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Crítica | Army of the Dead: Invasão em Las Vegas

por Iann Jeliel
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Army of the Dead: Invasão em Las Vegas

Com uma filmografia que hoje consta de metade dos filmes como versões “estendidas” do que o próprio fez, dá para alegar com segurança, depois de Army of the Dead: Invasão em Las Vegas, que Zack Snyder se perdeu como autor. Costumava acreditar que seu maior erro foi ter saído do cinema B/terror, em que seu poderio estilístico combinava perfeitamente com a proposta de filmes pragmáticos como é Madrugada dos Mortos, descompromissados com uma latência dramatúrgica complexa de seus personagens e mais interessados nas suas representações com um guia para um bom entretenimento de gênero. Contudo, estava enganado… Ou quase.

Não considero o filme um retorno a suas origens mais humildes, mesmo que o orçamento não seja muito diferente do seu primeiro filme, e que a premissa seja tão simples quanto. Ora, é um típico heist, só que com zumbis no meio. A diversão a se extrair a partir disso é consideravelmente fácil. Contudo, para Snyder, o simples não é suficiente, nunca é. A começar que zumbis no hoje são sem graça. Mesmo aqueles infectados que ele tão bem soube conduzir não trariam ameaça para a nova “Liga da Injustiça” de anti-heróis parcialmente invencíveis que ele criou para realizar tal missão, vendida como, mas não tão impossível assim para eles. Com isso, por que não criar zumbis espartanos? Zumbis que montam cavalos. Zumbis alfa que guiam exércitos de outros zumbis. Zumbis com hierarquia monárquica, tradições e respeito a elas. Zumbis que se casam, transam, têm filho e abortam. Zumbis que têm um tigre de estimação. Zumbis que usam capa. Sim, os zumbis de Zack Snyder são mais um de seus heróis criado para ele mesmo.

Porque se todas essas ideais realmente saíssem de uma mente com um sentimento leve na cabeça, as possibilidades de galhofa na fantasia eram sensacionais. Mas o filme não é galhofa, por mais que se diga ser brega com a péssima escolha de letrings e músicas tocando no fundo de uma câmera lenta interminavelmente cafona mostrando a chacina zumbi, mal tem duas cenas genuinamente de ação nos 150 minutos de duração. Por que não mais? Ele tem várias outras preocupações na frente. Não é de hoje que ele, em todos os seus filmes, quer enfiar mil e uma coisas. Se ser inflado não fosse o suficiente, Army of the Dead: Invasão em Las Vegas segue exatamente a problemática recente de Liga da Justiça, por exemplo, ao querer enfiar uma nova coisa sem nem ter terminado direito de consolidar a anterior, e acaba não fazendo nenhuma delas direito.

Nem apresenta o universo e já passa por ele de forma estilizada como se já comprássemos aquilo como “cool” com suas famosas, e hoje confortáveis, aberturas com show gratuito de slow motion – nesse ponto ele já não faz mais porque o filme precisa, mas porque há quem defenda pelo videoclipe isolado ser bacaninha… Escravo do fã feelings. Quando vai começar a introduzir o universo, ele já deixa de ser “cool” e começa a se levar a sério daquele jeitinho bem “realista” – ainda que não precise de um filtro cinza para escancarar isso na sua cara como comumente fez na DCU –, sem nem ter a urgência da história inserida ainda. Quando a urgência chega, na pouca ação climática que resta para o filme aproveitar e ser genuinamente escrachado, além de estarmos exaustos pela longa duração, ele quer fechar a história que pouco construiu com seus personagens e criações zumbis em tom poético quase. Acreditando que os desenvolveu o suficiente a um nível de sustância, para comprarmos sua inserção extremamente forçada de alegorias a representações gladiadoras.

SPOILERS!
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São etapas que se queimam porque Snyder simplesmente não confia no que está criando, ou está num nível patológico de obsessão com essa necessidade do “quanto mais, melhor”, para corresponder à autoafirmação constante de seu estilo. Mesmo não sofrendo de um complexo de grandeza de forma tão acentuada como em outros filmes, de entregar literalmente qualquer cena como épica, ainda que seja somente de um cachorro bebendo água, a problemática persiste nesse prisma que deixa o filme sem tantas cenas de ação, porque a todo momento na trama é inserida uma nova “ação” a ser feita sem a menor necessidade, embananando até mesmo os pontos teoricamente mais simples de roteiro. Para que um vilão humano na história se for para ter motivação sem o menor sentido? Ou qual o exército de zumbis que iriam comandar depois da bomba atômica lançada em Las Vegas? Depois sairiam matando gente a torto e a direito fazendo a cabeça da “medusa” morder um por um?

