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Crítica | Arkansas

por Ritter Fan
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Superficialmente, Arkansas parece um apanhado de personagens bizarros inseridos em uma história de tráfico de drogas que, por sua vez, mistura elementos caipiras da chamada middle america com uma pegada neo noir. Em outras palavras, parece um longa que chama atenção muito mais por sua forma do que por seu conteúdo e essa conclusão não é mesmo longe da verdade, ainda que haja definitivo valor nessa abordagem.

Kyle, vivido por Liam Hemsworth, é o protagonista e o único personagem que parece completamente normal do longa, ainda que ele conte com um leve problema de locomoção que não tem função narrativa maior do que uma tentativa falha de enfraquecer visualmente o personagem. Seja como for, é a ascensão de Kyle em meio ao tráfico de drogas no Arkansas e estados vizinhos que o roteiro inicialmente se propõe a acompanhar, logo pareando-o com Swin (o diretor e co-roteirista Clark Duke), um sujeitinho cujos figurinos, postura, jeito de falar e um bigodinho ralo correspondem, em seu conjunto, ao completo oposto do protagonista. Ambos acabam trabalhando sob o comando de Bright (John Malkovich), que, por sua vez, trabalha para o misterioso e quase mítico Frog (e que o espectador acertará quem é sem muito esforço) a partir de um parque florestal, fazendo operações de entrega de drogas e recebimento de dinheiro até que, claro, tudo começa a dar errado e a, ato contínuo, desmoronar.

Baseado no romance homônimo de estreia de John Brandon, publicado originalmente em 2009, o filme usa os interessantes elementos criminosos familiares do público em geral para contar uma história mais mundana e humana sobre ambição (ou a falta dela), as chances que a vida nos dá e a forma como nos aproveitamos dela. Basta o espectador abstrair-se da violência e da peculiaridade da profissão de Kyle e Swin para notar o quanto a história deles poderia ser a história de qualquer um de nós, na verdade. O crescimento profissional é um elemento que permeia toda a narrativa, desde seu comecinho quando Kyle, em narração em off, afirma que só se interessa mesmo em beber e ficar bêbado, fazendo o mínimo possível para conseguir esse seu objetivo, mas quando tem sua primeira oportunidade de crescer, ele a agarra, ainda que de forma hesitante e sem realmente tentar entender o panorama mais amplo da coisa. É a vida “no automático” que muitos acabam levando em razão de suas circunstâncias, sejam elas econômicas, sociais e/ou psicológicas.

Em termos de recursos narrativos, Duke, em seu primeiro trabalho na direção e no roteiro de longa-metragem, quebra a linearidade da história de Kyle e Swin para “rebobinar a fita” por meio de flashbacks para os anos 80 marcados por um filtro que estoura as cores que aborda a vida do personagem vivido por Vince Vaughn que é introduzido um tanto quanto tardiamente no filme. Essas visitas ao passado paralelizam as vidas da dupla no presente e são os melhores momentos da produção, seja pela excelente atuação de Vaughn em mais um de seus assombrosos papeis sérios, seja pela forma como Duke recria a década por meio de figurinos espalhafatosos e locações desoladas no meio do nada com coisa alguma, naquelas cidadezinhas-padrão americanas, uma se parecendo com as outras.

A grande verdade é que esse foco no personagem de Vaughn chega a prejudicar a história principal até, revelando de início a forma burocrática com que Liam Hemsworth vive seu personagem que é substancialmente sem graça e sem qualquer tipo de desenvolvimento relevante. Por sua vez, Clark Duke só é melhor que seu colega protagonista porque ele apela justamente para a bizarrice de seu visual e de sua atuação para destacar seu personagem do restante, o que nem sempre funciona. Malkovich, por seu turno, diverte no pouco que aparece, mas, novamente, só porque ele vive um sujeito estranho. A própria Vivica A. Fox, como uma personagem conhecida apenas como Ela, acaba sendo mais uma engrenagem nessa bizarrice toda que o diretor coloca na tela.

O passo é decididamente lento, com arroubos de violência sendo, com isso, bem mais esparsos do que se poderia esperar, o que pode desapontar o espectador. No entanto, essa abordagem de Duke não só é acertada para o tipo de história que deseja contar, como é ritmada e bem concatenada, permitindo que a história principal seja corretamente fundida com a paralela nos flashbacks, com o inevitável afunilamento mais para o final. Temos que ter em mente que a proposta não é exatamente estudar a ascensão criminosa de Kyle, mas sim da vida de alguém que parece ser apenas um passageiro nela, não querendo sequer fazer esforço para ter algo que vá além do mínimo necessário. A cadência mais vagarosa beneficia essa história, ainda que Hemsworth faça de tudo para que não liguemos para seu personagem sem graça.

Arkansas é, no final das contas, um bom início de carreira diretorial para Clark Duke, mesmo que o filme seja, em seu conjunto, menos do que a soma de suas partes. Sem dúvida há mais do que apenas personagens bizarros transitando em ambientes homogêneos e repetitivos, mas Duke não consegue extrair o potencial verdadeiro da história, ainda que faça um bom esforço.

Arkansas (Idem, EUA – 2020)
Direção: Clark Duke
Roteiro: Clark Duke, Andrew Boonkrong (baseado em romance de John Brandon)
Elenco: Liam Hemsworth, Clark Duke, Michael Kenneth Williams, Vivica A. Fox, Eden Brolin, Chandler Duke, John Malkovich, Vince Vaughn, Brad William Henke, Patrick Muldoon, Jeff Chase, Jacob Zachar, Barry Primus
Duração: 117 min.

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