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Crítica | Asterix entre os Bretões

por Ritter Fan
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Depois de escrever O Combate dos Chefes, uma obra localizada na França apenas, mas nem por isso menos engraçada, René Goscinny faz Asterix e Obelix atravessarem o Canal da Mancha (o Mare Britannicum, na verdade) para ajudar Cinemax, primo de Asterix, a salvar a aldeia de Cantium (Kent) que, assim como a aldeia gaulesa, é o último reduto livre do Império Romano na Britânia. Felizes da vida pela expectativa de distribuir tabefes nos romanos que deixaram a Gália para a invasão britânica, os dois não hesitam em partir para lá no frágil bote de Cinemas, com direito a destruir o tradicional navio dos piratas duas vezes.

O objetivo da missão é muito simples: levar um barril cheio de poção mágica da Gália até Cantium em uma corrida contra o tempo. Mas o objetivo maior é mesmo destilar toda a sátira de Goscinny em relação aos ingleses. Nada escapa às suas canetadas brilhantes: o modo de falar (“eu peço seu perdão”, “vamos sacudir as mãos”, “isso é um pedaço de sorte”, “o barco é menor do que meu tio’s jardim”, “quente água”e por aí vai), a direção do lado “errado” da pista, a comida (horrorosa, em regra), o “chá” das cinco (coloco entre aspas pois não é exatamente chá, apenas “quente água” com leite, até Asterix inventar o chá para eles), o sistema (não) métrico, o sistema monetário, a rivalidade dos times de futebol e uma infinidade de outros aspectos.

É engraçadíssimo ler Cinemax falando de seu jeito aristocrático e ao contrário. São momentos que nós podemos muito bem identificar as diferenças das línguas originadas do latim e do anglo-saxão e, se pararmos para pensar – tendo algum conhecimento do inglês, claro – podemos dar boas risadas só com as traduções mentais e as atitudes de Obelix em relação ao jeito britânico de ser.

Mas Goscinny, aparentemente, respeita a Inglaterra, pois não só se preocupa em dizer que está apenas brincando com eles, como também, ao final, faz Asterix dizer que “qualquer dia também podemos precisar de vocês”, referenciando a Segunda Guerra Mundial. É algo que não vemos em Asterix e os Godos, em que a acidez do autor é destruidora em relação aos alemãs (e, convenhamos, mais engraçada ainda).

A arte de Albert Uderzo continua irretocável. Ao criar suas próprias versões de aspectos e construções da Inglaterra atual, como o ônibus de dois andares, a Torre de Londres e o Palácio de Buckingham, ele consegue um resultado excelente, de se tirar o chapéu, que ao mesmo tempo respeita e brinca com os símbolos do país. Vale especial nota o quão lúgubre – e cercada de corvos – é a Torre de Londres e as gags tipo pastelão que resultam daí.

Asterix entre os Bretões é assaz fenomenal. Um “precisar ler”, como diria o povo do lado de lá do Canal da Mancha!

Curiosidades:

– Obelix diz como seria bom ter um túnel entre Gália e Bretanha, para fugir do clima e Cinemax confirma que os trabalhos já começaram, mas que “vai ser assaz demorado, um tanto”. Evidente referência ao Eurotúnel que, apesar de realmente ter sido objeto de infindáveis discussões ao longo de décadas, só viria a começar a ser construído em 1988, 23 anos depois de Asterix entre os Bretões começar a ser publicado. A construção levou seis anos, encerrando-se em 1994.

– Os Beatles fazem uma ponta na história, aparecendo para a loucura das fãs.

– Asterix e Obelix fazem troça com diversos aspectos da cultura bretã, especialmente a fala “ao contrário”, a direção do lado errado da pista, o sistema de medidas e monetário confuso, o hábito de tomar cerveja morna, o hábito de usar molho de hortelã em todos os pratos da culinária e, claro, o nevoeiro e a chuva incessantes do país.

– O “chope duplo” ou ônibus de dois andares, marca registrada de Londres, aparece puxado por bois.

