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Crítica | Asterix e os Normandos

por Ritter Fan
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René Goscinny, em Asterix e os Normandos, faz outra aventura local, sem que nossos heróis tenham que se deslocar para outros países como em Asterix e os Bretões ou mesmo outros continentes com em Asterix e Cleópatra. E essa é a primeira vez que Asterix e Obelix lidam com vikings, já que haveria outro encontros com eles em A Grande Travessia, de 1975.

Há dois catalisadores para a história. O primeiro é a chegada do jovem e “moderno” Calhambix, da Lutécia. Sobrinho de Abracurcix, ele é descolado, cheio de novidades, muito mimado (tem uma quadriga de “último tipo” vindo de Mediolanum – mais sobre isso em “locais”, abaixo) e extremamente medroso. O segundo é a chegada de invasores normandos, mais conhecidos como vikings (para entender a razão do nome “normando”, vide o final da crítica) que desembarcam no litoral da aldeia de Asterix para uma pesquisa científica: eles precisam saber o que é medo, já que nunca sentiram isso e, diz a lenda, o medo faz a pessoa voar. É claro que eles logo descobrem que Calhambix é um “especialista em medo” e, ato contínuo, o capturam, fazendo com que Asterix e Obelix tenham que ir ao resgate, somente para a confusão estabelecer-se.

Ainda que as costumeiras referências históricas e os divertidos esterótipos culturais estejam tão presentes quanto em volumes anteriores – só a questão do medo já estabelece o tom, que reafirma a lenda de que os vikings eram guerreiros ferozes – a grande verdade é que Asterix e os Normandos é uma história menos inspirada do autor. Há muita repetição temática que chega a cansar ao longo das 50 páginas regulamentares. O chefe normando, Olaf Abonimaf, é responsável por diversas e boas risadas, com um texto afiado de Goscinny, mas mesmo nesse ponto a narrativa acaba não se sustentando de maneira cadenciada.

Por exemplo, a brincadeira com os nomes normandos – todos acabando em “af”, como Abominaf, Paragraf e Epitaf – é engaçada nas primeira e segunda vezes. Mas os diálogos, sempre que podem, recorrem a ela para novamente fazer graça. A entrada da tropa romana na história também soa forçada e desnecessária, como se tivesse sido usada com o objetivo de ampliar o número de páginas. Até mesmo Calhambix é um personagem que não chega a empolgar, dificultando nossa ligação com ele, apesar de sua inegável importância. 

Talvez esteja sendo duro com Asterix e os Normandos, mas não se enganem: ainda é uma boa história que merece sim ser lida. Apenas, em comparação com as obras anteriores, ela empalidece por não oferecer abordagens dinâmicas sobre os temas apresentados.

Por outro lado, a arte de Albert Uderzo mostra-se em forma. Cada normando é desenhado de maneira peculiar, seguindo o estereótipo dos casacos de pele grossa e capacetes com chifres (que, conforme os historiadores afirmam, eles jamais usaram), além de barba, cabelo e bigode loiros. Não há muitos locais diferentes para Uderzo desenhar – o grosso da ação se passa na praia, onde os normandos montam acampamento – mas o artista faz por onde, sempre primando por pequenos detalhes aqui e ali e grande comando da composição dos quadros, especialmente durante a longa luta envolvendo gauleses, normandos e romanos.

Asterix e os Normandos é uma obra menor de Goscinny e Uderzo, mas qualquer obra menor dessa dupla continua sendo leitura obrigatória. O primeiro encontro dos gauleses com os míticos vikings poderia ser melhor, claro, como é o interessante segundo encontro, mas há muito divertido a ser tido aqui, não tenham dúvida.   

Curiosidades: 

– Em determinado ponto, Olaf Abominaf diz “não viemos fazer guerra. Nossos descendentes cuidarão disso daqui a alguns séculos”. A referência à invasão viking na região que hoje é a Normandia é evidente (vide abaixo sobre a Normandia).

– Um legionário, fugindo da luta contra os normandos e gauleses, diz “sair à gaulesa”, referindo-se, claro a “sair à francesa”.

– Calvados é citada como a bebida dos vikings. E isso é e não é verdade. A questão é que “calvados” é uma bebida destilada à base de maçã que se origina da Normandia, na França, e não da Escandinávia. Com isso, Goscinny faz uma brincadeira, pois o “calvados” seria criado pelos vikings que tomariam a Normandia séculos depois.

