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Crítica | As Amigas

por Guilherme Coral
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Como alguém que nunca gostou de fazer algo simplesmente por fazer – sempre busquei propósitos específicos no que faço, seja profissionalmente ou no lazer (e simplesmente “para se divertir” nunca foi um bom motivo para mim, por bem ou por mal) -, o sentido, objetivo da vida em si sempre esteve em pauta em minha mente. Evidente que não me considero “o diferentão” por isso, essa é a dúvida primordial dos seres humanos, fator já explorado das mais variadas formas pela arte, que, inclusive, nos deu uma resposta: 42. As Amigas, de Michelangelo Antonioni, lida justamente com essa questão, focando em um grupo de amigas que, pouco a pouco, passa a enxergar o vazio de suas vidas.

A obra já tem início com um ponto de virada na vida dessas mulheres. Clelia (Eleonora Rossi Drago) retorna a Turin, sua cidade natal, para abrir um salão de moda, o que não esperava é que, no quarto ao lado do seu, no hotel, ela encontraria Rosetta (Madeleine Fischer), que tentara suicidar-se sem êxito. Em razão disso, Clelia acaba conhecendo suas amigas, Momina (Yvonne Furneaux), Nene (Valentina Cortese) e Mariella (Anna Maria Pancani). Todas elas acabam envolvendo-se romanticamente com outros homens, apenas para descobrir que isso irá revelar a falta de propósito de suas vidas.

De forma bastante simples, pautado apenas na relação interpessoal dessas amigas e seus pretendentes, Antonioni constrói uma história que, lentamente, revela o quão próximas cada uma delas se encontra da situação de Rosetta. De início, a garota que tentara o suicídio é tratada com certo desdém por parte de Momina e Mariella, mas isso vai se apagando ao longo da projeção, que utiliza esse acontecimento como força motriz de sua narrativa, explicitando o pensamento superficial de certas personagens, além de revelar como os homens à sua volta são extremamente parecidos uns com os outros – aliás, isso se estende para suas aparências físicas, fator que, intencional ou não, dialoga diretamente com a trama.

O que mais chama atenção em As Amigas é como seu diretor sabe lidar com essas questões aproveitando cada uma de suas personagens. Claro que algumas são melhor desenvolvidas que outras, as quais, por sua vez, atuam mais como apoio narrativo. Isso, porém, não prejudica em momento algum a obra, que nos impressiona por saber transitar de personagem em personagem de maneira fluida, sempre levando a trama para a frente através das interações entre os diversos personagens. Antonioni não tem medo de colocar diversas delas em tela ao mesmo tempo, jamais tornando a experiência confusa, sabendo, precisamente, quando uma ou outra deve sair de cena, criando, assim, sequências dinâmicas, mesmo com a utilização de planos mais longos, com os cortes sendo substituídos por fluidos movimentos de câmera, acompanhando os personagens, somente parando poucos instantes antes das transições de plano.

Evidente que esse fator não somente contribui para nossa apreciação da bela mise-en-scène, como valoriza o trabalho de cada atriz presente em tela, em especial Valentina Cortese, quem, de início, soa um tanto quanto deixada de lado, mas, conforme a trama progride, vai ganhando mais espaço, notavelmente após determinado ponto de virada, que abala a relação entre essas amigas. Aliás, é importante notar o realismo dessas amizades, que soam como se realmente existissem, nos passando a impressão que, de fato, estamos diante de um recorte da vida dessas mulheres, ao passo que podemos claramente imaginar o antes e depois de cada um dos indivíduos mostrados no longa-metragem.

Com esse real retrato da vida de cinco mulheres, As Amigas nos cativa do início ao fim, seja pela relação entre elas ou pela forma como suas visões sobre a vida vão sendo expostas ao longo da projeção. Habilidoso em criar sequências dinâmicas, com personagens entrando e saindo de cena, utilizando planos longos e engajantes, Michelangelo Antonioni novamente nos entrega uma obra irretocável, que, mesmo se passando há mais de sessenta anos, mantém-se atual até os dias de hoje.

As Amigas (Le Amiche) — Itália, 1955
Direção:
 Michelangelo Antonioni
Roteiro: Suso Cecchi D’Amico, Michelangelo Antonioni, Alba De Cespedes (baseado no livro de Cesare Pavese)
Elenco: Eleonora Rossi Drago, Yvonne Furneaux, Madeleine Fischer, Anna Maria Pancani, Valentina Cortese, Gabriele Ferzetti, Franco Fabrizi, Ettore Manni
Duração: 104 min.

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