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Crítica | Arrow – 4ª Temporada

por Ritter Fan
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Obs: Há spoilers das quatro temporadas. Leiam as críticas das demais, aqui.

Com uma consistência de invejar qualquer showrunner, Greg Berlanti, Marc Guggenheim e Andrew Kreisberg conseguiram manter a acentuada curva descendente de qualidade de Arrow, a primeira série de super-heróis da DC Comics aninhada na The CW. Sem dúvida alguma, não foi um trabalho fácil superar negativamente a abissal terceira temporada, mas é com orgulho que digo que eles realmente conseguiram se superar e ultrapassaram facilmente o proverbial fundo do poço na arte de capitanear séries de TV.

Afinal, não posso simplesmente acreditar que os showrunners estejam, desde a apenas mediana primeira temporada, tentando de verdade melhorar a série e não estejam conseguindo, afundando-se cada vez mais no lodaçal incongruente que eles criaram. Tem que ser proposital. Ou é isso ou eles simplesmente são incompetentes. Prefiro acreditar em uma dessas duas hipóteses do que simplesmente jogar para o colo da audiência a responsabilidade de manter essa bagunça sem personalidade no ar por tanto tempo.

É como uma aula de anti-televisão. Um apanhado de tudo que não se deve fazer em uma série, seja ela baseada em quadrinhos ou não. Para começar, apesar da riqueza de décadas do material-fonte, elegeu-se basear-se apenas perfunctoriamente na mitologia do personagem. Além disso, a pegada Barrados no Baile, com corpos sarados e rostos perfeitos flexionando músculos e gerando romances aleatórios de todos com todos sem qualquer função narrativa é o mote da série, seu objetivo máximo, algo que ganha contornos mais profundos — no mau sentido — ainda nesta 4ª temporada, que se inicia com Oliver Queen (Stephen Amell) em lua-de-mel pré-casamento com Felicity Smoak (Emily Bett Rickards) sendo chamado de volta por seus colegas de profissão para desbaratar a milícia conhecida como Ghosts (que depois seriam revelados como membro da organização vilanesca H.I.V.E.) comandada pelo mais novo super-vilão, apenas mencionado na temporada anterior, Damien Darhk (Neal McDonough) que, surpresa, surpresa, tem um plano diabólico de destruição mundial que começa em Star City (ex-Starling City, renomeada depois da morte não morrida de Ray Palmer — vivido por Brandon Routh).

O grande diferencial — se é que posso chamar assim — é que o lado místico da DC Comics é abordado mais fortemente, já que Darhk, personagem criado em março de 1999, na HQ Titans Vol.1 #1, tem poderes mágicos baseado em um totem que canaliza as almas de pessoas mortas direta ou indiretamente por ele. Com isso, os showrunners têm a oportunidade de trazer Vixen (Megalyn Echikunwoke) e John Constantine (Matt Ryan) como coadjuvantes de luxo em dois episódios, além de inventar uma feiticeira como “professora de magia” de Oliver em outro episódio.

E essa pegada sobrenatural é que realmente poderia ser bem trabalhada, mas não foi. Longe disso. Neal McDonough faz seu personagem da maneira mais canastrona possível, competindo fortemente com Stephen Amell na categoria “Porta Cor de Burro Quando Foge Sem Maçaneta” de expressividade facial. Seu poderes mágicos são genéricos e sub-aproveitados em uma trama apocalíptica completamente sem pé nem cabeça que não gera nenhum tipo de sentimento de urgência e que é tão grande em escopo que chega a ser absolutamente patético imaginar que um sujeito sem poderes vestido de verde e manuseando arco e flecha conseguiria sequer chegar perto de frustrá-la.

Além disso, se o artifício do flashback para o passado misterioso de Oliver Queen chegou um dia a ser interessante, já na terceira temporada, com as missões do protagonista em Hong Kong (e, ridiculamente, em Starling City), ele tornou-se enfadonho e desnecessário. Na quarta temporada, porém, os showrunners insistem nessa estrutura e revelam que o ex-bilionário voltou para sua ilha para cumprir uma missão determinada por Amanda Waller que envolve a obsessão do Barão Reiter (vivido por Jimmy Akingbola) em localizar exatamente o mesmo ídolo mágico que um dia cairia nas mãos de Dahrk. E mais: esse segredo de Queen e essa “coincidência temática” seriam até aceitáveis se os flashbacks não fossem tão desinteressantes, tão mal utilizados. Assim como na trama principal, não se vê nenhuma gravidade nos atos cometidos na ilha, nada que deixe o espectador com mais de cinco ou seis anos de idade realmente preocupado ou minimante excitado pelo que é revelado a conta-gotas.

E o que falar das mortes?

