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Crítica | As Múmias e o Anel Perdido

A egiptomania sem Egito, apenas mania europeia.

por Davi Lima
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Múmias

I’m Today Yesterday’s Tomorrow
I’m Today the time you borrowed
I’m Today the stars align don’t pass me by

Essa música original de As Múmias e o Anel Perdido chamada “I Am Today”, cantada pela protagonista Nefer (provavelmente uma referência a rainha egípcia Nefertiti), diz muito sobre os desejos dos personagens do filme pelo prestígio que o tempo mutável pode dar, diferente da sociedade antiga do Egito que buscava o Além, pós-morte, como um universo que não houvesse ação do tempo. Essa animação europeia recria a dinâmica de vários filmes que tentam formular uma história com uma alternativa para o seguinte conflito: e se for chato viver o para sempre, seja ser imortal, sem envelhecer, ou sem perceber o tempo? Nefer (Eleanor Tomlinson), Thut (Joe Thomas) e Sekhem (Santiago Winder), os personagens mumificados, saem do Além atemporal egípcio – mundo das múmias – querendo viver essa alternativa, mas com conflitos tão infrutíferos para a narrativa como correr atrás de vento.

Essa produção da Warner Bros. España, recente projeto de investimento no cinema espanhol em associação com Astramedia Cine, se demonstra uma animação ruim por focar apenas em produzir um longa-metragem nessa nova parceria para o cinema do que pensar numa produção criativa de fato. Não que a produtora parceira da Warner, a 4 Cats Pictures, tenha um bom histórico de recepção geral com animações, como nas aventuras arqueológicas de Tadeu Jones e o filme Capture the Flag. Porém, quando há esse intuito único de produzir, mesmo com ideias boas para uma história, o filme se torna frouxo em questões básicas.

A básica história de Nefer e Thut, duas múmias com vidas de sucesso no universo do Além, tem as bases boas para nos identificarmos com a monotonia que nossa mente pode criar sobre um mundo sem mudanças, tudo igual, sem tempo, sem clímax. Tudo também é baseado no destino, em que o casamento de Nefer é destinado por uma fênix, que escolhe seu esposo. Mas um casamento arranjado, ou acidentalmente trapaceado por uma criança – Sekhem, irmão de Thut, o público alvo do filme – coloca um romance improvável entre as duas múmias. Ou seja, a introdução de As Múmias e o Anel Perdido tem um conflito romântico e clássico de casamento, e ainda tem momento musical. No entanto, os conflitos individuais do casal são tão pouco desenvolvidos, o que fragiliza até mesmo o vilão caricatural Lord Carnaby.

O vilão arqueólogo, ou empresário de Egiptomania (nome dado também a midiatização da cultura egípcia ao bel prazer e interpretação) é outra boa base para o filme, pois é exatamente esses tipos de personagens na vida real que retomam as discussões sobre o Além egípcio, e ajudam as pessoas a pensarem se seria tão bom assim viver eternamente sem ação do tempo. Com a caricatura do bigode, a roupa de arqueólogo militar do século XIX e o “filhinho da mamãe” para sua riqueza, Carnaby é agudo em desafiar os protagonistas e criar a justificativa para o casal se aventurarem juntos no Reino Unido em busca do anel de noivado roubado. Ironicamente, o roteiro tanto sabe sobre cultura egípcia do Além quanto provavelmente entende que foi no Reino Unido que começou a Egiptomania no século XIX, Era Vitoriana, e muito do que aprendemos sobre Egito é baseado no que os ingleses interpretaram para nós. Sim, a animação sabe sobre o que está produzindo, mas não sabe produzir drama.

Não que o filme necessite ser dramático para ser bom, mas mediante conflitos, o drama, ou a comédia, são a fonte de emoções que a narrativa almeja para nós que assistimos o filme. A comédia de As Múmias e o Anel Perdido é o simples contraste de mundos – o Além do Egito Antigo e a Londres contemporânea -, com algumas cenas inspiradas, especialmente envolvendo carros, luz azul e uma ópera. Mas o drama, que rege as motivações dos protagonistas, parecem desaparecer, sem um motivo muito forte. Além disso, os momentos dramáticos que visualmente são elaborados, além do texto, envolvem comédia, seja na ópera, seja no museu – fruto da egiptomania, fruto do contexto vilanesco e social do Reino Unido.

O drama de Nefer de alcançar seu sonho musical, de viver o presente pleno, de ver as mudanças do tempo, como canta na música existe. Thut descobre junto com ela que realmente é bom compreender essa dinâmica do tempo, especialmente quanto ao seu trauma como corredor de bigas – que o faz famoso no Além. Entretanto, esse sonho narrativo é dispensado, como um filme que alcança seu auge mas não sabe tratar dele. As decisões do diretor Juan Jesús García Galocha podem até fazer uma quebra de expectativa mais conservadora, ou tentar mostrar uma alternativa a alternativa que move os desejos de Nefer. Mas tudo isso é anticlimático, sem fruto de uma reviravolta. Realmente parece que assistimos o filme correndo atrás de vento.

Enfim, essa animação é como uma Egiptomania que volta ao Egito sem saber muito sobre o Egito, apenas sobre a mania Europeia de utilizar a cultura egípcia para pensar sobre a vida e o tempo. Essa produção da Warner pode até ganhar dinheiro com o público e mostrar que o cinema espanhol tem capacidade de modelar personagens 3D com delineados 2D, mas não impondo qualidade narrativa, de nada adianta. 4 Cats Productions continua ainda na fase de teste para sua animações desse jeito.

As Múmias e o Anel Perdido (Mummies) – EUA, Espanha | 2023
Direção: Juan Jesús García Galocha
Roteiro: Jordi Gasull, Javier López Barreira
Elenco: Sean Bean, Joe Thomas, Eleanor Tomlinson, Santiago Winder, Hugh Bonneville, Celia Imrie, Dan Starkey, Shakka
Duração: 88 minutos

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