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Crítica | As Aventuras do Barão de Munchausen

por Kevin Rick
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Baseado nos clássicos contos do Barão de Munchausen, o filme de 1988 dirigido por Terry Gilliam, parte da sua “Trilogia da Imaginação”, foi uma das várias tentativas de adaptação do célebre personagem literário. Os contos originais acompanham as fantásticas aventuras do nosso querido Barão de Munchausen em ilhas de queijo, civilizações lunares e até mesmo ter as sobrancelhas chamuscadas pelo sol. Tornando-se um clássico da literatura europeia, o personagem alemão se transformou em sinônimo de aventura e criatividade comicamente exagerada no imaginário popular. E quem melhor para adaptar fantasia surreal misturada com sarcasmo do que o “pythonesco” cineasta Terry Gilliam?

Como de praxe, a abordagem do diretor se baseia largamente em sátiras e paródias, utilizando o fantástico para discutir o real. Terry entende como poucos o paralelo de fantasia e realidade, como no socialmente crítico Brazil ou então na hilária destruição do sonho infantil em Os Bandidos do Tempo, pois equilibra o seu conteúdo (sátira, humor negro e temáticas sociais) com a sua forma criativa (fantasia e surrealismo). Dessa forma, sua filmografia é em grande parte uma deliciosa experiência de alegorias e metáforas com a acidez do humor britânico mergulhada na sua estelar inventividade visual. 

Em As Aventuras do Barão de Munchausen, o autor não quebra o molde do paralelo, algo que, na verdade, é um dos alicerces estruturais e de prosa do livro, mas que no filme Terry trata da perspectiva do legado do personagem (Barão) e da desilusão do mundo adulto. O diretor é bastante explícito nesse sentido, iniciando a obra com a frase “A Era da Razão” em meio a uma guerra contra os turcos, e logo em seguida coloca “quarta-feira”, na representação de tirar sarro do racional tanto de conflitos estúpidos quanto da rotina – área extremamente abordada no humor britânico. Daí em diante, vemos uma estátua sem cabeça do Barão de Munchausen, como também uma peça em sua homenagem porcamente feita pela equipe teatral. Em meio a um cenário de guerra, bastidores teatrais, um burocrático (Jonathan Pryce) com desdém pela humanidade, etc, Terry coloca em foco o pragmatismo pessimista, a realidade derrotista e a falta de sonhos.

A própria entrada de Munchausen (John Neville, a personificação de carisma excêntrico) trabalha o argumento cético. O protagonista está velho e caduco, vivendo de histórias do passado. Uma lenda esquecida em um mundo cínico. O personagem até mesmo decide morrer para fugir da conformidade e racionalidade, mas então a confiança de uma criança, Sally (Sarah Polley), injeta ânimo no personagem. Em meio ao real, a imaginação infantil dá espaço para a fantasia; ela acredita na lenda. Desse momento em diante, Terry trabalha sua narrativa em torno da fantasia versus realidade, de maneira até maniqueísta eu diria, para criar seu testamento de imaginação artística.

A partir de um flashback explicando como Munchausen e seus companheiros deram início ao conflito com os turcos, o protagonista e sua companheira iniciam uma jornada para encontrar os antigos comparsas do Barão a fim de terminar a guerra. Assumindo uma estrutura próxima de contos, Terry Gilliam nos leva por uma fantástica viagem visual. Através de efeitos práticos espetaculares – bem mais gostosos de assistir que CGI, eu diria – e uma direção de arte onírica e coloridamente extravagante, para combinar com a personalidade do Barão, o cineasta cria seu próprio retrato de magia aventureira. De um navio navegando em águas cristalizadas que refletem as estrelas no caminho à Lua; um mundo mitológico com personagens dançando no ar; ou então personagens com superpoderes, a obra conquista e encanta com cada bloco diversificado em gênero.

Aliás, variação fantasiosa é a lei criativa de Terry Gilliam. A sequência na Lua tem uma pegada de realismo mágico com os tons de azul e branco tecnológico da civilização futurista, chefiada pelo Rei da Lua (Robin Williams), em uma pequena ponta caracteristicamente inesquecível do comediante, interpretando um personagem dividido entre cabeça (arrogante) e corpo (obsceno). Robin vai da soberba racional para a indecência corpórea em um instante, personificando muito bem a sátira científica e (i)moral de Terry, em mais contornos de misturar a fantasia para falar do real. Além disso, temos uma maravilhosa sequência do gênero super-heroico com personagens que têm super-velocidade, super-força e super-sentidos, e um bloco dedicado à presunção de deuses, em mais participações memoráveis de um carrancudo Oliver Reed e uma galante Uma Thurman.

Ademais, durante a aventura em blocos, o arco de lenda derrotada de Munchausen é carregado na sua dinâmica com os personagens, seja seus velhos amigos abandonados e ressentidos, ou a menina que fica relembrando o protagonista de que precisa retornar à realidade e parar uma guerra, situação esta que o personagem não deseja abarcar para se manter no mundo da fantasia. Ele nega o pragmatismo e o racionalismo, pois é um mundo que o nega. É muito interessante como esse discurso se mantém ao longo do fantástico como uma lembrança de que a aventura é temporária em vários diálogos pontuais e reações faciais sutis de Neville em negação. Além disso, a maquiagem do Barão é feita para simbolizar seu estado de espírito, jovem e cavalheiresco quando herói, e cheio de rugas, antigo e imemorial quando foca na sua realidade – o roteiro dá indícios desses momentos com a inserção da Morte na obra, mais uma forma de trazer a fantasia para tocar na vilanificada realidade em seu aspecto mais cruel: mortalidade; especialmente de uma lenda.

Infelizmente, nem tudo são flores. Em minha percepção, a estrutura da obra, pensando na decupagem e montagem, não funciona em sua proposta fragmentada como unidade geral, afinal, mesmo sendo um filme “episódico”, há um sentimento de continuidade de uma história geral, mas que se perde no contínuo fracionamento. O filme peca em transições narrativas de uma aventura a outra, e nem falo em sentido lógico, mas em encadeamento dramático e ritmo que vão ficando inexistentes na estrutura de “contos”. Ademais, não vejo a criatividade visual refletida na narrativa dos blocos, no qual, se por um lado as performances e a imagem encantam e divertem, o texto procura largamente desfechos infantis, que soam deslocados na proposta de fantasia direcionada a adultos.

Por fim, As Aventuras do Barão de Munchausen sofre de cadência e um ritmo aventureiro cansativo entre blocos, mas continua sendo um maravilhoso exemplo de um artista se divertindo com sua Arte. Terry Gilliam explora cada plano para idealizar sua visão da imaginação, do pitoresco e fascínio entre gêneros do fantástico (heróico, super-heróico, fantasia clássica, futurística, realismo mágico e mitológico). E claro, todo o subtexto irônico é desenvolvido com o característico sarcasmo inteligente do diretor, colocando em foco o paralelo entre fantasia e realidade para abordar as mazelas sociais da burocracia, guerras, rotina, cinismo, etc. O pragmático é tedioso frente a extravagância das aventuras do Barão de Munchausen. Uma ode à criatividade de contar histórias. 

As Aventuras do Barão de Munchausen (The Adventures of Baron Munchausen) – Reino Unido, 1988
Direção: Terry Gilliam
Roteiro: Terry Gilliam, Charles McKeown
Elenco: John Neville, Eric Idle, Sarah Polley, Oliver Reed, Uma Thurman, Jonathan Pryce, Valentina Cortese, Robin Williams, Charles McKeown, Jack Purvis, Peter Jeffrey, Alison Steadman, Bill Paterson, Winston Dennis
Duração: 126 min.

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