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Crítica | Assassinato no Expresso do Oriente (Adaptação em Quadrinhos)

por Luiz Santiago
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Publicado originalmente em 1995 e reeditado, na França, em 2003, esta adaptação em quadrinhos do famoso romance de Agatha Christie realizada por François Rivière (roteiro) e Solidor (arte), resolve muitos problemas contidos no miolo da história original, todos ligados à interrupção da ação enquanto o detetive Hercule Poirot toma os depoimentos dos passageiros, não uma, mas duas vezes (a segunda, tudo bem, mais ágil que a primeira, mas ainda assim, “contaminada” por seguir o padrão fixo de tomada de depoimentos, algo que já tivéramos no mesmo livro). Porém, enquanto conserta um problema, o autor dos quadrinhos cria outros, vítima do pouco espaço para narrar a história (o volume inteiro tem apenas 48 páginas, para adaptar um romance de pouco mais 200), o que o forçou a tomar caminhos não muito interessantes no desenvolvimento da narrativa.

O volume faz parte de uma série de 24 graphic novels baseadas nas obras da Rainha do Crime, publicada na França entre 1995 e 1997 e depois relançada, por outra editora, entre 2002 e 2013. Nesta versão de Assassinato no Expresso do Oriente, temos um início sólido, resumindo bem o pedido de retorno de Poirot a Londres no meio de sua viagem à Turquia (vindo da Síria); a confusão de um incomum trem lotado no inverno e a colocação do detetive em uma cabine da segunda classe. O leitor consegue ter uma rápida apresentação do belga bigodudo, de alguns personagens importantes e já bastante suspeitos (em resoluções inteligentes do roteiro, com a inserção de diálogos que só aconteceram bem mais tarde no livro) e embarca no trem de uma maneira orgânica, algo que é muito ajudado pela arte.

Ver imagens de algo que se criou mentalmente durante uma leitura pode ter implicações bem diferentes. Por um lado, a ideia pode ser muito mais interessante quando vista na adaptação, dada a riqueza de detalhes que pode mostrar e isso vale para filmes, peças, quadrinhos, qualquer representação visual feita de algo que originalmente estava na palavra ou na música (lembrem-se que até aqui no Brasil já foram feitos filmes baseados em canções, como Eduardo e Mônica e Faroeste Caboclo). Por outro lado, a adaptação pode descaracterizar muita coisa do que pensávamos sobre esta ou aquela personagem e, embora isso não seja culpa do artista, infelizmente, afeta em cheio a nossa recepção da obra. No meu caso, absolutamente nenhum personagem desenhado por Solidor (pseudônimo de Jean-François Miniac) chegou a fazer sentido visual.

Agatha Christie's Murder on the Orient Express - hercule poirot noite do crime assassinato no expresso do oriente

A noite do crime é bem mais inquieta nos quadrinhos do que no livro.

Mas a arte tem um outro e real problema, que é o estranho trabalho nos planos de conjunto. Por se tratar de um volume europeu, a diagramação é mais larga e a disposição dos quadros por páginas adota um nível quase inacreditável de elipses, em parte ajudada (ou atrapalhada) pelo roteiro. Em dado momento da história, porém, os pulos temporais são tantos e a disposição dos personagens tão estranha que o leitor se confunde. Claro que o problema não é generalizado, mas nas vezes em que ocorre, não é pequeno. O mesmo pode-se dizer da diagramação, que é um grande exemplo de opostos. Em um momento é intensa e muito bem feita, como na noite do assassinato; e em outras, apenas joga personagens e mostra cenários quase a esmo.

O letrista da história (não há uma definição disso na revista, mas suponho que seja Solidor) também tem uma grande parcela de culpa nessa coleção de confusões. Em muitos quadros os balões são terrivelmente organizados, às vezes imaginamos que a fala vem de alguém, mas na verdade é outro personagem que está falando. Isso quando não há um estranho arranjo para indicar alguém fora do quadrinho respondendo alguma coisa. Chega a ser um pouco vergonhoso. a sorte é que o artista faz um belíssimo trabalho de cores e tem bons acertos no meio do caminho, então nem só de tropeços vive a adaptação.

O final da história é um misto de revelação impactante (há alguns quadros ótimos com a cena do assassinato) e anticlímax, pois o último discurso de Poirot é muito impactante no livro e aqui, nos quadrinhos, não chega nem perto de transmitir o mesmo sentimento de cumplicidade. Esta versão de François Rivière e Solidor para Assassinato no Expresso do Oriente é, no todo, uma boa versão. Todavia, o leitor se vê livre do principal problema do original para encarar alguns outros, tão incômodos quanto. Não foi exatamente uma boa troca.

Assassinato no Expresso do Oriente (Le Crime de l’Orient-Express) — França, 1995
Agatha Christie Graphic Novels Series
Editoras:
 Éditions Claude Lefrancq (1995) e Emmanuel Proust éditions (2003)
Roteiro: François Rivière (baseado na obra de Agatha Christie)
Arte: Solidor (pseudônimo de Jean-François Miniac)
Cores: Solidor
48 páginas

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