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Crítica | Astronauta – Singularidade

por Luiz Santiago
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Pelo menos nos dois trabalhos realizados para o projeto Graphic MSP, Danilo Beyruth tem se mostrado melhor desenhista do que roteirista. Com isso eu não quero dizer que seus roteiros não são bons, mas comparados com a qualidade de sua arte nestes dois projetos (Magnetar e Singularidade, ambos protagonizados pelo Astronauta), o primeiro lugar é, definitivamente, da arte.

Depois do “náufrago galáctico” pelo qual Astronauta Pereira passou em sua missão anterior, seus superiores na BRASA (Brasileiros Astronautas) o colocaram em análise psicológica. Este é o ponto inicial de Singularidade, cujas primeiras páginas exploram de maneira interessante a relação entre Astro e a doutora que o está avaliando. A resistência do paciente e a densidade da conversa entre os dois rendem ótimos quadros e dão uma impressão inicial bastante positiva para o leitor; uma impressão que dura até a reconvocação de Astro para voltar ao espaço e a obrigatoriedade de mais dois tripulantes na nave, um Major gringo e a astronauta-psicóloga.

De cara é estabelecida a tensão entre o Astro e a doutora que adiante se transformará em atração sexual. Como o protagonista tem uma fixação doentia pela ex-namorada Ritinha, que se cansou de esperá-lo e casou-se com outro, Beyruth resolveu inserir aqui uma possível alterativa à vida amorosa do solitário homem de 27 anos (com carinha de 38), corrompendo a relação interessante que se apresentou no início e perdendo a oportunidade de deixar a relação apenas na sugestão e não entregá-la com cenas (quase)românticas para o leitor. Infelizmente essa linha do texto ganha tal importância que serve de âncora para o desfecho da obra, com um amargo sabor de anti-clímax.

A missão que Singularidade nos traz é a investigação de um buraco negro, um dos grandes mistérios da física e da astronomia. O roteiro força um pouco a barra ao tentar justificar a presença do major estrangeiro na viagem mas se aceitarmos rápido a explicação conseguimos curtir melhor a aventura. A jornada do trio e as questões científicas colocadas no enredo nos trazem lembranças das lições que vimos e aprendemos em Cosmos (versão de 1980 e versão de 2014), e nos abre espaço para comparações com filmes de ficção científica tais como O Enigma do Horizonte (1997), O Buraco Negro (1998), Zathura – Uma Aventura Espacial (2005) e, se esta obra tivesse sido lançada uns poucos meses depois, certamente Interestelar (2014).

A exploração do evento científico aqui é tecnicamente mais simples que a de Magnetar, mas isto não significa que seja fácil. O autor, ainda bem, dá mais atenção para o conflito entre Astro e o Major e também ao que pode causar a arma-buraco negro, deixando um pouco de lado a “ciência pura”, escolha que trouxe benefícios para o texto. Todavia, sobre esse ponto, sinceramente não entendo a necessidade de um contexto didático-científico (a explicação do evento, entendem?) para a construção do roteiro, mesmo que eu não ache isso ruim. Sagas galácticas densas como A Odisseia da Metamorfose e Dreadstar foram construídas apenas com indicações simples de elementos físico-mecânico-químico-astronômicos e funcionaram perfeitamente.

Talvez o “caráter Star Trek” de exploração espacial arraigado ao personagem tenha guiado Beyruth para esse tipo de tratamento entre ciência e o drama sci-fi, no entanto, é hora de pensar fora da caixa, algo que meu underboss Ritter Fan já tinha aludido em sua crítica de Magnetar. O mesmo ambiente cômodo e comum ao Astronauta clássico permanece aqui, com a única vantagem de ter uma arte quase divina de tão bonita, mas uma história que pouco empolga.

Se fôssemos considerar apenas o conjunto formado por arte, arte-final e cores, Singularidade seria uma obra-prima. Eu não consegui encontrar um único defeito nesses pontos, e devo dizer que a cada página que virava eu ficava mais empolgado e maravilhado com os desenhos. Beyruth modulou os traços em basicamente dois tipos e fez o mesmo para a finalização: para quadros mais “poluídos”, predominância de traços grossos; para quadros mais “limpos”, predominância de traços finos. O jogo funciona tão bem, que quado chegamos no espaço, temos uma perfeita contextualização de cenários sem nem precisar do texto para nos trazer força dramática àquilo que vemos.

A diagramação muitíssimo bem pensada (o ritmo da história é preciso, praticamente o de um filme de ficção científica bem editado) e as belas cores de Cris Peter dão à história uma identidade visual única, totalmente contrastante com o predomínio do azul em Magnetar e capaz de nos fazer querer ver o álbum sem ler os diálogos. Peço que peguem o volume e vejam novamente a longa sequência da página 42 à 67. Observem o ritmo crescente e decrescente dos quadros, como são bem alternados, as nuances de cor bem aplicadas e a ótima constância de qualidade nos desenhos de Beyruth. A briga do Astro com o Major (ambos vestidos com seus mega uniformes) e a preparação para a desativação da arma-buraco negro são de fazer cair o queixo.

Em já avançada fase do projeto Graphic MSP, é de se perguntar o que prende Beyruth a um cenário/enredo tão confortável como os que ele vem apresentando para o Astronauta. Singularidade é um volume muito bom, mas ainda está aquém dos outros lançamentos da série até este final de 2014 (fora o já citado Magnetar, temos Chico Bento – Pavor Espaciar; Turma da Mônica – Laços; Piteco – Ingá e Bidu – Caminhos). Talvez o autor devesse aprender algumas lições com o que já foi feito pelos colegas, cada um em seu cenário e com suas limitações, e trouxesse para sua arte exemplar um pouco mais de tutano. Todos sairiam ganhando.

Astronauta – Singularidade (Brasil, dezembro de 2014)
Graphic MSP #6

Roteiro: Danilo Beyruth
Arte: Danilo Beyruth
Cores: Cris Peter
Páginas: 82

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