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Crítica | Arcane – 1X07 a 09: O Garoto Salvador, Água e Óleo e O Monstro que Você Criou

Personagens azarados.

por Kevin Rick
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  • Há spoilers. Leia, aqui, as críticas dos demais episódios.

Os três primeiros episódios de Arcane contam uma história de origem trágica, enquanto ao mesmo tempo apresenta para seu espectador este rico universo adaptado de League of Legends. A trinca do meio da série é pura expansão de mitologia, inserindo novas tramas e personagens em uma construção de mundo cada vez mais ampla e intrincada, especialmente com a parte política – ainda que não acho a série tão tematicamente profunda como tem sido enaltecida por aí. Era, então, de se imaginar que os três episódios finais seguissem uma rota de conclusão com um clímax de gancho para a próxima temporada, como é comum em séries de televisão. E até certo ponto a animação adota esse percurso, mas, de certa forma, o trio final da 1ª temporada me surpreendeu. O último ato deste primeiro ano é menos uma tentativa de amarrar pontas soltas para oferecer uma guerra final entre Ladoalto e Subferia, e bem mais um arco de confronto pessoal que deixa uma porrada de questionamentos para a próxima temporada – já confirmada pela Netflix, aliás.

Por um lado, a escolha de manter vários núcleos em aberto passa uma impressão de abandono. Vejo isso principalmente no jogo político que é quase inteiramente descartado nesse ato final, depois de alguns ótimos desenvolvimentos de corrupção interna do Conselho. A inserção da mãe de Mel na história – mais uma nova trama em uma série que já tinha dezenas! – parece atrapalhar esse núcleo, tirando o peso da relação dúbia e manipulativa entre a personagem e o Jayce. Desgostei bastante de como o roteiro lida com a dupla, mudando o papel ambíguo de Mel para mais uma vítima em Arcane com sua figura materna militar jogada na narrativa aos 45 do segundo tempo, assim como Jayce se tornou um artifício narrativo sem personalidade, fazendo o que o enredo precisa sem ter um cuidado com as características do personagem – notem como ele foi de um cientista bonzinho para político corrupto e vigilante anti-herói sem um arco orgânico, com o texto até mesmo pouco aprofundando na culpa do assassinato do garotinho.

Também tenho ressalvas com a subtrama de Viktor, que continuo achando deslocada na obra. Arcane tenta equilibrar tantas histórias, personagens, núcleos e gêneros, e na maioria do tempo o faz com muita qualidade, mas às vezes questiono a necessidade de inserir tanta coisa em tão pouco tempo. A série está sempre fazendo um jogo perigoso entre se movimentar por tantas tramas, que falta um certo tempo para determinadas sequências; um respiro narrativo mesmo. Por exemplo, seria substancialmente melhor se tivéssemos mais duração da parte investigativa de Caitlyn e Vi, que também servia para contextualizar o cyberpunk de Zaun – notem como o trio final tem tantos arcos pessoais para resolver, que pouco vemos do panorama geral entre as “nações” rivais, respingando no desleixo do contexto político.

Felizmente, os showrunners parecem ter consciência da quantidade de desenvolvimentos, decidindo ser pacientes com desfechos, retornando ao que citei de me surpreender no ato final. O texto não corre para fechar arcos ou criar um grande clímax épico que vinha sendo indicado, meio que criando um prelúdio para a (possível e provável) guerra na vindoura 2ª temporada. Também há de se notar como os roteiristas dispõem de dramas sutis, como as ternas sequências de Heimerdinger conhecendo a melancolia e a beleza da Subferia, e também o assustador trabalho que eles fazem com Ekko, já que o personagem se absteve por vários capítulos, mas rouba a cena no ato final com bons diálogos, dilemas e batalhas.

Falando nas lutas, foram nesses episódios que eu notei a inteligência da adaptação para um jogo de videogame, indo na contramão das várias decepções que tivemos no audiovisual. Arcane é uma obra sobre um jogo de arena. Mesmo diluindo vários combates nos episódios anteriores, é o trio final que coloca esse visual de campeões vs campeões em foco. Existe até um certo exagero cômico nos diversos 1 contra 1, como se o entorno congelasse para vermos uma batalha de videogame ao som de pop. Mas o bacana de Arcane é como ele dá substância e dimensão a essas batalhas, seja com o drama de personagens, a importância do resultado da luta para o progresso da história e até mesmo as armas ganham um contexto narrativo com a tecnologia Hextec e a droga Cintila. É entender a ponte entre as diferentes artes, dando à jogabilidade uma linguagem cinematográfica. Ajuda muito o fato de que a animação continua um absurdo de expressividade e fluidez. Minha única ressalva mais técnica seria a trilha sonora que foi perdendo a dosagem entre o pop e o orquestral ao longo da temporada.

E, bem, deixei o melhor para o final: o drama intimista das irmãs distantes no meio de toda essa rivalidade. Com os três episódios anteriores diversificando e expandindo Arcane, é digno de nota que Christian Linke e Alex Yee souberam construir a mitologia sem retirar o foco delas. Aliás, Vi continua sendo importante e interessante, transitando entre os dois reinos para contextualizar a luta de classes e a podridão de ambos os lados, já que a personagem põe luz à hipocrisia do Ladoalto, mas bate de frente com o crime da Subferia de Silco. Ela é a personagem que melhor entende esses mundos e a realidade da série em um panorama geral, sem egoísmos ou tentativa de ser uma heroína perfeitinha. Na verdade, Vi encapsula Arcane em toda sua imperfeição trágica e esperança inatingível. Mas, vamos ser honestos, os holofotes são da Jinx.

Pode soar como exagero, mas o arco da personagem entre Powder e Jinx está entre os meus favoritos da televisão. Tudo o que aconteceu na série se iniciou pelas suas mãos. A criação indireta da Hextec, o escalonamento da tensão entre os reinos, a morte de Vander, o crescimento de Silco e sua organização, etc. A personagem é um estopim de problemas, seja por ingenuidade ou, agora, por psicopatia. Sua jornada do “azar” ao acaso até o nocivo, indo de um apelido maldoso para sua identidade, é uma manifestação de ironia trágica e culpa se transformando em complexidade identitária e mental em um trajeto nada menos que catastrófico. Que seja ela a iniciar a guerra, é praticamente um momento terrivelmente poético. Pena dos azarados que cruzarem seu caminho.

Por fim, a 1ª temporada de Arcane é uma das melhores surpresas do ano. Realmente não consigo classificar a série como a obra-prima que vem sendo falada por aí, pois noto alguns erros de desenvolvimento narrativo dentro uma obra que tenta fazer e oferecer tanta coisa. Mas é esta coragem plural e diversa que proporciona uma aula de construção de mundo, tanto técnico quanto narrativo. Arcane é a adaptação de League of Legends que transcende a ação do jogo de arena ao oferecer dimensão de mitologia e, principalmente, de arcos dramáticos de personagens.

Arcane – 1X07 a 09: O Garoto Salvador, Água e Óleo e O Monstro que Você Criou (EUA, 20 de novembro de 2021)
Criador por: Christian Linke, Alex Yee
Direção: Pascal Charrue, Arnaud Delord
Roteiro: Christian Linke, Alex Yee (baseado no universo League of Legends)
Elenco: Hailee Steinfeld, Ella Purnell, Kevin Alejandro, Katie Leung, Jason Spisak, Toks Olagundoye, JB Blanc, Harry Lloyd, Mia Sinclair Jenness, Remy Hii, Mick Weingert, Josh Keaton
Duração: 128 min.

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