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Crítica | Astro City: Álbum de Família

por Luiz Santiago
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Compilando as edições #1 a 3 e depois #10 a 13 da série Astro City Vol.2, o arco Álbum de Família traz uma série de aventuras e confissões envolvendo os mais diversos laços familiares, colocando em cena gente comum + heróis e vilões que afetam essas relações basilares de uma sociedade. Existem mini-arcos no meio dessa antologia familiar, colocando-nos em contato com personagens das mais diversas camadas, fazendo coisas para defender o seu sangue, sua geração, sua descendência e legado…

O volume é aberto pela excelente Bem-Vindo a Astro City (Welcome to Astro City), que conta a história de um pai que muda com suas duas filhas para a icônica cidade, numa tentativa de ‘começar de novo’. Logo em seu primeiro dia ele se depara com uma luta do Samaritano contra a Legão de Prata e este é praticamente o batismo de fogo para quem chega a Astro. Por ser um cidadão comum, pai de família e com dificuldades pessoais diante das quais podemos nos relacionar de imediato (não que não possamos com os outros personagens, mas o tom realista aqui tem um papel mais forte na identificação), esta se torna uma aventura perfeita para começar o álbum. O olhar de pessoas comuns para um ambiente cheio de perigos e maravilhas… E aqui vale dizer que a batalha contra o Trovombo é realmente épica.

Eu já tinha demonstrado toda minha admiração a Kurt Busiek em Você Tão Perto pela capacidade de fazer as coisas mais complexas e mais cheias de implicações dentro da narrativa mais objetiva que se possa imaginar. E aqui em Bem-Vindo a Astro City isso acontece mais uma vez. Conhecemos um pouco da História da cidade pelos olhos de uma família recém-chegada, ouvimos falar do dilema com o Agente de Prata, da Torre do Astrobank, do Ás dos Ares e do restaurante do Léo Lelé, sendo alguns desses personagens e lugares melhor explorados em histórias posteriores. Pelos olhos dos novatos, tememos viva a experiência de um contato com a Primeira Família, alguns membros da Guarda de Honra e dos Irregulares de Astro City… É um espetáculo em diversos níveis, com boa dose de suspense no roteiro e que fica ainda melhor com a chegada de Hélia e a visão de comunidade ou ligação com a ideia de “começar de novo” que o sr. Ben Pullam tinha em mente quando se mudou para aquele lugar.

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A fúria de Trovombo (Thunderhead).

A segunda fotografia deste álbum ocupa as edições dois e três, intituladas Mais Um Dia (Everyday Life) e Aventuras em Outros Mundos (Adventures in Other Worlds). Focadas na Primeira Família e com destaque especial para a pequena Astra, esse drama mostra uma triste realidade que podemos atribuir, como uma leitura estendida, a todo tipo de indivíduo com algum talento e que, desde criança, está sob holofotes. Nós conhecemos inúmeros casos disso na música, na TV e no cinema, e temos depoimentos dos próprios artistas, já adultos, que foram privados de diversas coisas de criança porque tinham que se preocupar com ensaios, com gravações. Mesmo com a mudança dessa perspectiva por parte dos pais ao longo do tempo, ainda é possível perceber o impacto que essa grande exposição midiática tem para uma criança. E é justamente disso que essas duas revistas tratam.

Astra é uma menina de 10 anos com uma rotina que nem mesmo os adultos possuem. Ela se sente desconfortável em falar de coisas normais de meninas de sua idade (confesso que na sequência da entrevista me bateu uma tristeza gigante), mas sabe tudo sobre energia, circuitos e supervilões. E Busiek aproveita a deixa para nos contar a história de origem da Primeira Família, que guarda um elemento de gerações tão intenso para a sua própria existência como grupo, que não poderia estar em nenhum outro compilado de histórias que não este intitulado Álbum de Família.

Com a saída de Astra para uma aventura particular, uma outra série de pensamentos pode ser levantada. A busca por aventura, o primeiro suspiro da independência de uma pessoa, a coragem de se desvencilhar da proteção familiar e fazer algo… tudo isso vem à tona em uma sequência que tem como gatilho uma brincadeira de amarelinha. E o que isso engendra para a Família é fenomenal. A arte dessas edições ganha asas e mostra de maneira soberba os mais diversos ataques e as nada simpáticas “visitinhas” que o grupo de heróis faz aos seus inimigos, tentando encontrar a caçula desaparecida que eles imaginavam ter sido sequestrada por um dos vilões recorrentes. Mas ela só estava tirando um tempo para ser criança…

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A Primeira Família em crise…

Na história do Sucateiro (The Junkman), intitulada Mostre a Todos (Show ‘Em All) encontramos uma outra possibilidade de leitura externa, agora, de um indivíduo genial, um inventor, que chega a uma certa idade que não pode mais trabalhar… Não porque não quer, muito pelo contrário. Mas porque o mercado definiu por ele o seu “tempo de validade”. Trata-se daquele tipo de história em que o leitor não consegue ficar com raiva do vilão e onde não existe recusa em se falar das implicações éticas e morais de se roubar milhões do banco da cidade — sem deixar rastros –, tendo no horizonte a vontade de alguém em mostrar que ainda sabe e tem energia para fazer coisas incríveis. É uma história amarga e com um tipo de “final feliz” que a gente não consegue aproveitar, de verdade, toda a felicidade que traz consigo.

Nas edições Dentes de Serpente e Dia dos Pais o foco é dado para o Caixa de Surpresas, de quem conhecemos a história e, mais uma vez, existe um fator familiar intrínseco à própria existência do personagem. Por mais que eu tenha achado um pouco conveniente demais a explicação para o aparecimento de “filhos do futuro” do herói, não pude deixar de me impressionar com o rumo que a trama levou e com a discussão que trouxe à tona: o medo da paternidade e as muitas coisas que um homem com medo de ser pai normalmente considera quando recebe a notícia… A figura paterna tem um peso enorme em Álbum de Família (já na primeira história isso era percebido) e aqui se mostra como a verdadeira motivação para a existência do Caixa de Surpresas, em diversas realidades possíveis.

Por fim, vem a minha história favorita desse encadernado, O Astro das Telas (In the Spotlight). Nela é contada a história do leão e do bar que conhecemos lá em Bem-Vindo a Astro City, tendo como ponto de partida a chegada de um jovem agente de publicidade que pretende contratar o Léo Lelé para fazer propagandas na TV… Mais uma história de origem é narrada, só que dessa vez, focada em um tipo especial de vida. O leão aqui em cena é, literalmente, uma peça publicitária da Era de Ouro de Hollywood que ganhou vida por acaso, durante o ataque de um vilão chamado Professor Borzoi. A fantasia se junta a um tipo de Crepúsculo dos Deuses em quadrinhos, colocando o leão laranja em situações tão humanas, tão trágicas, tão problemáticas e às vezes tão questionáveis que dá à história aquele poder estranho de realidade, quando aventuras com personagens antropomórficos vivem situações intimamente nossas (alô alô Blacksad!).

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Álbum de Família nos traz um olhar amplo e fortemente impactante de como a família é importante para nós e de como podem existir diversas formações e grupos a que podemos chamar de familiares. Os laços feitos ao longo da vida, os tropeços e as vitórias que conseguimos ao lado dessas pessoas fazem parte de nossa memória e, muitas vezes, ajudam a formar muito do que entendemos do mundo e de como julgamos ou aceitamos as pessoas ao nosso redor. Ao falar de heróis de diferentes idades e também de pessoas comuns com os mesmos dilemas em seus laços pessoais, Kurt Busiek adiciona mais uma camada de identificação do leitor com essa cidade, que nos impressiona e nos encantada a cada nova saga.

  • Nota: o encadernado da Panini (2015) traz extras com galeria de capas e concepção dos seguintes personagens: Ás dos Ares, Trovombo, Astra e Mister Sabido, Kaspian, O Sucateiro, Sabre Negro, Caixote, Surpresa, Zachary Johnson, Léo Lelé e Cavalheiro.

Astro City: Family Album — EUA, setembro de 1996 a de 1997
Contendo: Astro City Vol.2 #1 a 3 + #10 a 13
No Brasil: Panini Comics, dezembro de 2015
Roteiro: Kurt Busiek
Arte: Brent Anderson
Arte-final: Brent Anderson, Will Blyberg
Cores: Alex Sinclair
Letras: John Roshell, Comicraft
Capas: Alex Ross
Editoria: Ann Busiek, John Layman
228 páginas

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