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Crítica | As Veias do Mundo

por Kevin Rick
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O quarto filme da diretora Byambasuren Davaa, As Veias do Mundo, conta a história de Amra (Bat-Ireedui Batmunkh), um menino de 12 anos, que mora nas estepes da Mongólia, junto de seu pai Erdene (Yalalt Namsrai), e sua mãe Zaya (Enerel Tumen), que trabalha como vendedora de queijo. Enquanto Erdene tenta defender sua família contra as empresas de mineração que se aproximam, que já ofereceram uma pequena compensação por suas terras, Amra está bastante animado, pois seu professor anunciou que o júri de Mongolia’s Got Talent virá para sua cidade e o menino está ansioso para participar. Seu pai, no entanto, tem assuntos diferentes em sua mente, especialmente porque os outros fazendeiros o escolheram como seu representante, contra a vontade de sua esposa Zaya, que pediu várias vezes ao marido para aceitar o dinheiro antes que a família acabe sem nada. Em meio a essas situações, acontece um acidente que mudará para sempre a vida de Amra.

Na Mongólia, assim como em outras partes do mundo, o efeito da mineração global de recursos é bastante severo, mudando o curso dos rios, se não esgotando-os completamente, enquanto ao mesmo tempo tira as fundações das pessoas, com certas tribos nômades forçadas a se mudar e aceitar uma pequena compensação pela terra onde viveram por tantas gerações. A cineasta usa o drama familiar de Amra para abordar esse tema ecológico contemporâneo, enquanto constrói a narrativa do garoto em torno do dilema moral de manter as tradições do pai e das gerações passadas, ou sucumbir às corporações, para ajudar sua família.

Considerando que o roteiro de Davaa foca na menor unidade social, a família, sua característica demonstra a corrosão social como resultado das dificuldades econômicas e da exploração das empresas de mineração. Especialmente as discussões entre Erdene e Zaya enfatizam como esses eventos ameaçam minar os alicerces de seu relacionamento e de seu amor. Isso também fica exposto na canção de Amra para a competição, sobre um conto folclórico antigo sobre uma terra dourada que reflete seu vínculo com o pai. A ideia da terra dourada dos tempos antigos consistindo em veias pode ser vista como um contraste quase utópico com sua realidade, em que os laços entre as pessoas e a terra foram destruídos ou rompidos em nome da ganância e do egoísmo. Mesmo a comunidade dos nômades em grande parte desistiu devido à grande pressão da empresa, aceitando qualquer compensação que lhes foi oferecida ou, em alguns casos, decidiu colaborar com os mineiros.

O fato da diretora ter dois documentários em seu currículo fica bem claro na fita, com toda a estética do gênero espalhada no filme. Por exemplo, as lindas fotos de paisagens que permeiam o longa constantemente, e a cinematografia de Talal Khoury, que demonstra o nível de exploração e destruição usando imagens frequentes da terra, suas “veias” expostas por máquinas pesadas e cortadas. Esse cunho documentarista de Davaa é refletido também na estrutura narrativa, que segue o molde de exposição inicial do problema temático em questão para em seguida adentrar em suas ramificações para as pessoas prejudicadas e, no fim, deixar a reflexão de suas consequências. Mas ao invés de usar entrevistas, ela criou uma história ficcional que engloba a realidade de muitas famílias mongóis. É interessante sua preferência por ficção nesse assunto considerando seus antigos projetos, mas essa escolha em suas mãos não esconde certas superficialidades em seu roteiro, que apesar de ser eficiente, cai na simplicidade, no arquétipo muitas vezes informacional de documentários. A mensagem de crítica às corporações é transposta com eficiência, e de forma emocionante sobre o olhar familiar, mas de um modo previsível. A típica trama do grande engolindo o pequeno.  

Escolher a perspectiva de Amra para contar a maior parte da história é uma jogada inteligente, acrescentando uma inocência infantil à narrativa ameaçada pela exploração da terra, somada a decisão moral entre orgulho e sobrevivência imposta nesses povos. Embora todos os membros do elenco façam um trabalho fantástico, Bat-Irredui Batmunkh como Amra merece um crédito especial por administrar o equilíbrio entre inocência, drama e tornar-se adulto.

Seu estilo documentarista torna a fita didática, e seu roteiro as vezes clichê simplifica demais o enredo, mas Byambasuren Davaa conta um belo e triste drama familiar envolto pelo luto e também por uma cultura ameaçada. Embora o público possa se maravilhar com a beleza da estepe, fica bem claro que essa paisagem, esse modo de vida, está em vias de extinção. As Veias do Mundo é um drama sobre a unidade do mundo e seu povo, e como a ganância veio para corroer essa ideia.

As Veias do Mundo (Die Adern der Welt) – Alemanha, Mongólia, 2020
Direção: Byambasuren Davaa
Roteiro: Byambasuren Davaa, Jiska Rickels
Elenco: Bat-Ireedui Batmunkh, Yalalt Namsrai, Enerel Tumen, Ariunbyamba Sukhee, Alimtsetseg Bolormaa
Duração: 96 min.

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