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Crítica | Assassímio (Hit-Monkey) – 1ª Temporada

O macaco tá certo!

por Ritter Fan
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Os esforços finais da finada Marvel Television – Helstrom, M.O.D.O.K. e, agora, Assassímio – são a prova concreta de que a toda-poderosa Marvel Studios simplesmente precisa parar de focar exclusivamente em material para todas as idades e criar nem que seja uma subdivisão, como acontece nos quadrinhos, dedicada a séries e filmes de teor mais adulto ou, no mínimo dos mínimos, menos infantil. Helstrom não foi uma maravilha, concordo, mas mostrou potencial e serve como a semente para a exploração de um lado sobrenatural mais sombrio e pesado. M.O.D.O.K., em toda sua glória em stop-motion, é ouro puro em termos de abordagem repleta de humor ácido, com pitadas de melancolia e saudáveis doses de violência e Assassímio… bem, Assassímio é Deadpool só que com  um macaco-japonês (aquele de pelo branco e rosto vermelho que já vimos diversas vezes em imagens da National Geographic tomando banho em fontes termais), ou seja, é muito melhor do que Deadpool jamais poderia ser.

Criado por Daniel Way e Dalibor Talajić em um one-shot de 2010, seguido de um crossover com o Homem-Aranha e Deadpool e, depois, uma minissérie que expande a origem que vemos no referido one-shot (leiam, aqui, as críticas dessas três HQs), o Assassímio é bem isso que eu descrevi logo antes, ou seja, um macaco de pelos brancos e rosto avermelhado que, depois de testemunhar a chacina de seu clã por vilões que caçam um assassino de aluguel “adotado” por seus pares, parte para uma longa e sanguinolenta jornada de vingança. Nos quadrinhos, não há muita sutileza e o personagem é assim mesmo, completamente unidimensional, ainda que seus criadores tenham se mantido fieis a dois princípios: Assassímio não fala, a não ser em macaquês, e ele não tem poderes especiais, a não ser habilidades particularmente mortais de manuseio das mais variadas armas.

E esses princípios são mantidos na adaptação audiovisual comandada por Will Speck e Josh Gordon. No entanto, como a unidimensionalidade do personagem nos quadrinhos não seria sustentável por mais do que um ou dois pouco ambiciosos episódios, os showrunners se dedicaram a criar mais camadas para o macaco, revelando sua hesitação em abraçar sem limites e sem um código sua vingança, o que o contrapõe ao fantasma esverdeado de Bryce Fowler, o assassino de aluguel que a tribo do Assassímio acha muito ferido e cuida, levando ao seu extermínio. De um lado, temos um matador em formação e, do outro, um matador experiente e completamente frio em relação a tudo o que faz e vê, com a progressão narrativa, aos poucos, levando os dois a crescer e, então, a convergir.

A história macro de vingança é pareada com tudo o que decorre do assassinato, por Bryce, do candidato progressista a Primeiro Ministro do Japão Ken Takahara, que serve de gatilho para toda a história e para o mistério do tipo whodunit que permeia todos os 10 episódios da temporada (àqueles que se preocuparem em a série não ser eventualmente renovada, o que infelizmente acho que é o que vai acontecer, é importante lembrar que a história principal tem começo, meio e fim aqui, sem que haja necessidade premente de continuação). Isso permite a atração de uma constelação de personagens coadjuvantes que ajudam a dar estofo à narrativa. Temos, de um lado, a dupla policial clichê composta pelo veterano, mas desgraçado Ito (Nobi Nakanishi) e pela novata Haruka (Ally Maki) investigando os misteriosos assassinatos de mafiosos que começam a ocorrer em Tóquio e, de outro, Shinji Yokohama (George Takei), que substitui Ken na corrida ao cargo político e sua sobrinha e chefe de campanha Akiko Yokohama (Olivia Munn) que estabelece uma conexão com o macaco assassino.

