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Crítica | Aracnofobia

por Leonardo Campos
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O medo de aranha é chamado de aracnofobia. Patologia que também intitula esse clássico moderno do horror ecológico, lançado em 1990 e ainda bastante eficiente enquanto narrativa de entretenimento para as plateias que já viram todo tipo de aracnídeos assassinos em filmes ruins, bons, razoáveis e péssimos, lançados em diversas eras da história relativamente recente do cinema. Aracnofobia poderia ser apenas mais um filme de animal assassino contaminado por materiais de laboratório e se tornado um grandioso bicho prestes a atacar suas presas, neste caso, os seres humanos, por vingança diante do caos estabelecido na ordem natural das coisas. A produção, no entanto, vai além, deixa ser “mais um” para ser “o” filme sobre o contato entre a civilização e aranhas perigosas, antropomorfizadas, uma característica básica que faz parte da nossa suspensão de qualquer crença em verossimilhança pura para a entrega ao clima propício ao horror ecológico exposto num exercício divertido e eficiente da linguagem cinematográfica.

Ao construir o argumento com Al Williams, Don Jakoby formou uma parceria com Wesley Strick para o desenvolvimento do roteiro, a ser dirigido com eficiência por Frank Marshall. Mesmo que não tenha lugar na cadeira de comando narrativo, percebemos alusões diversas ao estilo de Steven Spielberg, cineasta que assistiu a tudo com algum distanciamento, na posição de produtor executivo. Doses de horror e humor estão em equilíbrio já nas primeiras cenas, ao acompanharmos a equipe do Dr. James Atheiton (Julian Sands), pesquisador que invade uma região florestal idílica da Venezuela e pretende descobrir espécies de borboletas e outros seres não catalogados nos livros de estudos biológicos estadunidenses. A sua equipe traz outros especialistas e um fotógrafo, responsável por matar uma aranha num determinado trecho. Depois do acontecimento, a figura parece contemplada por algo e nós já imaginamos: é outro ser da mesma espécie em busca de retribuição e justiça. Dito e certo. Primeiro vem a febre, depois a ida para descansar.

A morte vem como desfecho. No entanto, apenas de sua saga como fotógrafo, pois a aranha, muito astuta em suas estratégias de deslocamento, consegue seguir junto ao cadáver no caixão e vai parar numa cidadezinha localizada no interior dos Estados Unidos. Da sua entrada na caixa ao momento de chegada em território estadunidense, a direção de fotografia de Mikael Salomon utiliza um interessante jogo de pontos de vista para o animal, nos fazendo acompanha-lo de maneira divertida até a chegada no celeiro da casa do médico Ross Jennings (Jeff Daniels), recém-chegado da cidade grande, interessado numa vida mais amena, junto aos filhos e esposa, Molly Jennings (Harley Jane Kozak), a responsável por assumir os trabalhos domésticos, mas também de dar conta do medo de aranha que acomete o seu marido. Irracional e voltado ao lado emocional do nosso cérebro, as aranhas não causam nojo, mas apavoram sobremaneira o médico que a simples menção de uma dessas criaturas o deixa congelado, arrepiado e em pânico.

É o que ocorre numa cena assustadora em seu momento de descanso. Na cama, esperando o sono chegar, Jennings observa na parede uma imagem semelhante ao perfil perfeitamente delineado de uma aranha enorme. Ele se levanta, na defensiva, mas ao perceber que é apenas um gancho de pendurar roupas transformado em uma imagem aterrorizante por seu cérebro tomado por algum trauma grandioso, o personagem volta a dormir. Antes das aranhas se estabelecerem como principal conflito da cidade, o médico e a sua família precisam enfrentar a resistência de um dos habitantes, um médico que iria ceder o lugar para o profissional recém-chegado, mas que por implicância, insiste em continuar atendendo. Quem concede conforto para Ross e sua família é Margareth Hollins (Mary Carver), a sua primeira paciente, um ser humano gentil que também oferta uma festa de boas-vindas para os novos habitantes. O problema é que a senhora educada morre misteriosamente e a culpa recai para o médico novato. E agora?

Nós sabemos se tratar de um incidente com a misteriosa aranha venezuelana, mas até então os personagens não. A espécie se reproduz e traz o caos para a cidade, com cenas que mesclam humor com altas doses de horror, em especial, a passagem do chuveiro, homenagem ao cinema de Hitchcock e suas ressonâncias constantes na cultura mais recente, além da invasão das aranhas no desfecho, marcado pelo embate de Ross com o seu maior medo, bem como a luta burlesca entre Delbert (John Goodman) e as aranhas que tentam resistir ao veneno expelido de seus equipamentos que parecem uma armadura de super-herói. O embate no porão e a percepção das aranhas diante de todos os espaços da casa é uma versão turbinada do que chamamos de Terapia Cognitiva Comportamental, uma espécie de limpeza da lente na qual observamos o nosso mundo. Requer interesse do paciente, seu próprio terapeuta no processo, o que não ocorre no caso do personagem de Jeff Daniels, forçada a submissão para salvar a si e a sua família.

Dispersar por todos os cantos, as aranhas são exibidas geralmente em planos mais abertos, quando estão agrupadas e demonstram um tom ameaçador. Nos espaços concebidos pelo design de produção de Jim Bissell, os aracnídeos venezuelanos (claro, o mal precisa ser externo para transmitir a ameaça, como sempre) contrastam com as peculiaridades da cenografia e da direção de arte e seus tons. Nos efeitos especiais, a equipe supervisionada por Matt Sweeney cumpre muito bem a missão de assustar e construir “monstros” que não beiram ao ridículo, algo nas produções vulgares sobre animais assassinos, com criaturas que não assustam nada, apenas reforçam os problemas da falta de um bom orçamento na condução dos efeitos visuais, setor que em Aracnofobia, nos permite contemplar cenas deslumbrantes, tais como a passagem pelo território selvagem da Venezuela, misto de imagens reais com efeitos computadorizados. Ademais, não podemos deixar de lado a eficiente textura percussiva de Trevor Jones, fundamental para tornar o filme uma jornada que tem seus momentos de humor, mas é puro horror.

Aracnofobia (Arachnophobia) — EUA, 1990
Direção: Frank Marshall
Roteiro: Don Jakoby, Wesley Strick (baseado em história de Don Jakoby e Al Williams)
Elenco: Jeff Daniels, John Goodman, Harley Jane Kozak, Julian Sands, Stuart Pankin, Brian McNamara, Mark L. Taylor, Henry Jones, Peter Jason, James Handy, Roy Brocksmith, Kathy Kinney, Mary Carver
Duração: 108 min.

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