– Comida com creme – Assim como a hortelã é usada para estigmatizar a culinária dos Bretões em Asterix entre os Bretões, o “creme” é usado para caracterizar todos os pratos normandos.

– Drakkar – Em português “Dracar” ou “Drácar”, trata-se do típico navio viking e significa “cabeça-dragão” por ter, em sua proa, exatamente uma cabeça de dragão esculpida em madeira.

– “Os normandos desembarcam na Gália”, “Desembarque da Normandia” – A referência, aqui, é óbvia, nessas duas frases ditas ao longa da história. Trata-se, evidentemente, do desembarque das tropas aliadas no chamado dia D na Normandia, que mudou o rumo da Segunda Guerra Mundial.

– Ideiafix ecológico – O minúsculo cachorro de Obelix revela sua faceta ecológica ao ganir por duas vezes quando Obelix, com sua força descomunal, derruba duas árvores.

– Em determinado momento, um legionário diz ao outro que “não ir e não ver é a melhor maneira de não ser vencido”. Trata-se de uma divertida brincadeira com a famosa frase supostamente dita por Júlio César no Senado romano: Veni, vidi, vici. Em português, ela significa “vim, vi e venci”.

Sol Lucet Omnibus – Um legionário romano fala essa frase depois que é atacado por Obelix. Ela pode ser traduzida como “o sol brilha para todos”.

– Essa é uma das poucas histórias em que, no banquete final, Chatotorix não acaba amarrado.

Locais:

Aldeia gaulesa.

Normandia (algum lugar não identificado) – Diferentemente do que se pode imaginar, a Normandia e os normandos citados no título e que aparecem no álbum não são aqueles que moram no que hoje se conhece como a região da Normandia, no norte da França (Gália). O nome “normando” vem de “Northmen” ou “Norsemen”, que significa “homens do Norte” ou, mais precisamente, guerreiros vindos genericamente do que hoje é a Escandinávia, os Vikings. No começo do século X, o então rei da França, diante da invasão dos vikings em seu país, criou o ducado da Normandia onde hoje é a Normandia que conhecemos. Como as aventuras de Asterix se passam antes de Cristo, Goscinny usa normando como descrição genérica para os Vikings e, ao longo do texto, deixa isso bem claro.

Mediolanum (Milão) – Mencionado com sendo a cidade de onde a quadriga esportiva de Calhambix vem, em evidente menção aos carros esportivos italianos.

Armórica – Mencionado por Abracurcix como sendo o lugar onde vivem. E, de fato, isso é verificável em todos os volumes de Asterix, no tradicional mapa que mostra a aldeia. A Armórica era a região da Gália que englobava a Bretanha e o território entre os rios Sena e Loire. A palavra vem da expressão gaulesa are mori, que significa “à beira-mar” e a aldeia de Asterix fica à beira-mar.

Lutécia (Paris – vide origem da palavra, aqui) – Cidade (apenas mencionada) onde moram Oceanix e Calhambix, respectivamente irmão e sobrinho de Abracurcix.

Personagens (além de Asterix e Obelix):

– Abracurcix – chefe da aldeia gaulesa.

– Panoramix – druida da aldeia gaulesa.

– Chatotorix – bardo da aldeia gaulesa.

– Oceanix (só mencionado) – irmão de Abracurcix que mora na Lutécia (Paris).

– Calhambix – filho mimado e medroso de Oceanix que vem passar férias na aldeia gaulesa.

– Olaf Abominaf – chefe dos normandos (vikings).

– Paragraf, Epitaf, Pifepaf, Jogodeabaf, Entressaf, Garraf, Desabaf, Espinaf, Epaf, Batiscaf, Datilograf, Estenograf, Autograf e Estaf – guerreiros normandos.

– Troleibus e Roletarrus – legionários romanos. 

– Autosservix – dono da Taverna de Autosservix, na estrada para a Lutécia.

  • Crítica originalmente publicada em 24 de dezembro de 2014. Revisada e atualizada para republicação hoje, 20/05/2020, como parte da versão definitiva do Especial Asterix do Plano Crítico.

Asterix e os Normandos (Astérix et les Normands, França/Bélgica – 1966)
Roteiro: René Goscinny
Arte: Albert Uderzo
Editora original: Pilote (serializada em 1966 e lançada em formato encadernado em 1966)
Editoras no Brasil: Editora Record (em formato encadernado)
Páginas: 50

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