Para que ter introduzido uma personagem a ser sequestrada por zumbis só para a anta da filha (Ella Purnell) do protagonista ir atrás faltando 20 minutos para a bomba ser lançada? Não dava para ir escondida enquanto havia tempo de sobra? Por que anunciar o tempo como base de urgência e nem sequer obedecê-lo no ato final, com o tanto de coisa que tinha que acontecer, e claramente trazer uma ação com mais tempo que realmente faltava no anunciado? E olha que nem estou contando as elipses temporais do caminho… Não era para ser um universo “realista”, caro Snyder? Iguais ao famigerado “Martha”, as respostas para os furos citados só viriam com a dependência de mais mil explicações para se tornar plausível. E tenha certeza de que virá uma versão estendida (ou uma série) para explicar cada uma das coisas (das mais inúteis como a origem dos zumbis alfa) para tornar coerente algum raciocínio. Já no final do filme, não deixam nem a gente absorver a morte do Dave Bautista e já pulam para contar as aventuras do último sobrevivente (Omari Hardwick) que dão um gancho de continuidade ao universo. Ooohh precisamos de mais explicações do que aconteceu com ele”. Agora só não terá mais como colocar culpa no estúdio, né? Carta branca, ele teve da Netflix. Não há nenhuma amarra de estar adaptando outro material de uma outra pessoa que criou para encher o saco. O Snyder está fazendo o que quer, porque quer, e provando sua incapacidade de execução no que quer. Com ou sem interferência do estúdio. Com ou sem versão estendida. Prolixo.

FIM DOS SPOILERS
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E aí retomo o rótulo que questionei no início “linkando” com outro que hoje acredito que ele tenha virado: um escravo do fã. Estava enganado em ambos… Ou quase. Porque o Snyder hoje é escravo da própria prepotência de querer enfiar mitologia grega e religiosidade divina em qualquer lugar. E eu duvido muito que seria diferente se ele voltasse a fazer filme de terror. Ainda é um quase pelo benefício da dúvida, se era sua intenção ao voltar ao gênero zumbi com a mesma liberdade anterior. Tudo parece, novamente, um discurso pronto para provar a vitimização do que os estúdios fazem com ele. É algo que vende porque há besta que compra. O Snyder só conseguiu fazer isso nos últimos anos, tornar seu nome reconhecido mais como uma marca do que como diretor de cinema. Respeito quem acredita na vilanização exclusiva de produtores para cima dele, mas já pararam pra pensar que eles simplesmente poderiam estar cumprindo o seu papel como produtor de ajudar para enxugar o autoral e torná-lo melhor? Como acontece com vários outros artistas, em maior ou menor escala. Como aconteceu com o próprio Snyder em Madrugada dos Mortos 300

Army of the Dead: Invasão em Las Vegas, portanto, é um resultado de acúmulo de erros persistidos e reunidos em ampla liberdade de errar de novo e com muito mais frequência. Muito mais longo do que precisava. Muito mais cheio do que precisava. E que nesses vários “muitos” desnecessários, não consegue entregar o básico do que realmente deveria ter dado muito mais: uma boa farofa de ação com zumbis mitológicos vs superanti-heróis mercenários em Las Vegas.

Army of the Dead: Invasão em Las Vegas (Army of the Dead | EUA, 21 de maio de 2021)
Direção: Zack Snyder
Roteiro: Zack Snyder, Shay Hatten, Joby Harold
Elenco: Dave Bautista, Ella Purnell, Omari Hardwick, Ana de la Reguera, Theo Rossi, Matthias Schweighöfer, Nora Arnezeder, Hiroyuki Sanada, Garret Dillahunt, Tig Notaro, Raúl Castillo, Huma Qureshi, Samantha Win, Richard Cetrone, Michael Cassidy
Duração: 148 minutos

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