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Crítica | Asterix e a Transitálica

por Ritter Fan
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O 37º álbum das aventuras de Asterix e terceiro escrito por Jean-Yves Ferri e desenhado por Didier Conrad é fortemente inspirado – quase um plágio, sejamos francos – por Uma Volta pela Gália com Asterix, o 5º da coleção lançado originalmente em forma serializada em 1963. Se o álbum escrito por René Goscinny lidava com Asterix e Obelix tendo que literalmente dar uma volta na Gália colhendo comidas e bebidas das diversas regiões da futura França, Asterix e a Transitálica coloca a dupla em uma corrida de quadrigas no estilo Paris-Dakar, só que exclusivamente na península itálica em que eles e seus concorrentes comem e bebem comidas típicas de cada região da futura Itália.

Há dois estopins para a história. Do lado romano, o senador Lactus Bifidus, responsável pelas estradas do Império, é acusado de negligência que teria levado as vias a um estado deplorável, cheias de buracos. Para desviar a atenção sobre o assunto, Bifidus inventa na hora uma corrida transitálica, para “unir os povos” e mostrar a qualidade das estradas romanas, algo que é aceito por Júlio César com a condição, claro, que um romano ganhe. Do lado gaulês, Asterix e Obelix estão levando Veteranix ao dentista em Darioritum (Vannes) quando o obeso escultor de menir tem sua palma da mão lida por uma profetisa que diz que ele será um campeão em corrida de carruagens, o que o leva, de impulso, a comprar uma quadriga em forma de galo.

O leitor atento notará que Ferri não só basicamente fez a mesma coisa que Goscinny em Uma Volta pela Gália com Asterix, como ele se autoplagiou, novamente usando uma “previsão” para influenciar Obelix. Em O Papiro de César, a leitura de um horóscopo fez com que Obelix começasse um regime de comida e de conflitos e, aqui, ele faz com que o personagem literalmente desista de ser fabricante de menir e parta para ser auriga, tendo Asterix como seu co-auriga, claro, em uma corrida que reúne diversos povos do Império Romano, incluindo alguns que aparecem pela primeira vez aqui, como a dupla feminina do Reino de Cuxe (desenhada em homenagem às tenistas Venus e Serena Williams), hoje mais ou menos na região onde fica o Sudão e outra da Sarmácia, região que hoje faz parte do Irã.

Dentre os corredores, muito destaque é dado ao representante de Roma, um auriga de máscara dourada chamado Coronavirus (sim…), o franco favorito e que, claro, tem sua vitória garantida por Bifidus que não quer ser exilado para a Cirenaica, hoje a costa oriental da Líbia, por Júlio César. Ferri emprega muito tempo com o mistério sobre sua identidade, mas sem realmente pagar os dividendos prometidos, já que a revelação é razoavelmente vazia, com a máscara apenas sendo justificada por um artifício ao final que deixarei sem menção para não dar spoilers, mas que adianto é óbvia ao extremo.

Se o antagonista não é interessante, a visita às diversas regiões da península itálica garante muita diversão. O itinerário leva nossos heróis de Modicia (Milão) para Parma (com um desvio para Venexia ou, claro, Veneza) e então para Pisae (Pisa) e Florentia (Florença), depois Sena Julia (Siena), Tibur (Tívoli) e, finalmente, Neapolis (Nápolis) em que o roteirista esbanja pesquisa histórica que vai desde tribos locais, passando por sua comida e bebida, além de hábitos de cada região, além de monumentos e acidentes geográficos como é o caso do Vesúvio, obviamente. Há muita energia na história, mesmo que ela esteja longe de ser original.

E o que ajuda muito, mas muito mesmo a elevar o álbum é a incrível qualidade da arte de Didier Conrad. Com a variedade de povos e regiões, o desenhista simplesmente esbanja talento ao criar e recriar povos e ao lidar com uma quantidade enorme de personagens dentro das mesmas páginas e quadros. Para exemplificar, há um determinado momento em que Obelix percebe que Ideiafix não mais está em sua quadriga e para abruptamente seu veículo, forçando que todos os demais desviem ou batam uns nos outros, gerando uma meia-página absolutamente espetacular. Arriscaria dizer – e isso já havia despontado em meus pensamentos na leitura do álbum anterior – que Conrad consegue superar o mestre Albert Uderzo. Heresia? Pode ser, mas tenho para mim que não…

Asterix e a Transitálica tem o mesmo tipo de problema geral que o álbum que inspirou a história, ou seja, não só não há um inimigo marcante, como as situações se repetem, mas, em uma apanhado geral, levando em consideração a arte particularmente inspirada de Conrad, o resultado final consegue ser no mínimo equivalente, o que realmente mostra que a dupla escolhida por Uderzo para sucedê-lo tem efetivamente o que é necessário para fazer a qualidade das aventuras de Asterix voltarem ao nível que teve nas décadas de 50 a 70. E que assim seja!

Obs: Absurdamente, com a troca da licença da Editora Record para a Panini e, depois, de volta para a Record, este álbum, que é de 2017, somente foi publicado no Brasil em setembro de 2021, marcando a primeira vez que não houve publicação simultânea de uma história de Asterix por aqui. Como a presente crítica foi feita com base na leitura do original em francês, os nomes dos personagens novos poderão ser diferentes na tradução nacional.

Asterix e a Transitálica (Astérix et la Transitalique, França – 2017)
Roteiro: Jean-Yves Ferri (baseado em criação de René Goscinny e Albert Uderzo)
Arte: Didier Conrad
Editora original: Les Éditions Albert René
Editora no Brasil: Editora Record
Data de lançamento no Brasil: 13 de setembro de 2021
Páginas: 48

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