A indústria mainstream de quadrinhos acabou com o conceito de “morte” de seus personagens. Todos podem reviver ou ter versões levemente diferentes de si mesmos surgindo aqui e ali para substituir os falecidos. Tornou-se tão lugar-comum que o choque da morte foi substituído pela pergunta “ok, mas quando ele/ela reviverá?“. E os showrunners, talvez achando que essa diluição da força narrativa dos quadrinhos é algo a se orgulhar, repetiram a dose na série. Ninguém morre de verdade. Ray Palmer ficou sumido seis meses da cidade enlutada, mas ele estava, na verdade, aprisionado, na forma diminuta, por Dahrk. Sara Lance (Caity Lotz) é revivida pela segunda vez, desta feita pelos efeitos do Poço de Lázaro, para que ela pudesse fazer parte da Liga do Cospobre de Legends of Tomorrow. Nem mesmo a paraplegia de Felicity Smoak dura mais do que alguns poucos episódios, sendo “curada” com a maior facilidade do mundo por um chip implantado em sua espinha que havia sido inventado nas horas vagas por Curtis Holt (Echo Kellum), que não só descobre a identidade (nada)secreta de Oliver Queen como também um dia será o Senhor Incrível ou Mister Terrific, com os diálogos que o envolvem teimam em deixar evidente a cada segundo, com a repetição da palavra terrific.

Assim, as reviravoltas na trama — e atenho-me somente ao que aconteceu nesta temporada — servem única e exclusivamente para criar assunto para um ou dois episódios, não para avançar a trama como um todo ou para fazer algo realmente duradouro e com significado maior. Tudo é banal e tudo volta ao status quo anterior como aqueles colchões com espuma com “memória”. É televisão pasteurizada do pior tipo, uma espécie de volta aos anos 80 em que cada episódio de uma série era como se fosse um recomeço, como se tudo o que veio antes fosse apagado.

Mas aproxime-se e vamos falar bem sério um momento, voltando à questão da culpa por Arrow ser assim. Brinquei no começo que seria por incompetência dos showrunners, mas a grande verdade é que eles estão rindo de orelha a orelha, capitaneando, também, a já citada Legends of Tomorrow e a festejada The Flash, além de Supergirl, cuja primeira temporada foi televisionada pela CBS, mas que, a partir da segunda, passará para a The CW. Afinal, eles entregam, semana a semana, exatamente aquilo que seu público parece querer ou que eles fazem seu público pavloviano querer: bobagem rasa protagonizada por gente fantasiada com os mesmos nomes de seus heróis favoritos. Pouco importa qualidade. Pouco importa profundidade. Pouco importa coerência. Pouco importa qualquer coisa que tenha um semblante de material feito para fazer pensar em algo que não seja qual é o vilão que aparecerá essa semana ou qual será o segredo da ilha a ser revelado ou como fulaninho(a) é bonito(a) ou, pior ainda, qual será o “ship” do momento…

“Ah, mas é uma série de TV de super-heróis apenas.”

“Ah, mas eu não quero pensar mesmo.”

“Aff, crítico mais chato.”

Essas frases e variações delas são usadas constantemente pelo público em geral para justificar sua predileção por porcarias. Ora, essa predileção independe de justificativas, independe de aprovação crítica (que nunca é importante, mas que mesmo assim gera comoção geral…). Gosto é gosto e ele não se discute. Mas a proposição que faço é outra. O uso das frases acima é uma tentativa rasteira de se tentar não utilizar o senso crítico para absolutamente nada e aceitar tudo em seu valor de face, sem nem mesmo esboçar uma reação. Não há nada errado em ser apaixonado por uma série de TV e defendê-la civilizadamente com unhas e dentes. Mas permanecer cego para seus problemas e glosá-los como “coisa de crítico metido a besta que não sabe nada do meu heroizinho” é permanecer na Idade Média televisiva e cinematográfica. É não estar aberto a conversar e a entender que aquele seu showzinho tem sérios problemas quando poderia ser maravilhoso considerando-se o material fonte de onde se pode retirar linhas narrativas excepcionais. Infelizmente, porém, o comodismo fala mais alto e um sujeito vestido de verde, portando arco e flecha e falando “você falhou com essa cidade” com voz modificada para todos os três ou quatro personagens que incrivelmente não conhecem sua identidade é tudo o que é necessário, aparentemente, para que um trabalho mequetrefe e preguiçoso ganhe destaque na telinha. Sinal dos tempos? Provavelmente sim. Cabe a alguns fãs que sabem separar a adoração da cegueira e a alguns críticos “chatos” mostrar que aquela maravilha, na verdade, não é muito mais do que uma fábrica de bobagens regurgitadas semanalmente por uma equipe que se esmera em manter o nível o mais baixo e bobalhão possível, como se adaptações de quadrinhos precisassem ser assim.

Em um mundo bizarro, em que a falta de qualidade é premiada com popularidade e audiência, Arrow é um absoluto triunfo. Porém, em outro mundo, um muito menor, infelizmente, a série não passa de lixo tóxico que contamina tudo e todos que toca. O septuagenário Arqueiro Verde merecia mais. Muito mais.

Arrow – 4ª Temporada (EUA, 2015/2016)
Showrunners: Greg Berlanti, Marc Guggenheim. Andrew Kreisberg
Direção: Vários
Roteiro: Vários
Elenco: Stephen Amell, Katie Cassidy, David Ramsey, Willa Holland, Paul Blackthorne, Emily Bett Rickards, Colton Haynes, John Barrowman, Caity Lotz, Grant Gustin, Katrina Law, Brandon Routh, Megalyn Echikunwoke, Matt Ryan, Neal McDonough, Echo Kellum, Eugene Byrd, Charlotte Ross, Tom Amandes, Jimmy Akingbola, Janet Kidder, Ryan Robbins, Elysia Rotaru, Parker Young
Duração: 1056 min.

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