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Crítica | As Aventuras de Ichabod e Sr. Sapo (Dois Sujeitos Fabulosos)

por Ritter Fan
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O 11º longa cinematográfico animado da Disney foi o último “filme-pacote” do estúdio, que voltaria ao formato que inaugurou com Branca de Neve e os Sete Anões logo no ano seguinte, com CinderelaAs Aventuras de Ichabod e Sr. Sapo ou, como era conhecido na origem, Dois Sujeitos Fabulosos, reúne dois curtas completamente diferentes, que adaptam obras de autores separados por um oceano: O Vento no Salgueiro, do escocês Kenneth Grahame e A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça, do americano Washington Irving.

A única conexão que existe entre os dois é forçada pela moldura narrativa em uma biblioteca que apresenta o Sr. Sapo primeiro, com narração original de Basil Rathbone e, depois, Ichabod Crane, com narração original de Bing Crosby. De resto, talvez o único ponto de convergência seja o exotismo – especialmente para os padrões atuais – dos dois protagonistas, o primeiro um milionário louco varrido e irresponsável viciado em adrenalina e, o segundo, um desengonçado e medroso professor que só pensa em comer e cortejar Katrina, a bela filha do ricaço local.

Em O Vento no Salgueiro, J.T. Sapo (Eric Blore) é acusado e condenado por um crime que não cometeu e, ajudado por seu cavalo Cirilo (J. Pat O’Malley), foge da prisão e se junta a seus amigos Verruga (Colin Campbell), Rato (Claude Allister) e MacBadger (Campbell Grant) para limpar seu nome. O inusitado da história é mesmo seu protagonista, retratado como um homem… digo, sapo sem limites, que não se preocupa com absolutamente nada, seja o bem-estar dos habitantes da região em que mora, seja sua própria vida. Além disso, ele é fútil e cheio de “manias” ou vícios momentâneos que variam selvagemente. Chega a ser corajoso a Disney retratar um personagem dessa natureza, com um sub-texto que o coloca como uma variante de um viciado em drogas que faz de tudo para “mais uma dose”, com um momento em particular em que ele “cheira” o escapamento de um carro e fica enlouquecido pelo bólido em quatro rodas.

E é por essa coragem que o curta prende a atenção do espectador, especialmente se ele já não conhecer o Sr. Sapo, provavelmente um dos personagens adaptados pelo estúdio menos conhecido do público em geral. Mas há mais aqui. Apesar da técnica de animação não deslumbrar como os longas originais, já que toda a estrutura dos “filmes-pacote” da década de 40 da Disney tem como objetivo justamente a economia, algo visto nos panos de fundo estáticos e na repetição de sequências, o curta apresenta um frenesi impressionante na sequência principal de ação na ex-mansão do Sr. Sapo, agora tomada de doninhas vilanescas (as mesmas que inspiraram as doninhas capangas do Juiz Doom de Uma Cilada para Roger Rabbit) que não só combina com o próprio Sr. Sapo, como demonstra que se houve economia em todo o restante, aqui a equipe de animadores teve orçamento liberado para fazer o que fazem de melhor.

O roteiro é simples, mas ele tem a vantagem de não se dobrar ao que se espera. Ele constrói um protagonista que não é exatamente agradável – apesar de simpático – e não aborda a ação de forma subserviente ao “estilo Disney”, o que por si só o destaca do restantes dos curtas que fazem parte dos “filmes-pacote”. Nem mesmo o final edificante e cheio de lições que se convencionou na Casa do Mickey Mouse está presente, mantendo a narrativa esperta e quase “corrompida”.

O mesmo, porém, não se pode dizer do segundo curta. A adaptação de A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça é narrado do começo ao fim por Crosby, já que Ichabod Crane não tem falas, e, quando Crosby não está falando, ouvimos “música narrativa”. Toda a transgressão que vemos em Sr. Sapo inexiste aqui, sendo substituída pela velha disputa entre o homem feio, mas jeitoso e o homem bonito, mas grosso, pela mão da beldade local, algo que, mais tarde, foi emulado em A Bela e a Fera com muito mais qualidade.

O filmete foca quase que exclusivamente nesse aspecto da história, deixando o Cavaleiro Sem Cabeça para os últimos cinco ou seis minutos, em uma escolha incompreensível do roteiro que poderia ter mergulhado no mistério e deixado o romance em segundo plano ou, pelo menos, menos saliente e quase sem objetivo narrativo algum, já que, por incrível que pareça, ele não impulsiona a história de verdade. Ou melhor, impulsiona a progressão do romance, mas não a inclusão um tanto perdida do Cavaleiro Sem Cabeça ao final, quase que como o roteiro tivesse se esquecido que era uma adaptação da obra clássica de Irving.

Sem dúvida alguma, porém, a musicalidade do curta é agradável, assim como a esquisitice de Ichabod. Quando o sobrenatural finalmente entra na história, a animação realmente ganha vida, com um design muito bom da floresta que remete à Branca de Neve e uma assombração realmente assustadora que, porém, é pouco aproveitada.

As Aventuras de Ichabod e Sr. Sapo, que realmente deveria se chamar Dois Sujeitos Fabulosos Esquisitos, é um filme desequilibrado em qualidade. O primeiro curta traz personagens bem mais interessantes e um desfecho bem mais corajoso do que a história mais “disneyficada” do segundo. É um pacote de filmes irregular, portanto, ainda que divirta.

As Aventuras de Ichabod e Sr. Sapo ou Dois Sujeitos Fabulosos (The Adventures of Ichabod and Mr. Toad, EUA – 1949)
Contendo: The Magnificent Mr. Toad ou The Wind in the Willows (O Vento no Salgueiro) e Ichabod Crane ou The Legend of Sleepy Hollow (A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça)
Direção: James Algar, Clyde Geronimi, Jack Kinney
Roteiro: Erdman Penner, Winston Hibler, Joe Rinaldi, Ted Sears, Homer Brightman, Harry Reeves (baseado no romance infantil de Kenneth Grahame e no conto de Washington Irving)
Elenco original: Bing Crosby, Basil Rathbone, Eric Blore, J. Pat O’Malley, John McLeish, Colin Campbell, Campbell Grant, Claude Allister, Pinto Colvig, Clarence Nash, Edmond Stevens, Leslie Dennison
Dublagem brasileira (anos 90): Jomery Pozzoli, Marcelo Coutinho, Cláudio Galvan, Orlando Drummond, Júlio Chaves, Mário Monjardim, Mauro Ramos
Duração: 68 min.

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