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Crítica | Armas na Mesa

por Guilherme Coral
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estrelas 4,5

Não é de hoje que a necessidade de um controle mais rígido sobre a venda de armas de fogo nos EUA é debatida no país. De um lado temos as pessoas que levam em consideração os atentados ocorridos nas diversas escolas, passeatas e eventos coletivos, enquanto do outro as empresas ligadas à fabricação desses instrumentos, que utilizam religiosamente a Segunda Emenda da Constituição americana para justificar seu ponto de vista. Nos cinemas, filmes como Tiros em ColumbineElefante, dentre outros já trouxeram tal questão à tona, mas estamos falando de um país com proporções continentais, no qual o Norte difere do Sul, que, por sua vez, conta com pessoas com diferentes visões de seu centro.

Armas na Mesa funciona quase como um Obrigado por Fumar invertido – não na proposta, mas na luta de seu personagem principal. Elizabeth Sloane (Jessica Chastain) é uma lobista implacável, que, ao ser contratada por uma companhia, toma como desafio pessoal fazer passar uma lei de controle maior de vendas de armas de fogo em seu país. Para conseguir isso, ela utiliza de todos os meios possíveis, éticos ou não, para que tenha uma chance de derrotar os fabricadores de armas, representados pela mesma empresa da qual saíra antes de tomar essa nova causa para si.

A projeção já se inicia com a protagonista sendo preparada pelo seu advogado, que a aconselha a recorrer à Quinta Emenda em todas as perguntas direcionadas a ela. Ao mostrar Sloane entrando no tribunal, com o senador Ron M. Sperling (John Lithgow) à sua frente, o longa já estabelece esse ponto como seu clímax, nos levando a um flashback que pretende nos mostrar como a personagem chegara até ali. A estratégia funciona, ficamos genuinamente curiosos acerca do que levara Elizabeth a ser questionada, especialmente conforme aprendemos sobre a causa pela qual decidira lutar.

O roteiro de Jonathan Perera transforma um drama político em um verdadeiro filme de espionagem. Vale ressaltar que nenhuma obra cinematográfica conta com a responsabilidade de trazer uma veracidade histórica, a menos que seja um documentário ou tenha estabelecido essa intenção desde os primeiros minutos de projeção. Armas na Mesa, portanto, faz uso da ficção para construir um clima de tensão e instabilidade, criando uma personagem implacável, com métodos duvidosos e uma linha de raciocínio que oscila entre a fantasia e a realidade. Digo fantasia, pois aqui vemos twists dignos de Death Note – são bem construídos, justificados dentro do texto, se encaixam com a proposta da protagonista, mas é o tipo de coisa que dificilmente alguém conseguiria realizar na vida real.

Isso, porém, não é um problema dentro da obra, visto que Jessica Chastain mais do que dá conta de nos fazer acreditar em sua personagem. Com uma atuação de peso ela garante a profundidade dessa pessoa, suprindo a falha do texto, que em momento algum nos oferece um olhar sobre o passado da protagonista. Chastain transforma uma personagem unilateral em um poço de complexidade e a cada diálogo sentimos como se ela revelasse mais sobre si, não pelas palavras em si, mas pela forma como fala. De fato, ouso dizer que Armas na Mesa não seria metade do filme que é não fosse sua atriz principal, que certamente mereceu sua indicação ao Globo de Ouro e que deveria ter sido indicada ao Oscar desse ano.

Não podemos esquecer, também, do excelente trabalho de montagem de Alexander Berner, que sabe trabalhar com diferentes focos, priorizando sempre Sloane. Suas elipses ajudam a compassar o ritmo da obra e não permitem que a narrativa caia em exagerada lentidão. Ao seu lado, temos o trabalho do diretor John Madden, responsável por preciosidades como Shakespeare Apaixonado (embora esse não tenha merecido o Oscar de Melhor Filme) e O Exótico Hotel Marigold. Madden sabe o tom apropriado para construir esse thriller e opta pela linguagem dos filmes de espionagem, passando sutis informações através de seu trabalho de câmera, nos dando dicas constantes do que seria revelado mais tarde.

No fim, Armas na Mesa consegue nos envolver de forma arrebatadora, sugados pela força da performance de Jessica Chastain, que, aliada da direção de John Madden, forma um angustiante thriller político, com requintes de espionagem, que garante a tensão em cada minuto da projeção. Evidente que o roteiro poderia ter trabalhado melhor o passado de sua protagonista, mas, através dos esforços da atriz principal, conseguimos deixar tal deslize passar, aproveitando o máximo essa guerra entre os lobistas dos dois lados.

Armas na Mesa (Miss Sloane) — EUA/ França, 2016
Direção:
 John Madden
Roteiro: Jonathan Perera
Elenco: Jessica Chastain, Mark Strong, Gugu Mbatha-Raw, Michael Stuhlbarg, Alison Pill, John Lithgow, Douglas Smith
Duração: 132 min.

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