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Crítica | As Memórias de Marnie

por Ritter Fan
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Quando As Memórias de Marnie foi lançado, o longa deixou um gosto agridoce na boca e lágrimas nos olhos de muita gente. Afinal, ele veio a reboque do surpreendentemente anúncio, então não completamente confirmado, de que o longa seria a última produção do Estúdio Ghibli, depois da saída de Hayao Myiazaki e do subsequente anúncio de que as produções seriam momentaneamente encerradas. Felizmente, o mestre voltou atrás em sua aposentadoria e as produções continuaram, ainda que o intervalo entre As Memórias de Marnie e a seguinte tenha sido significativo e, confesso, um pouco assustador.

Mas, se o longa fosse mesmo a despedida do Estúdio Ghibli, ela teria ficado em ótimas mãos. Hiromasa Yonebayashi, que trabalhara como animador por lá desde 1997 e foi responsável por O Mundo dos Pequeninos, entregou uma belíssima ode à família e à amizade que chega a lembrar a inocência e mágica de Meu Amigo Totoro. Talvez não seja a obra-prima que nos acostumamos a ver saindo do estúdio, mas certamente é uma animação de encher os olhos por sua simplicidade lírica.

Baseado no romance sessentista When Marnie Was There da britânica Joan G. Robinson, o filme nos conta a história da menina Anna (Sara Takatsuki) que é mandada por sua amorosa “titia” Yoriko (Nanako Matsushima) passar o verão com Setsu e Kiyomasa Oiwa (Toshie Negishi e Susumu Terajima) em Kushiro, vilarejo a beira-mar onde moram. É que Anna, que vive em seu mundo muito particular, infeliz e agarrada a seu bloco de desenho, sofre de asma e precisa do ar puro para melhorar. Lá, ela conhece uma garota loira de cabelos esvoaçantes chamada Marnie (Kasumi Arimura), que mora em uma impressionante mansão semiabandonada em uma espécie de pântano de água salgada não muito longe da casa dos Oiwa.

Aos poucos, essa relação de amizade vai revelando mais sobre o passado de Anna e o porquê de ela ser tão fechada, ao passo que começamos a perceber que Marnie pode ser apenas fruto de sua imaginação. O importante, porém, é a jornada de autoconhecimento de Anna, que se vê diante de situações que a forçam a olhar para dentro de si mesma e entender o mundo dos adultos ao seu redor, quem ela é exatamente, por que ela reconhece a mansão onde Marnie mora e qual é a razão de seu ressentimento em relação a Yoriko. Em muitos momentos, a história funde realidade com sonho de maneira orgânica e original, fazendo com que a narrativa avance de maneira fluida por algo como dois terços da projeção.

No terço final, porém, o roteiro sobrecarrega na exposição e banaliza o mistério sobre o passado de Anna e quem exatamente é Marnie. Tudo é explicado em detalhes e de forma corrida, com uma quantidade grande de informações que não fluem naturalmente do que vimos antes. É como se a obra precisasse ser encerrada às pressas, o que leva à quebra do ritmo lento, mas cadenciado, que havia sido usado até então.

E talvez essa impressão de pressa ironicamente reflita a situação pela qual o próprio Estúdio Ghibli passava à época da produção. É quase possível visualizar as luzes sendo apagadas e Yonebayashi e suas equipe de animadores correndo contra o tempo para fechar a história antes de serem expulsos do estabelecimento.

No entanto, mesmo com um terço final que sofre pela velocidade em que as revelações são feitas, o mérito geral da obra não é perdido. A bela história de amadurecimento de Anna permanece lá, intacta, e emocionará o espectador com um trabalho de animação manual que não é menos do que espetacular em termos de expressões faciais combinada com um trabalho de voz de Sara Takatsuki que transmite perfeitamente a emoção e confusão da personagem.

Há que ficar claro, porém, que o destaque à animação de As Memórias de Marnie não se resume às expressões dos rostos dos personagens. O filme todo é uma obra de arte em movimento, com lindos efeitos na vegetação local e no mar, além de cores esmaecidas que amplificam a sensação de que estamos observando, de queixo caído, uma coleção de quadros em um museu.

Ainda bem que o Estúdio Ghibli continua razoavelmente firme e forte, mas As Memórias de Marnie não teria sido um encerramento indigno deste grande estúdio de animação. Assim como diversas obras anteriores, o longa com certeza marcará os corações de quem o assistir.

Obs: Crítica originalmente publicada em 19 de novembro de 2015, quando do lançamento do filme Brasil. Texto revisado e ampliado para republicação em 09 de junho de 2021, como parte do Especial Estúdio Ghibli.

As Memórias de Marnie (Omoide no Mânî/When Marnie Was There – Japão, 2014)
Direção: Hiromasa Yonebayashi
Roteiro: Keiko Niwa, Masashi Ando, Hiromasa Yonebayashi (baseado em romance de Joan G. Robinson)
Elenco (vozes originais): Sara Takatsuki, Kasumi Arimura, Nanako Matsushima, Susumu Terajima, Toshie Negishi, Ryôko Moriyama, Kazuko Yoshiyuki, Hitomi Kuroki
Duração: 103 min.

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