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Crítica | As Sereias (2003)

Uma aventura sobre luto, família e sobrevivência do "outro".

por Leonardo Campos
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Como já mencionado em outros textos sobre o universo das sereias, tais como as análises das séries Tidelands e Siren, além dos diversos filmes que abordagem estas criaturas mitológicas, a presença da imagem de uma mulher metade peixe, conhecida por ser parte dos contos folclóricos alegóricos sobre vaidade, pecado e luxúria, é vasta e espalha-se como um rizoma nas culturas mais diversas ao longo da história da humanidade. Na cultura oriental, tornam-se presentes através da deusa Dea Syria. Mami Wata é o espírito belo e protecionista do “Atlântico Negro”. Para os angolanos, Kianda é a sereia venerada por meio de oferendas e personagem importante do livro O Silêncio de Kianda, de formidável Pepetela, um dos grandes escritores de sua época. Na Cornualha, a sereia de Zennor é um mito forte, narrado numa estrutura muito semelhante ao que encontramos sobre tais criaturas misteriosas ao redor do planeta: uma sereia se apaixonou por um rapaz e o atraiu para o mar, levando-o para as profundezas. No Brasil, temos a lenda de Iara, sereia do rio Amazonas, além de uma versão litorânea presente nas praias de Torres, no Rio Grande do Sul. É um imaginário vasto, devidamente contemplado com graça em As Sereias, produção para o formato televisivo lançada nos primeiros anos da década de 2000.

A câmera submersa da direção de fotografia de John Stokes lembra Tubarão nas primeiras cenas, com um passeio subjetivo aquático, representativo, no entanto, de um ser bem diferente da criatura feroz e assassina do clássico moderno de Spielberg. Aqui, temos o olhar de uma sereia, criatura mitológica que protagoniza o filme em questão. Sob a direção de Ian Barry, cineasta guiado pelo roteiro de Daniel Cerone, acompanhamos ao longo dos 84 minutos do telefilme As Sereias, a trajetória de três irmãs que sentem a necessidade de fazer justiça ao assassinato do pai, morto por um pescador asqueroso.  O trio é formado por Diana (Erika Heynatz), Venus (Nikita Ager) e Juno (Sarah Laine), sereias que podem desistir da vida marítima para se tornarem humanas, caso se apaixonem e encontrem o “amor puro” em sua experiência. Para a transformação, elas não precisam apenas se molhar, é preciso estar mergulhada ou bastante encharcada para se tornar metade mulher e metade peixe. Sensuais, mas sem o toque sexual geralmente esperado para este tipo de narrativa, as personagens são parte de um projeto que se iniciou como série de TV, mas ficou apenas nesse piloto, veiculado como telefilme e também distribuído em DVD.

O filme se equilibra na saga das três sereias de comportamentos distintos, mas complementares. Diana é a irmã mais velha, uma seguidora fiel das tradições do universo dos tritões e sereias. Com temperamento forte, ela odeia os humanos e resolve estabelecer uma guerra com a morte de seu pai. Destemida e sagaz, seu poder ganha maiores dimensões com o pente que a ajuda na emissão de um grito supersônico ensurdecedor. Ela não se dá muito bem com Juno, a espevitada irmã mais nova, jovem que também nunca teve uma boa relação com o pai assassinado. Seu espelho é o seu objeto de poder, utensílio que lhe permite ver o passado e vislumbrar o futuro. Capaz de utilizar o canto para se comunicar com os animais, ela está na superfície há mais tempo que as outras e trabalha num Parque Aquático que será parte do cenário dos momentos mais agitados da narrativa. Carismática, a jovem sereia é a responsável pelos trechos mais divertidos do filme. Venus completa o painel das irmãs, a do meio, mais neutra e observadora, guiada pelos dois eixos, isto é, o da mais velha e o da mais nova. Seu poder é a telecinese, mas também é capaz de hipnotizar com o canto. Um dos grandes conflitos envolvendo seu personagem na trama é o roubo de seu objeto de poder, tomado por Malick (Sam Taylor), o vilão dono de um bar, outro ponto cenográfico constante no desenvolvimento da história.

Lançado em 2003, As Sereias é uma aventura leve, básica no que tange aos seus requisitos estéticos e com algumas discussões superficiais sobre luto, família e relacionamentos humanos. No que diz respeito ao luto, flerta com a forma como as pessoas enfrentam de maneira diferentes algo em torno do mesmo problema, neste caso, os estágios de cada irmã sereia ao perder o pai tritão. Há ainda espaço para Beth, uma sereia escravizada, e o vilão, como já esperado, comporta-se de maneira arquetípica, sendo aquele cara maléfico em todos os aspectos possíveis, o “cara” da pesca ilegal na região. Ademais, para atender aos anseios da demanda audiovisual de entretenimento, a produção conta com a emotiva trilha sonora de Roger Manson, tendo ainda algum destaque nos figurinos de Stewart Burnside, setor que ajuda no desenvolvimento dos aspectos visuais das sereias transformadas, conteúdo convincente, finalizado pelo setor de efeitos visuais supervisionado por Trevor Hawkins. Dinâmica e bem animada, a aventura sobre esse trio de sereias irmãs é uma narrativa dramaticamente média e divertidamente grandiosa.

As Sereias (Mermaids) — EUA, 2003
Direção: Ian Barry
Roteiro: Brent V. Friedman, Rebecca Swanson, Daniel Cerone
Elenco: Serah D’Laine, Nikita Ager, Erika Heynatz, Daniel Frederiksen, Sean Taylor, Jason Chong, Geneviève Lemon, Brittany Byrnes
Duração: 84 min.

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