Mas o que realmente merece destaque, o que realmente faz da série o que ela é, é mesmo a relação entre o Assassímio (eu já disse que essa tradução para o português é fenomenal?), com voz do veteraníssimo Fred Tatasciore, e Bryce, com voz do agora em destaque Jason Sudeikis. Para começar, ouvir Tatasciore fazer os sons do macaquês de Assassímio é um assombro de técnica de voz. Claro que não entendemos os detalhes e não há legendas para eles, mas é impressionante como o dublador consegue transmitir perfeitamente as mensagens, algo em que, claro, é ajudado na excelente animação da criatura. O relativo silêncio e economia de “palavras” do macaco são compensados pela metralhadora giratória imparável que é a verborragia constante de Jason Sudeikis excelente como o fantasma Bryce. Não só ele serve como a “tradução” do macaquês (ele entende a língua), como seus diálogos – ou seriam monólogos – são hilários com o cinismo e a frieza do assassino incorpóreo diante das mais horrorosas situações, quando uma senhorinha (mafiosa, verdade, mas mesmo assim uma senhorinha) é serrada ao meio, mas na longitude, pelo Assasssímio logo no começo da temporada.

E, apesar de falar pelo cotovelos, Bryce em momento algum é chato. Sim, ele é “um” chato, mas ele não é chato, se é que me entendem, com suas linhas de diálogo funcionando muito bem o tempo todo, especialmente quando ele começa a relembrar seu passado e entender quem exatamente ele se tornou e o porquê de suas ações serem erradas. Sou o primeiro a reconhecer que esse tipo de relativização da violência pode ser desapontador, mas a grande verdade é que essas epifanias pessoais – que acontecem com o Assassímio também, vale dizer – não reduzem a contagem de corpos ou a litragem de sangue na série e muito menos transformam assassinos em monges. Há um equilíbrio bem pensado em tudo o que é feito na temporada sem que se perca o foco tanto na violência quando no desenvolvimento de personagens.

O que menos me agradou na série foram as participações especiais de personagens do panteão da Marvel Comics. Com exceção da Mercenária (Reiko Aylesworth), que acaba sendo uma vilã realmente formidável e bem utilizada, o restante não agrega muita coisa e fica mais parecendo acenos à mitologia da editora para agradar esse ou aquele fã do que algo realmente necessário para a história sendo contada. E, como alguns desses personagens – não mencionarei seus nomes para não estragar “surpresas” – tem superpoderes, eles destoam talvez demais da conta da história principal e de seu protagonista para que eles se justifiquem fluidamente dentro da série. Não é um problema sério, que fique bem claro, já que são mesmo participações especiais (talvez o problema seja justamente esse, pensando bem…), mas fica aquele incômodo de eles estarem ali somente para cumprir uma função exógena à narrativa.

A animação é outro ponto alto da série. Nada de traços cansados ou “desanimações” como tenho visto muito por aí. Tudo em Assassímio é dinâmico e vivo, com uma miríade de influências técnicas e de estilo sendo fundidas em um todo coeso, cinético e muito bonito que evocam as tradições do país em que a ação sem passa, mas não se limitam a elas, criando uma espécie de “realismo mágico” que, sem solução de continuidade e sem causar estranhamento, troca sequências com o pé no chão por outras exageradas e quase surreais, como é o caso do torneio na prisão subterrânea.

Assassímio merecia continuar sua jornada em futuras temporadas. Mais do que isso, a série mostra que, mesmo considerando o enlouquecedor dilúvio de obras audiovisuais sendo derramadas quase que mensalmente pela Marvel Studios, deveria haver espaço para algumas mais fora da curva, que vão além do usual. A criação de um selo – como o Epic ou Max que a Marvel Comics já teve – seria no mínimo a garantia de obras sem os freios estabelecidos por uma escolha empresarial compreensível, mas que não deveria ser a única. Mas, mesmo que o Assassímio nunca retorne ao audiovisual para novas aventuras de extrema violência, sempre teremos Tóquio!

Assassímio – 1ª Temporada (Hit-Monkey – EUA, 17 de novembro de 2021)
Lançamento no Brasil: 26 de janeiro de 2022
Criação: Will Speck, Josh Gordon (baseado em quadrinhos criados por Daniel Way e Dalibor Talajić)
Direção: Neal Holman
Roteiro: Josh Gordon, Will Speck, Keith Foglesong, Duffy Boudreau, Matteo Borghese, Rob Turbovsky, Albertina Rizzo, Ken Kobayashi, Paul Levitt
Elenco: Fred Tatasciore, Jason Sudeikis, Ally Maki, Olivia Munn, Nobi Nakanishi, George Takei, Reiko Aylesworth, Noshir Dalal
Duração: 270 min. (10 episódios)

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