– Vemos versões “alternativas” da Torre de Londres (Torre de Londinium) e do Palácio de Buckingham, com seus característicos portões com leões.

– Asterix diz ao final para Cinemax que “qualquer dia também podemos precisar de vocês” em uma clara alusão à Segunda Guerra Mundial e a gigantesca e vital ajuda da Inglaterra na derrocada alemã.

– Panoramix elogia a calça de tweed da Caledônia (Escócia) de Cinemax, fazendo ainda referência à alfaiate, em direta brincadeira com as roupas elegantes dos britânicos.

– Os times de Camulodunum (Colchester) e Durovernum (Canterbury) usam as exatas mesmas cores atuais.

– O Chefe Zebigbos, chefe de Cantium, foi desenhado como uma caricatura de Harold Wilson, político do Partido Trabalhista britânico e Primeiro Ministro da Inglaterra na época em que a história foi escrita.

– Latim – Suave Mari Magno, frase dita pelo pirata mais velho, depois de o navio deles ser afundado pela primeira vez (nessa história) por Asterix e Obelix. É a frase de abertura de De Rerum Natura, de Lucrécio e é uma expressão de quem se vê livre dos males de outrem.

– Latim – Omni barrilum confiscatui sint, frase dita pelo decurião romando dando ordem para confiscar os barris de A Gaulesa Ânfora. Significa “todos os barris devem ser confiscados”.

– Latim – Quousque tandem, Aimeuscalus, abutere patientia nostra, frase dita por um legionário romano depois de tomar esporro de Aimeuscalus por ter bebido. É uma variação da primeira frase dos quatro discursos de Cícero, acusando Catilina de tentar derrubar o governo romano. A frase pode ser traduzida como “até quando, Aimeuscalus, abusarás de nossa paciência?”

– Latim – Fluctua nec mergitur, frase dita pelo pirata mais velho no segundo naufrágio da história. Esse é o lema da cidade de Paris e significa “é sacudida pelas ondas, mas não afunda”. 

Locais:

– Aldeia gaulesa.

– Mare Britannicum – Canal da Mancha

– Londinium – Londres
– Aldeia de Cantium (resistência bretã) – Kent
– Portus Itius (apenas mencionada)- Porto de Calais
– Dubrae (apenas mencionada) – Dover
– Camulodunum (apenas mencionada) – Colchester
– Durovernum (apenas mencionada) – Canterbury
– Visto apenas nos mapas: Hibérnia (as Irlandas), Caledônia (Escócia), Glevum, Belgarum, Dorvernum, Camulodunum
Personagens (além de Asterix e Obelix):

– Abracurcix, chefe da aldeia gaulesa.

– Panoramix, druida da aldeia gaulesa.

– Chefe Godseivzekingos, chefe dos bretões.

– Chefe Zebigbos, chefe de Cantium.

– Otorrinolaringologix, habitante de Cantium e conselheiro do Chefe Zebigbos.

– Mac Arronix, habitante de Cantium e conselheiro do Chefe Zebigbos.

– Cinemax – primo de Asterix.

– Centurião Tullius Cumulonimbus, chefe do acampamento fortificado d Aquarius.

– Mandrax, dono da estalagem O Sorridente Javali.

– Caius Aimeuscalus, prefeito de Londinium.

– Relax, dono da estalagem A Gaulesa Ânfora.

– Claudius Lapsus, legionário que prova vinhos e acha a poção mágica.

– Sintax, dono de estalagem e primo de Relax.

– Ipipurax – jogador de Camulodunum que toma a poção mágica.

  • Crítica originalmente publicada em 17 de dezembro de 2014. Revisada e atualizada para republicação hoje, 13/05/2020, como parte da versão definitiva do Especial Asterix do Plano Crítico.

Asterix entre os Bretões (Asterix chez les Bretons, França/Bélgica – 1966)
Roteiro: René Goscinny
Arte: Albert Uderzo
Editora original: Pilote, Dargaud (serializada em 1965 e lançada em formato encadernado em 1966)
Editoras no Brasil: Record (em formato encadernado)
Páginas: 50

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