Escrevo a presente crítica já de má vontade com o fato de o que eu achava que seria uma minissérie – tinha tudo para ser uma minissérie! – agora foi transformada em série, com o anúncio de sua renovação para mais uma temporada. Minisséries muito melhores tiveram seu impacto reduzido com essa estratégia na base do dinheiro fácil – vide Big Little Lies e The White Lotus -, pelo que chega a ser inacreditável que uma que nem é isso tudo, tenha ganhado sobrevida. Seja como for, As Quatro Estações do Ano, adaptação de filme homônimo de 1981 escrito, dirigido e estrelado por Alan Alda, que faz uma ponta aqui, gira em torno dos quatro encontros anuais, um em cada estação, que três casais de amigos promovem já há algum tempo, como parte de uma tradição. O gatilho narrativo, porém, é o anúncio de que um dos casais, que está junto há 25 anos, se separará.
O conceito temporal do clássico filme de Alda, inspirado pelos quatro famosos concertos para violino compostos por Vivaldi, é muito interessante e bem conduzido pelo ator em seu terceiro trabalho de direção em longas-metragens e primeiro cinematográfico, com a adaptação desenvolvida por Tina Fey, Lang Fisher e Tracey Wigfield esticando a narrativa, atualizando a história, introduzindo novos elementos e trabalhando uma dinâmica afeita ao novo formato. Essa passagem de filme para ex-minissérie é eficiente, ainda que todo o drama iniciado pela separação de um dos casais seja convertido muito mais em uma sucessão de esquetes de humor leve do que algo que tenha realmente fundo dramático ou qualquer tipo de profundidade. Afinal, casais novos ou longevos, não interessa, passam por problemas e isso não é novidade alguma, mas As Quatro Estações do Ano de Fey e companhia trata tudo com um grau de inocência que incomoda quem procura algo minimamente mais significativo. Pensando em retrospecto, talvez tenha sido essa “qualidade” da obra que a tenha levado ao sucesso que desaguou em sua renovação, pois qualquer coisa mais densa, hoje em dia, é logo recebida com reticências e muita má vontade.
Mas a temporada inaugural está longe de ser ruim, vejam bem. Sua simplicidade talvez seja seu trunfo, pois a falta de uma âncora dramática mais profunda e desenvolvida com afinco abre espaço para um elenco muito bem escolhido, que se mostra inspirado. O casal que se separa é formado por Nick (Steve Carell) e Anne (Kerri Kenney-Silver), enquanto que o casal em tese mais centrado é Jack (Will Forte) e Kate (Fey), com a trinca sendo fechada por Danny (Colman Domingo) e Claude (Marco Calvani), que têm um casamento aberto. Não demora e Ginny (Erika Henningsen), namorada de 30 e poucos anos de Nick, entra nesse meio como uma chave inglesa jogada em uma engrenagem, servindo como ponto principal de atenção e comentários ao longo dos seis episódios que seguem os dois primeiros focado no anúncio da separação, com cada dupla de capítulos cobrindo uma estação do ano.
O que faz o elenco funcionar para além do usual ótimo trabalho de Domingo, da surpreendentemente adulta atuação de Carell, da enternecedora abordagem de Kenney-Silver e dos três tipos bem diferentes de humor de Fey, Forte e Calvani, é a facilidade como eles se relacionam juntos ou separadamente, sejam na forma dos casais casados, seja na “troca”, em que um busca o abrigo na confidência de outro que não seja o seu parceiro. Por outro lado, é essa estrutura que o roteiro privilegia que cria uma estrutura fragmentária para a temporada, com problemas localizados que são, então, abordados por diferentes personagens, seja a questão coronária de Danny, a boa-mocice de Jack, a nova forma como Nick encara a vida e, claro, a depressão de Anne. É tudo muito simpático, não tenham dúvida, mas é também tudo muito conveniente e fácil, com o humor servindo mais como distração do que como forma de fazer as narrativas convergirem de verdade.
Além disso, tenho para mim que a forma como Danny e Claude são construídos parece-me algo que obedece cada linha do Manual dos Estereótipos Gays, algo que me incomodou. Afinal, no imaginário popular de outrora (mas também de hoje em dia), o casal gay tem “o homem e a mulher”, normalmente coincidindo com o homem que “parece homem” e o “homem que gesticula e dá gritinhos”, tem a ideia de que gays são sempre sexualmente liberais, que um é extremamente preocupado com o outro ao ponto da obsessão, que o “homem sensível” do casal fica chateado, faz biquinho e chora por qualquer coisa e assim por diante. Tudo isso e mais está presente na temporada e, mesmo que Domingo e Calvani acertem na mosca nessas caracterizações arquetípicas, fato é que o roteiro parece ter retirado toda e qualquer “normalidade” dessa relação, o que não me parece inteiramente saudável, mesmo que o destaque dado a eles sem dúvida seja.
As Quatro Estações do Ano, que deveria ter permanecido como minissérie mesmo, é uma simpatia passageira que parece ser uma versão “para leigos” sobre relacionamentos entre casais, com cada situação e cada problema sendo desenvolvido e resolvido na forma que aqueles livros de autoajuda que são vendidos às toneladas (juntamente com os livros de colorir para “adultos”) tratam de tudo: com bordões, listas simplificadas do que fazer ou do que não fazer e frases de efeito. A vantagem da série é que o elenco se supera grande parte do tempo e mantém a adaptação fresca o suficiente para justificar seus oito episódios, mas só mesmo esses oito. Tomara que Tina Fey, agora que tem a renovação em mãos, saiba criar algo um pouco menos básico para a vindoura segunda temporada.
As Quatro Estações do Ano – 1ª Temporada (The Four Seasons – EUA, 1º de maio de 2025)
Desenvolvimento: Tina Fey, Lang Fisher, Tracey Wigfield (baseado em filme com roteiro e direção de Alan Alda)
Direção: Robert Pulcini, Shari Springer Berman, Oz Rodriguez, Jeff Richmond, Colman Domingo, Lang Fisher
Roteiro: Tina Fey, Lang Fisher, Tracey Wigfield, Josh Siegal, Dylan Morgan, Vali Chandrasekaran, Matt Whitaker, John Riggi, Lisa Muse Bryant
Elenco: Steve Carell, Colman Domingo, Tina Fey, Will Forte, Kerri Kenney-Silver, Marco Calvani, Erika Henningsen, Julia Lester, Alan Alda, Ashlyn Maddox, Jacob Buckenmyer, Toby Huss, Tommy Do, Taylor Ortega, Simone Recasner, Chloe Troast, Cole Tristan Murphy, Jack Gore
Duração: 253 min. (oito episódios)