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Crítica | Aritmética da Emília, de Monteiro Lobato

Uma viagem dos personagens do Sítio do Pica-Pau Amarelo pelo mundo dos números.

por Leonardo Campos
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O que é aritmética? Basicamente, esta é a parte da Matemática que estuda as operações numéricas, isto é, soma, subtração, multiplicação e divisão. Nas aventuras de Aritmética da Emília, o escritor Monteiro Lobato transforma a sua envolvente história num compêndio que expõe os princípios da área em questão, além de demonstrar a busca por uma saída da ideia cristalizada de compreensão da Matemática como um espaço hermético, dissociado dos demais componentes trabalhados não apenas ao longo de nossa educação básica, mas também no percurso de nossas vidas adultas, afinal, estamos constantemente em aprendizagem. Publicado em 1935, o livro é um dos mais conhecidos do escritor acoplado didaticamente no período da história de nossa literatura chamado pré-modernismo, fase de antecedentes das ideias perpetradas após o advento da Semana de Arte Moderna, de 1922. Monteiro Lobato, no entanto, vai além destas classificações, tendo atuado até a década de 1930, produzido ensaios, críticas e se envolvido em polêmicas com outros artistas da época, numa presença como agente do discurso que ainda hoje é debatido veementemente em diversos círculos de intelectuais.  

Em Aritmética da Emília, o Visconde de Sabugosa decide ensinar Aritmética aos demais personagens do Sítio do Pica-Pau Amarelo e neste processo, programa uma viagem para o País da Matemática. Ele se prontificar e se torna o guia, mas a boneca Emília não deixa de dar os seus pitacos e promover o humor necessário para transformar a empreitada numa jornada desafiadora e divertida. Ao subverter a ordem inicialmente proposta, ela transforma a aritmética que seria do Visconde em sua jornada. Algarismos arábicos, romanos, sinais aritméticos, raiz quadrada, sistema monetário, números decimais, operações com frações, mínimo múltiplo comum, números complexos, dentre outros tópicos, perpassam pela narrativa que faz uma homenagem ao legado de Parmênides, figura histórica que reforçou, constantemente, a relevância dos números para as relações entre os seres humanos, num livro que reuniu uma espécie de confrontação entre as tradições do ensino conservador e as propostas pedagógicas que pensavam outras maneiras de trabalhar tais conteúdos, hoje também já revista.

A história se inicia logo após a viagem dos personagens ao País da Gramática. O Visconde se encontra frustrado, pois ainda não tinha conseguido realizar uma empreitada com ares científicos que tivesse a sua figura como protagonista. Como ele se encontra adoecido, a solução encontrada é trazer o tal país para o sítio, permitindo um espetáculo de situações lúdicas envolvendo os números em simbiose durante explicações sobre as quatro operações da aritmética. Nesta viagem, Monteiro Lobato demonstra o seu interesse em promover debates sobre desenvolvimento intelectual do público infantojuvenil, afinal, era uma figura social que se envolvia com os debates de sua época, principalmente as discussões sobre educação. A problemática questão racial, em especial, o tratamento dado para Tia Anastácia, alvo de polêmicas na contemporaneidade, se encontra também neste livro, obra que precisa sim, ser lida e conhecida, orientada para os leitores jovens, permitindo a compreensão da mentalidade escravocrata da época, algo que permite aprendizagem com conscientização, sem a necessidade de anulação que é fruto dos desdobramentos da atual cultura do cancelamento.  

Com ilustrações de Hector Goméz, Aritmética da Emília estruturalmente se divide em 19 capítulos que retratam, tal como já mencionado, a viagem dos personagens para o País da Matemática. A Ideia do Visconde, Os Artistas da Aritmética, Mais Artista das Aritmética, Manobras dos Números, Acrobacias dos Artistas Arábicos, A Primeira Reinação, A Segunda Reinação, A Terceira Reinação, Quindim e Emília, A Reinação da Igualdade, As Frações, Mínimo Múltiplo, Somar Frações, Subtrair Frações, Multiplicar Frações, Dividir Frações, Os Decimais, As Medidas, e Números Complexos. É uma publicação que ilustra os modos como a matemática era ensinada nas décadas de 1940 e 1950, talvez desarticulado das necessidades contemporâneas, mas quando dialogado com um docente sábio em suas tarefas, permite o relacionamento assertivo entre linguagens e exatas, promovendo a ampliação das estratégias de busca por novas maneiras de lidar com os números e cálculos. O livro é leve, divertido, inteligentemente escrito e com fluência que torna a sua leitura um passatempo grandioso, uma das primeiras publicações brasileiras com olhar lúdico voltado ao campo da Matemática.  

Aritmética da Emília (Brasil, 1935)
Autor: Monteiro Lobato
Ilustrações: Hector Goméz
Editora: Globinho
Páginas: 128

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