que romperia demasiadamente com os absurdismos das eras douradas dos quadrinhos e da televisão, onde Arthur Curry era mais um super-amigo do que um super-herói. As origens do projeto, em contrapartida, também não poderiam nascer de um surrealismo completamente idêntico aos pretextos originais, o que daria margem a um universo muito mais tosco criativamente do que encantador. James Wan consegue com que o seu público encare o Aquaman de uma maneira que não seja jocosa, mesmo que também não seja enormemente respeitosa, apenas um amigo para se embriagar junto – uma das melhores cenas do filme parte desse pensamento. O seu longa-metragem, em consequência, é de uma nulidade de sentimentos tão forte quanto é de um poderio de entretenimento monstruoso, qualidade que está dentro das intenções, mas que não é a intenção por si só, desqualificando o projeto em demais sentidos. Uma obra que embriaga o público integralmente, contudo, não consegue matar a sua sede por um excelente épico subaquático.

A empolgação do espectador, portanto, consegue sustentar a obra cinematográfica de um modo interessante, porque Aquaman não precisaria, teoricamente, se ancorar em certos valores narrativos desnecessários caso não houvesse essa necessidade. As constantes exposições, em diálogos extremamente burocráticos, acabam, contudo, ansiando por um encorpamento que James Wan não consegue se desvincular completamente. A obra nunca procura a trivialidade. Aquaman também contém elementos narrativos, muitas temáticas já consolidadas no cinema, que são derivativas de várias coisas já absorvidas em outros longas, obras que conseguiram até mesmo concentrar suas atenções em cada uma delas de maneira mais coerente: o irmão que quer ser rei, o amor entre um ser do mar e um ser da terra, entre outras coisas. O Rei Leão e A Pequena Sereia, apenas para casos de animações, possuem resoluções em termos de discurso e de execução mais bem resolvidas. Já Pantera Negra, distribuído no mesmo ano, em oposição, conseguiu dar margem a uma crença do espectador não apenas no super-herói como o único rei possível, mas também um rei necessário, um rei que adentra uma jornada de descobrimento de valores que, nesse caso daqui, transformariam o Aquaman também em um herói de verdade.

Um longa-metragem, então, que parte de uma composição imagética muito intensa, com cores que mesclam um realismo mais sóbrio com um contexto extremamente fantasioso, mas sem vergonha de, nesse processo, se assumir como uma verdadeira adaptação de quadrinhos, que deslumbra o espectador sensorialmente, movimentando um senso de atmosfera poderoso, em decorrência, por exemplo, de como os mares são transpostos graficamente para o público, como o som se comporta diante de interações subaquáticas. O passado no horror do cineasta também contribui para momentos assombrosos, não apenas mediante a sustos corriqueiros, como especialmente a partir de composições de planos que são parte do espetáculo como também são parte do pavor – uma cena, com monstros nadando atrás dos heróis, exemplifica isso perfeitamente. A obra, no entanto, nunca é concretizada em relação a narrativa. James Wan não se interessa em explorar culturalmente o mundo criado, ou seja, um povo cheio de costumes e peculiaridades. Os cenários são ricos, a arquitetura possui uma identidade, mas esses são conceitos provenientes de uma equipe de criação de visuais competente, não de um roteiro consciente da sua capacidade de expansão. Os desenhos dos personagens funcionam, não os personagens propriamente ditos.

O que quer que seja o seu pensamento sobre a infame resolução do confronto entre o Superman e o Batman no aparentemente longínquo A Origem da Justiça, época em que a empresa possuía pretensões muito maiores – as conexões de mundo, aqui, para além do marítimo, são pequenas, senão quase nulas -, a cena ao menos continha uma potência dramática que nenhum momento de Aquaman consegue se equiparar substancialmente. Quase como um polo aquático muito bem jogado, um nado sincronizado muito bem realizado, o divertimento é uma das características do longa-metragem que podem ser suficientes para o espectador, no entanto, não são suficientes para serem as fundações de um universo muito particular, em termos épicos, como esse, sobre um homem que deve ser rei, sobre um reino que deve aceitá-lo, sobre um mundo verdadeiro em essência e não apenas em imagem. Uma ótima obra dentro dos conformes da ação, uma interessante obra dentro dos conformes da fantasia, porém, uma mediana execução para uma obra cinematográfica que ainda é uma obra cinematográfica, com as suas inúmeras propostas e suas diversas conquistas. O entretenimento sem compromissos substitui as responsabilidades de um longa-metragem que nunca deixa de realmente arcá-las, mas omiti-las no fundo do mar.

Aquaman – EUA/Austrália, 2018
Direção: James Wan
Roteiro: Will Beall, James Wan, Geoff Johns, David Leslie Johnson-McGoldrick
Elenco: Jason Momoa, Amber Heard, Willem Dafoe, Patrick Wilson, Dolph Lundgren, Yahya Abdul-Mateen II, Nicole Kidman, Temuera Morrison, Ludi Lin, Graham McTavish, Julie Andrews, Djimon Hounsou, Natalia Safran, Michael Beach, Randall Park, Leigh Whannell, Patrick Cox
Duração: 143 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais