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Crítica | As Faces do Demônio

por Leonardo Campos
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Nós, os interessados em filmes sobre exorcismo e possessão, ficamos fascinados quando alguma narrativa voltada ao tema nos surpreende com a apresentação de uma boa narrativa, associada ao assertivo processo de manipulação da linguagem cinematográfica. Digo isso porque no âmbito de produção em questão, para cada uma história muito boa, há a enxurrada de conteúdos genéricos que até me levaram a questionar se os filmes de exorcismo ainda funcionam. Com o lançamento de As Faces do Demônio no ano passado, terror menos conhecido e massificado por causa da parca distribuição e exibição de produções em salas de cinema, haja vista o ainda atual cenário pandêmico que vivenciamos, pudemos nos divertir e admirar a cuidadosa elaboração de um filme de terror cheio de peculiaridades. O motivo? Acostumados com a dinâmica de espíritos vingativos e desenvolvimento não-linear dos enredos orientais de horror, é com alguma surpresa que contemplamos o cristianismo e um padre nesta aterrorizante trama sul-coreana sobre exorcismo, bastante próxima dos padrões estabelecidos em Hollywood. Aqui, temos um padre exorcista que questiona a sua fé e passa a buscar uma existência menos religiosamente calma, mas infelizmente, é levado a confrontar presenças demoníacas que insistem em causar estragos na vida de pessoas incautas. Ao leitor, o questionamento praticamente retórico: quantas produções assim você consegue catalogar?

Sob a direção de Hong-seon Kim, As Faces do Demônio nos apresenta a trajetória infeliz de Woo-jong (Kang-hoon Kim), um sacerdote que pratica um ato de exorcismo falho numa situação de seu passado recente. Após o suicídio da garota possuída, o jovem padre decide se afastar de todos e viver enclausurado numa região distante, atuando como professor para estudantes de um seminário católico. Um dos pontos mais emblemáticos do ritual que marcará para sempre a sua vida é a promessa da entidade maligna. Ela ressalta que num breve momento oportuno, voltará para transformar o seu cotidiano num caos. Se não for o dele, será a vida das pessoas que gravitam em torno de sua existência. É com esse mote que o filme se desenvolverá. O mal agora recairá sobre a família de Woo-jong, isto é, o lar de Gang-goo (Dang-il Sung), homem que se vê obrigado a mudar de casa depois da polêmica com o irmão sacerdote, novo rumo tomado juntamente com a esposa e as suas duas filhas, todos vítimas da força maligna em questão.

Na casa nova, o demônio do passado retorna e transforma cada dia desses indivíduos num perigoso jogo de sobrevivência. Interessante observar que a presença sobrenatural funciona como uma aparição metamorfoseada, tomando o corpo de cada um como receptáculo momentâneo para as suas maldades. Assim, não há em quem confiar detidamente e com a passagem entre corpos, torna-se complexo identificar o que é ação demoníaca e o que é de fato o comportamento das pessoas em suas respectivas “normalidades”. Desta forma, ao longo dos 113 minutos de As Faces do Demônio, contemplaremos o padre a voltar para o que considera o seu laço familiar mais próximo, na tentativa de ajudar aquelas pessoas inocentes a lidar com algo tão pesado e ludibriador, uma força macabra destinada a ceifar a vida de todos e ainda carregar as suas almas para as profundezas daquilo que a convenção chama de “inferno”. Sun-woo (Hye-jun Kim) é uma das sobrinhas do padre que perceberá algo de errado logo nos primeiros momentos. É ela que possui ligação maior com o tio, elo que nos conecta entre a vida da família em outro lugar e o parente que busca se afastar para esquecer os traumas do passado recente.

Com trilha sonora pesada, repleta dos habituais sustos por meio de ferrões musicais (o jumpscare), direção de fotografia e design de produção habilidosos, somados ao eficiente trabalho de maquiagem, assinado por Rowena Antonette Villaseñor, As Faces do Demônio capricha nos corpos retorcidos, no sangue que jorra vertiginosamente, nos restos mortais de animais cultuados por um macabro vizinho satanista, um dos tantos inconvenientes da nova morada. Competente em seu trabalho como diretor, Hong-seon Kim transforma as situações clichês em passagens memoráveis, em especial, a cena de ataque do pai, homem que transmite para as duas filhas o tom ideal de segurança para um momento tão chocante. Ao passo que ele se transforma numa aparente ameaça, a família adentra por um espiral de horror capaz de fazer qualquer um menos resiliente se entregar completamente e se deixar levar pelas forças malignas, tendo em vista livrar-se de tanto tormento. Excelente em seu desenvolvimento técnico, não podemos dizer o mesmo dos pontos dramáticos. Indeciso em muitos momentos, o filme se perde na tentativa de criar complexidade narrativa. Há muitas idas e vindas que atrapalham a produção que não precisava desse recurso para se apresentar autêntica para o seu público. O excesso de voltas e reviravoltas, no final das contas, descamba para o lugar comum. Ato falho. Perdoável.

As Faces do Demônio (Byeonshin – Estados Unidos, 2020)
Direção: Hong-seon Kim
Roteiro: Hong-seon Kim
Elenco: Sung-Woo Bae, Dong-il Sung, Jang Young-Nam, Hye-jun Kim, Yi-Hyun Cho, Kang-Hoon Kim, Jeon Mi Do, Se-hee Kim, Kwi-seon Kim, Dae-han Ji, Archi Adamos, Mary Joy L. Aparte, Yun-shik Baek, Jef Flores, Ronnie Henares
Duração: 113 min.

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